terça-feira, 26 de março de 2013

Felicidade Verdadeira


No texto desta semana, Thay fala sobre a felicidade verdadeira. Ele diz que a verdadeira felicidade deve ser baseada na Paz.Thich Nhat Hanh diz que felicidade é prática. Você tem que cultivar felicidade; não pode comprá-la num supermercado. Nós temos a tendência de pensar em felicidade como algo que iremos obter no futuro, mas ela não é algo que temos depois de se obter as chamadas condições para felicidade: o conforto material e emocional. Felicidade Verdadeira não depende desses confortos; nada pode retirá-la de você.
Aprenda como se treinar para obter a felicidade verdadeira:

Felicidade é prática. Nós deveríamos distinguir entre felicidade e excitação e mesmo alegria. Muitas pessoas no Ocidente pensam que excitação é felicidade. Eles pensam algo, ou esperam algo que consideram felicidade, e, para eles, isto já é felicidade. Mas quando você está “aceso”, não está em paz. Verdadeira felicidade deve ser baseada na paz, e na verdadeira felicidade não há mais excitação.

Suponha que você está andando no deserto e está morrendo de sede. De repente você vê um oásis e sabe que uma vez estando lá, haverá uma corrente de água e você poderá beber de forma a sobreviver. Embora não tenha de fato visto ou bebido a água, você sentirá algo: isto é excitação, isto é esperança, isto é alegria, mas não felicidade ainda. Na psicologia budista nós distinguimos claramente entre felicidade, excitação e alegria. A felicidade verdadeira deve ser fundada na paz. Portanto se você não tem paz em você mesmo, não experimentou a felicidade verdadeira.

Você tem que cultivar felicidade; não pode comprá-la num supermercado. É como jogar tênis: você não pode comprar a alegria de jogar tênis em um supermercado. Pode comprar a raquete e as bolas, mas não o prazer de jogar. De forma a experimentar a alegria do tênis você tem que aprender, e treinar. Do mesmo modo, tem que cultivar a felicidade.

Meditação caminhando é uma maneira maravilhosa de treinar para ser feliz. Você está aqui, e olhando adiante, vê um pinheiro. Você se determina que enquanto caminha ao pinheiro, desfrutará cada passo, que cada passo irá te dar paz e felicidade. Paz e felicidade têm o poder de nutrir, de curar, de satisfazer.

Há aqueles de nós que são capazes de ir daqui até o pinheiro de modo a desfrutar de cada passo. Não somos perturbados por nada: nem pelo passado, nem pelo futuro, nem pelos projetos e nem pela excitação. Nem mesmo pela alegria, porque na alegria também há excitação e não há paz suficiente. E se você está bem treinado na meditação andando, em cada passo você experimentará paz, alegria e realização. Será capaz de tocar verdadeiramente a Terra em cada passo. Verá que estar vivo estabelecido totalmente no momento presente, dar um passo e tocar as maravilhas da vida em cada passo pode ser excelente, e você vive aquela maravilha em cada momento da caminhada. Se você tiver a capacidade de andar assim, caminhará no Reino de Deus ou na Terra Pura do Buda.

Portanto você pode se desafiar: “Farei a meditação caminhando daqui até o pinheiro. Prometo que serei bem sucedido”. Se você não estiver livre, seus passos não te trarão paz e felicidade. Portanto cultivar a felicidade também é cultivar liberdade. Liberdade de que? Liberdade das coisas que te aborrecem, das coisas que não te deixam ter paz, das coisas que evitam que você esteja plenamente presente aqui e agora.

Uma monja escreveu para mim que ela tinha uma amiga visitando Plum Village. Sua amiga não seguiu o caminho monástico, ao invés disso, ela casou e agora tem uma família, um trabalho, uma casa, um carro e tudo o que ela precisa na sua vida. Ela tem sorte porque seu marido é um bom homem, não cria muitos problemas. O trabalho dela é agradável com um salário acima da média. Sua casa é bonita. Ela pensa que seu relacionamento é bom, contudo não é o que ela esperava. Claro, você nunca pode ter exatamente o que espera.

E ela ainda não se sente feliz e está deprimida. Intelectualmente ela sabe que em termos de conforto, ela tem tudo. Muitos de nós pensamos em felicidade em termos de possuir confortos materiais e emocionais. Não muitos são tão bem sucedidos como a amiga da monja e ela sabe que é uma afortunada, mas mesmo assim ela não é feliz.

Nós temos a tendência de pensar em felicidade como algo que iremos obter no futuro. Nós esperamos felicidade. Nós pensamos que não temos as condições que imaginamos serem necessárias para sermos felizes, mas uma vez que as tenhamos, a felicidade estará lá. Por exemplo, você quer um diploma porque imagina que sem ele não será feliz. Portanto pensa nele dia e noite e faz tudo para consegui-lo porque acredita que irá trazê-lo felicidade. Você prevê que a felicidade existirá amanhã, quando você conseguir o diploma. Poderá haver alegria e satisfação nos dias e semanas que seguirão o momento do recebimento do diploma, mas você se adaptará à nova condição rapidamente, e em poucas semanas, não estará mais feliz. Você se acostumou a ter um diploma. Portanto aquele tipo de excitação, aquele tipo de felicidade tem vida curta. Nós criamos imunidade a felicidade, ficamos acostumados à nossa felicidade e depois de um tempo não nos sentimos mais felizes.

Talvez você queira se casar com alguém, pensando que se não puder casar com ele ou ela não poderá ser feliz. Você acredita que a felicidade será grande depois de casar com essa pessoa. Depois de você casar, talvez tenha um tempo de felicidade, mas eventualmente a felicidade desaparece. Não há mais excitação, alegria, e é claro felicidade. O que você tem não é o que esperava. Então talvez você passe, a saber, que o que você obtém não continuará por muito tempo.

Mesmo um bom emprego, você estará certo que não poderá mantê-lo por um longo tempo. Você poderá ser despedido, portanto de forma subjacente há medo e incerteza. Este tipo de felicidade sem paz tem elementos de medo e não pode ser felicidade verdadeira. A pessoa com quem você está morando poderá traí-lo um dia; você não pode estar certo que esta pessoa será fiel por todo o tempo. Portanto medo e incerteza estão presentes também. Para preservar estas chamadas condições de felicidade você tem que se manter ocupado o dia inteiro. E com essas preocupações, incertezas, e ocupações você não se sente feliz e se torna deprimido.

Portanto nós aprendemos que felicidade não é algo que temos depois de se obter as chamadas condições para felicidade: o conforto material e emocional. Felicidade verdadeira não depende desses confortos; nada pode retirá-la de você. Quando nós vamos a um centro de prática, estamos querendo aprender como cultivar a verdadeira felicidade.

Quando eu era um monge jovem as pessoas me diziam que os ensinamentos do Buda poderiam ser sumarizados em quatro sentenças curtas. Eu não fiquei impressionado quando li essas frases. As pessoas perguntavam ao Buda como ser feliz e ele dizia que todos os Budas ensinavam a mesma coisa:

Evite fazer as coisas más
Tente fazer as coisas boas
E aprenda como subjugar e purificar sua mente
Este é o ensinamento de todos os Budas

Muito simples e por isso eu não fiquei impressionado. Eu disse, “Todos concordam que você tem que fazer coisas boas e evitar fazer as coisas más. Subjugar e purificar a mente é muito vago”. Mas depois de seis anos de prática eu tinha outra idéia sobre os ensinamentos. Agora eu vejo que são muito profundos, e são um real ensinamento de felicidade.

Vamos analisar juntos. O gatha que aprendi estava em chinês, em quatro linhas, e cada linha continha quatro palavras.

Coisas más não façam
Coisas boas tentem fazer

Não parece muito profundo: nada espetacular. Todos sabem, devemos fazer as coisas boas e as más não. Você não precisa ser um Buda para ensinar isso. Portanto não me impressionei. A terceira e quarta linhas são:

Tente purificar, subjugar sua mente
Estes são ensinamentos de todos os Budas

Agora eu entendo que as coisas más que deveriam ser evitadas são aquelas que criam sofrimento para você e para outras pessoas, incluindo os outros seres vivos e o ambiente. Mas como reconhecer algo como uma ação boa ou má? Plena consciência. Plena consciência ajuda você a saber o que é uma ação boa ou má; saber que se você fizer as coisas más trará sofrimento para si e para outros. Isto é uma definição muito simples e precisa de bom e mau. E é claro, as boas ações são aquelas que trazem alegria e felicidade verdadeira.

Tudo que é bom se esforce por fazê-lo. Isto significa fazer o que pode trazer paz, estabilidade e alegria para você e para outras pessoas. É fácil dizer, fácil de entender, mas não é fácil de fazer ou evitar. As duas primeiras coisas dependem totalmente da terceira: purificar, subjugar sua mente. A mente é a base de tudo.

Se há confusão na sua mente, se há ódio e fortes desejos na sua mente, então sua mente não está pura, sua mente não está sob controle, subjugada e mesmo que você queira fazer boas ações, não poderá e mesmo que queira evitar fazer as más ações também não poderá. E por isso que a base, a raiz é sua mente.

Quando você evitar fazer más ações está praticando compaixão, porque as evitando significa não levar sofrimento para você e outros. A prática da compaixão é a prática da felicidade, porque felicidade é a ausência de sofrimento. Portanto tente fazer as boas ações: karunamaitri. Este ensinamento é a prática do amor, da compaixão, da generosidade. Quando você entende, as duas primeiras sentenças passam a ter muito significado. Você pratica amor, compaixão, generosidade e essas práticas te trazem felicidade. Felicidade não pode existir sem amor. Os Budas nos recomendam amar, e o modo concreto é evitar ser causa de sofrimento e buscar oferecer felicidade.

Você pode fazer isso de forma fácil e bonita apenas quando souber como subjugar sua mente, como purificar sua mente. Isto é muito especial. Se você fizer a pergunta, “Qual a coisa mais especial do budismo?”, a resposta é: a arte de subjugar sua mente, de purificar sua mente. O budismo nos dá os ensinamentos concretos de forma a purificar, subjugar e transformar nossa mente. E uma vez que sua mente esteja purificada, subjugada, transformada, a felicidade se torna possível. Em uma mente que ainda tem muita confusão, desejo, raiva, e falta de entendimento não pode haver amor e felicidade para si mesmo e para o mundo. Portanto o ponto mais importante a aprender é a arte de subjugar, controlar a mente e purificá-la. Se você não conseguiu isso, você não conseguiu nada do budismo.

T.S. Eliot era um poeta, escritor e crítico nascido em Boston em 1888. Quando cresceu foi para a Europa e se tornou cidadão britânico. Sua poesia é um tipo de meditação; ele olha profundamente e muitos de seus poemas são gathas mostrando seu entendimento. Ele disse que sempre tentou olhar profundamente; essas foram as palavras que ele usou: olhar profundamente, para entender as raízes do sofrimento. Ele descobriu que a mente é a raiz de todo sofrimento; sua própria mente é a fundação de todo sofrimento que temos. Isto é exatamente o que Buda disse. O sofrimento que temos que suportar vem todo de dentro da mente, uma mente não pura, não transformada, não controlada.

Mas T.S. Eliot disse apenas metade do que Buda disse. O Buda disse que todo sofrimento vem da mente, mas também que a felicidade vem da mente. Toda felicidade. Portanto a mente que se mantém não controlada, não transformada, confusa com ódio e discriminação, traz muita infelicidade e sofrimento, mas a mente purificada e controlada pode trazer consigo muita felicidade para si e para as pessoas próximas.

Quando você caminha daqui até o pinheiro começa com um passo, e treina de tal modo que cada passo contenha a energia da plena consciência, concentração e insight. Se você realmente pratica meditação caminhando, descobrirá que a cada passo é gerada a energia da plena consciência, concentração e insight, levando a você muita felicidade porque os três elementos  - plena consciência, concentração e insight – purificam e controlam sua mente trazendo a tona toda bondade da sua mente. Quando você anda dessa forma, primeiramente está consciente que está dando um passo: esta é a energia da plena consciência. Eu estou aqui. Eu estou vivo. Eu estou dando um passo. Você caminha e sabe que está dando um passo. Esta é a plena consciência no caminhar. A plena consciência te ajuda a estar aqui e agora, totalmente presente, totalmente vivo de forma a dar um passo.

Mestre Linji disse, “O milagre não é andar no ar ou sobre a água, ou sobre o fogo. O milagre real é andar sobre a Terra”. Andar assim – com concentração, plena consciência e insight – é fazer um milagre. Você está realmente vivo. Está realmente presente, tocando as maravilhas da vida dentro e em sua volta. Isto é um milagre.

Muitos de nós andamos como sonâmbulos. Nós andamos, mas não estamos lá. Nós não experimentamos a vida, ou suas maravilhas, não há alegria. Nós somos sonâmbulos através da nossa própria vida e nossa vida é um sonho. O budismo fala sobre despertar deste sonho. Despertar. Um passo em plena consciência pode ser um fator de despertar que te trará à vida, que te trará o milagre de estar vivo. Quando a plena consciência estiver lá, concentração também estará porque plena consciência contém concentração.

Você pode ser mais ou menos concentrado. Pode ser cinqüenta, sessenta ou noventa por cento concentrados no seu caminhar, mas quanto mais concentrado mais tem chance de ter insights. Plena consciência, concentração, insight: smirti, samadhi, prajna. Cada passo que você dá gera esses poderes, essas três energias. Se você é um forte praticante essas três energias serão muito poderosas e cada passo te trará muita felicidade, a felicidade do Buda.

(Artigo da revista Mindinfulness Bell – Thich Nhat Hanh - outubro 2005)


segunda-feira, 25 de março de 2013

A Descrição de Thich Nhat Hanh para a Iluminação do Buda

"Como se uma prisão de milhares de anos fosse aberta"

Para Gautama (o Buda), a iluminação apareceu como se uma prisão em que ele estava preso por milhares de vidas tivesse sido quebrada e aberta. A ignorância era a carcereira. Por causa da ignorância, a mente dele tinha estado obscurecida, assim como a lua e as estrelas escondidas por trás das nuvens da tempestade. Nublada pelas ondas intermináveis dos pensamentos iludidos, a mente falsamente ficou dividindo a realidade entre sujeito e objeto, eu e os outros, existência e não-existência, nascimento e morte, e dessas discriminações apareceram as visões erradas — as prisões das emoções, dos desejos, do apego e do se tornar. O sofrimento do nascimento, velhice, doença e morte só faziam os muros da prisão mais grossos. A única coisa a fazer era capturar o carcereiro e ver sua verdadeira cara. O carcereiro era a ignorância… Assim que o carcereiro se foi, a prisão desapareceu e para nunca mais ser reconstruída”.Thich Nhat Hanh, “The Buddha’s Enlightenment”, via Glimpse of the Day @ Rigpa[do livro "Glimpse After Glimpse ", de Sogyal Rinpoche] 
Do site http://dharmalog.com

domingo, 24 de março de 2013

Estamos Preparados Para a Morte?

"No meu eremitério na França há um arbusto de japônica, marmelo japonês. O arbusto usualmente floresce na primavera, mas em um inverno que foi muito quente os brotos vieram antes. Durante a noite uma frente fria veio e trouxe com ela gelo. No dia seguinte enquanto fazia meditação caminhando, notei que todos os brotos no arbusto tinham morrido. Reconheci isto e pensei: “Neste ano novo não teremos flores suficientes para decorar o altar do Buda”.
 
Poucas semanas depois o tempo esquentou novamente. Enquanto andava em meu jardim, vi os novos brotos na japônica manifestando uma outra geração de flores: “Vocês são as mesmas flores que morreram no frio ou são diferentes?” As flores responderam para mim: “Thay, não somos as mesmas nem somos diferentes. Quando as condições são suficientes nos manifestamos e quando as condições não são suficientes nos escondemos. É tão simples quanto isso.”
 
Isto é o que o Buda ensinou. Quando as condições são suficientes as coisas se manifestam. Quando as condições não são mais suficientes as coisas se retiram. Elas esperam até o momento certo para elas se manifestarem novamente.
 
Antes de dar a luz a mim, minha mãe havia ficado grávida de outro bebê. Ela o perdeu e aquela pessoa não nasceu. Quando eu era pequeno costumava perguntar: era meu irmão ou era eu? Quem estava tentando se manifestar naquela época? Se um bebê foi perdido significa que as condições não eram suficientes para ele se manifestar e a criança decidiu se retirar de forma a esperar por melhores condições. “É melhor eu me esconder, voltarei em breve, meu querido.” Temos que respeitar sua vontade. Se você vê o mundo com estes olhos, sofrerá muito menos. Foi meu irmão que minha mãe perdeu? Ou talvez eu estava quase por vir mas eu disse: “Não é a hora ainda.” Portanto me retirei.
 
Nosso grande medo é que quando morrermos nos tornaremos nada. Muitos de nós acreditam que nossa existência inteira é apenas o nosso tempo de vida, começando no momento que nascemos ou fomos concebidos e termina no momento que morremos. Acreditamos que nascemos do nada e que quando morremos nos tornaremos nada. E, portanto, estamos cheios do medo da aniquilação.
 
O Buda tem um entendimento muito diferente de nossa existência. É o entendimento que nascimento e morte são noções. Elas não são reais. O fato de pensarrmos que são verdadeiras cria uma poderosa ilusão que causa nosso sofrimento. O Buda ensinou que não há nascimento nem morte; não há vinda nem ida; não há igual, e não há diferente; não há eu permanente, não há aniquilação. Apenas achamos que há. Quando entendemos que não podemos ser destruídos, estamos libertos do medo. É um grande alívio. Podemos desfrutar da vida e apreciá-la de uma nova maneira.
 
O mesmo ocorre quando perdemos nossos entes queridos. Quando as condições não estão certas para suportar a vida, eles se retiram. Quando perdi minha mãe, sofri muito. Quando temos apenas 7 ou 8 anos de idade é difícil pensar que um dia perderemos nossa mãe. Ao final crescemos e todos perderemos nossas mães, mas se soubermos como praticar, quando a hora da separação chegar você não sofrerá muito. Rapidamente você perceberá que sua mãe está sempre viva dentro de você.
 
No dia que minha mãe faleceu, escrevi no meu diário. “Um sério infortúnio da minha vida chegou.” Sofri por mais de um ano depois de sua passagem. Mas uma noite, nas terras altas do Vietnã, estava dormindo na cabana de meu eremitério. Sonhei com minha mãe. Vi-me sentado com ela e estávamos tendo uma conversa maravilhosa. Ela parecia jovem e bonita, seu cabelo esvoaçante. Era muito prazeroso sentar lá e conversar com ela como se nunca tivesse morrido.
 
Quando acordei eram duas da manhã e eu senti fortemente que nunca havia perdido minha mãe. A impressão que ela estava ainda em mim era muito clara. Entendi então que a idéia de tê-la perdido era apenas uma idéia. Era óbvio naquele momento que minha mãe estava viva em mim.
 
Abri a porta e sai. Toda a colina estava banhada pela luz da lua. Era uma colina coberta com plantações de chá, e minha cabana estava localizada atrás do templo, no meio da colina. Andando devagar na luz da lua através da plantação, percebi que minha mãe estava ainda em mim. Ela era a luz da lua me acariciando assim como fazia frequentemente, muito carinhosa, muito doce…maravilhosa!
 
Cada vez que meus pés tocavam a terra, sabia que minha mãe estava lá comigo. Sabia que este corpo não era só meu, mas uma continuação viva da minha mãe e do meu pai e dos meus avós. Todos os meus ancestrais. Estes pés que eu via como meus eram na verdade nossos pés. Juntos minha mãe e eu estávamos deixando pegadas no solo.úmido.
 
Daquele momento em diante, a idéia que eu tinha perdido minha mãe nunca mais existiu. Tudo que eu tenho que fazer é olhar para a palma da minha mão, sentir a brisa no meu rosto ou a terra sob meus pés para me lembrar que minha mãe está sempre comigo, disponível a qualquer momento.
 
Quando você perde um ente querido, você sofre. Mas se souber como olhar em profundidade, tem a chance de perceber que a natureza dele é a do não nascimento e não morte. Há manifestação e há a cessação da manifestação. Você tem que ser muito perspicaz e muito alerta para reconhecer as novas manifestações de uma pessoa. Mas com a prática e com esforço você pode fazer.
 
Portanto, pegando na mão de alguém que conheça a prática, faça uma meditação caminhando com ela. Preste atenção em todas as folhas, as flores, os pássaros e gotas de orvalho. Se puder parar e olhar profundamente, será capaz de reconhecer seu amado se manifestando novamente e novamente em muitas formas. Você novamente abraçará a alegria da vida.
 
Um cientista francês, cujo nome era Lavoisier, declarou, “Nada se perde, nada se cria”. “Nada nasce, nada morre.” Embora ele não praticasse como um budista, mas como um cientista, ele descobriu a mesma verdade que o Buda. Nossa natureza verdadeira é de não nascimento e não morte. Apenas quando tocamos nossa verdadeira natureza podemos transcender o medo de não ser, o medo da aniquilação.
 
O Buda disse que quando as condições são suficientes, algo manifesta e dizemos que existe. Quando uma ou duas condições falham e a coisa não se manifesta do mesmo modo, então dizemos que não existe. De acordo com o Buda, para qualificar algo como existente ou não é errado. Na realidade, não existe uma coisa que exista totalmente ou não exista totalmente.
 
Podemos ver isso muito facilmente com a televisão e o rádio. Podemos estar em uma sala que não tem televisão ou rádio. E enquanto estamos nesta sala podemos pensar que os programas de rádio ou TV não existem naquela sala. Mas todos sabemos que o espaço da sala está cheio de sinais. Os sinais desses programas estão em todo lugar. Precisamos apenas de uma condição a mais, um aparelho de TV ou rádio, e muitas formas, cores e sons aparecerão.
 
Seria errado dizer que os sinais não existem porque não temos um aparelho para receber os sinais e manifestá-los. Eles apenas parecem não existir porque as causas e condições não eram suficientes para fazer os programas se manifestarem. Portanto naquele momento, naquela sala, dizemos que eles não existem. Não é porque não percebemos algo que podemos dizer que ele não existe. É apenas nossa noção de ser e não ser que nos faz pensar que algo existe ou não. Noções de ser ou não ser não podem ser aplicadas a realidade.
 
É como a noção de abaixo e acima. Dizer que elas existem é também errado. O que está abaixo de nós está acima de outro, em algum lugar. Estamos sentados aqui e dizemos que acima é a direção acima de nossas cabeças e pensamos que a direção oposta é abaixo.
 
Pessoas praticando meditação sentada no outro lado do mundo não concordariam que o que chamamos acima seja assim porque para eles é abaixo. Eles não estão sentados sob suas cabeças. As idéias de abaixo e acima também significam estar acima de algo ou abaixo de algo, e essas idéias não podem ser aplicadas a realidade do cosmos. Estes são apenas conceitos para nos ajudar a nos relacionar com nosso ambiente. Elas são conceitos que nos dão um ponto de referência, mas elas não são reais. A realidade é livre de todos os conceitos e idéias".
 
 
Texto extraído do livro "Nenhuma Morte, Nenhum Medo" de Thich Nhat Hanh.
 
Que todos os seres encontrem compreensão e clareza em suas mentes e jamais tenham motivos para temer o desconhecido.

quinta-feira, 21 de março de 2013

A Importância de Praticar com uma Sangha

Às vezes, pensamos que poderia ser mais fácil viver e praticar sozinho, habitar no topo de uma montanha e fechar a porta da nossa cabana particular. Na realidade, praticar sozinho é bem mais difícil. Nós humanos somos animais sociais e nossas alegrias e esperanças dependem de estarmos com outros.
 
Muito embora a prática seja simples, mantê-la sozinho, isoladamente, poderá ser difícil. As forças que nos arrastam são fortes. Todavia, se fazemos parte de uma comunidade, uma Sangha, onde todos praticam da mesma maneira, ela torna-se simples e natural. A Sangha é uma comunidade em que todos têm a intenção de aprender e praticar. Porém, boas intenções não são suficientes. Devemos aprender a arte de viver felizes juntos. A criação da Sangha é uma das partes mais importantes da prática. Necessitamos aprender a arte de formar uma comunidade que seja feliz e transmita às pessoas um sentimento de confiança.
Os centros de prática devem ser organizados como famílias. Se o centro de prática não for organizado como uma família espiritual, onde todos se sintam um membro valioso, será difícil o trabalho da transformação. Muitas pessoas que vêm praticar estão vindo de lares desfeitos e de uma sociedade conturbada. Se o centro de prática for organizado de tal modo que cada um seja uma ilha, sem que haja contato, afeto ou cordialidade entre seus membros, mesmo que o centro pratique por dez ou vinte anos seguidos, não produzirá fruto. Precisamos criar raízes. Fica difícil funcionar com felicidade quando não há raízes.
Não espere por um mestre ou uma Sangha perfeitos. É preciso apenas um grupo de pessoas comuns comprometidas, para que se recebam grandes benefícios. Quando as pessoas do grupo tomam refúgio na Sangha, esta cresce forte e harmoniosa. Quando sorrimos e respiramos conscientemente, a Sangha toda sorri e respira conscientemente junto conosco. Na Sangha, as pessoas se ajudam mutuamente. Quando caímos, há sempre alguém que nos ajuda a levantar. O mais importante é a Sangha ser feliz, nutrida e estável.
A Sangha é o que nós fazemos que ela seja.
 
Quando você pratica com uma Sangha, os frutos da prática são facilmente obtidos. Quando você toma refúgio numa Sangha, o trabalho de transformação se realiza.
Deveríamos também compreender a Sangha como um ambiente. A transformação e a cura não são fáceis se o ambiente não for apropriado. Num ambiente bom e saudável, os elementos positivos que estão dentro de uma semente ou de um gene poderão ser tocados e, assim, se manifestarem, enquanto os elementos negativos diminuirão retrocedendo para o segundo plano. Esse princípio se aplica tanto às condições físicas quanto mentais. À luz da interexistência, uma semente é feita de todas as sementes, e um gene é feito de todos os genes que contêm dentro de si todos os elementos saudáveis e nocivos. [...] Um ambiente propício é vital para o trabalho de transformação e cura. Uma boa semente pode ser plantada, um bom gene pode ser transplantado, mas se o ambiente não for bom, a boa semente e o bom gene não serão capazes de ficar por muito tempo em primeiro plano.
 
Texto extraído do livro “Transformações na Consciência”, do nosso amável mestre Thay.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Treinamentos para atingir a Atenção Plena

O mundo físico nos envolve com diversos véus que nos separam cada vez mais do plano espiritual, por isso nos é dito que esta vida é uma experiência ilusória e impermanente. Todas as nossas ações e experiências diárias são responsáveis por criarem sentimentos, desejos, anseios e preocupações que dificultam o nosso avanço, e nos fazem reagir impulsivamente aos estímulos externos, sem percebermos o prejuízo causado por esse tipo de ação, tornando-nos incapazes de conquistar uma percepção mais sutil dos fatos.

Para o budismo, o ponto fundamental para um progressivo desenvolvimento espiritual, é que o praticante, seja ele leigo, aspirante a monge ou monge, desenvolva a sua atenção de maneira plena, isto é, precisa estar consciente de suas ações, pensamentos, sentimentos a todo momento.
 
Nesse sentido, os primeiros votos a serem tomados pelo praticante para atingir a liberação individual, partem de um treinamento criado pelo Buda Sakyamuni há 2.500 anos, para seus alunos leigos, que como nós, não foram ordenados monges ou não receberam os votos monásticos (que podem ser em número de 36, 48, 253 ou 364). Este treinamento é um compromisso assumido, e renovado mensalmente, e que devemos procurar segui-lo sempre que possível, no intuito de treinar a nossa mente, o nosso corpo e a nossa fala, para que consigamos viver em harmonia com os outros seres e conosco, minimizando as experiências de sofrimento, resultado da nossa falta de atenção.

Os ensinamentos para leigos são compostos por cinco treinamentos - retirados do livro ‘Os Cinco Treinamentos para a Mente Alerta’, do Ven. Mestre Thich Nhat Hanh - que nos ajudam a ter plena consciência de nós mesmos, através da compreensão e da compaixão e, consequentemente, melhorando os resultados produzidos por nossas ações, e que afetam tudo o que ocorre a nossa volta.
 
O primeiro treinamento da mente desperta trata da reverência à vida. - Consciente do sofrimento causado pela destruição da vida, eu me comprometo a cultivar o insight do Interser e da compaixão, e a aprender maneiras de proteger a vida das pessoas, animais, plantas e minerais. Estou determinado a não matar, a não deixar que outros matem e a não apoiar nenhum ato de matança no mundo, seja na minha maneira de pensar ou no meu modo de vida. Ao ver que as ações que causam sofrimento surgem a partir da raiva, do medo, da avidez e da intolerância - que, por sua vez, baseiam-se no pensamento dualista e discriminativo - cultivarei a abertura, a não discriminação e o não apego a pontos de vista para transformar a violência, o fanatismo e o dogmatismo em mim mesmo e no mundo.

O segundo treinamento fala sobre a verdadeira felicidade. - Consciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, roubo e opressão, eu me comprometo a praticar a generosidade no meu modo de pensar, de falar e de agir. Estou determinado a não roubar e a não possuir nada que porventura pertença a outros, e a compartilhar meu tempo, energia e recursos materiais com aqueles que precisam. Praticarei a observação profunda para ver que a felicidade e o sofrimento dos outros não estão separados da minha própria felicidade e sofrimento. Praticarei para ver que a verdadeira felicidade não é possível sem compreensão e compaixão - e que buscar riqueza, fama, poder e prazeres sensoriais podem gerar muito sofrimento e desespero. Estou consciente de que a felicidade depende da minha mente e não de condições externas, e que posso ser feliz no momento presente, bastando me lembrar de que já possuo todas as condições para isso. Eu me comprometo a praticar o Meio de Vida Correto de forma a reduzir o sofrimento dos seres vivos na Terra e, especialmente, reverter o processo de aquecimento global.

O terceiro treinamento é sobre o verdadeiro amor. - Consciente do sofrimento causado pela má conduta sexual, eu me comprometo a cultivar a responsabilidade e a aprender maneiras de proteger a segurança e a integridade dos indivíduos, casais, famílias e da sociedade como um todo. Consciente de que desejo sexual não significa amor e que a atividade sexual motivada pelo desejo irá somente ferir a mim e aos outros, estou determinado a não me envolver em relações sexuais sem verdadeiro amor e sem um compromisso profundo e de longo prazo apoiado pela minha família e pelos meus amigos. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para proteger as crianças do abuso sexual e para evitar que famílias sejam desfeitas pela má conduta sexual. Percebo que corpo e mente são um só e me comprometo a aprender maneiras apropriadas de cuidar da minha energia sexual e a cultivar a bondade amorosa, a compaixão, a alegria e a inclusão, que são os quatro elementos básicos do verdadeiro amor - para minha maior felicidade e para a maior felicidade de todos. Ao praticar o verdadeiro amor, poderei prosseguir de maneira mais bela no futuro.

O quarto treinamento discorre sobre a fala amável e a escuta profunda. - Consciente do sofrimento causado pela fala inconsequente e por minha falta de habilidade em ouvir os outros, eu me comprometo a cultivar a fala amável e a escuta compassiva para aliviar o sofrimento, e promover a reconciliação e a paz em mim mesmo e entre as pessoas, grupos religiosos, étnicos e nações. Sabendo que a as palavras podem criar tanto felicidade quanto sofrimento, eu me comprometo a falar a verdade com palavras que inspirem confiança, alegria e esperança. Ao perceber a raiva se manifestando em mim, eu me comprometo a não falar. Praticarei a respiração e o caminhar em plena consciência para reconhecer minha raiva e olhar com profundidade suas raízes - especialmente no caso de percepções errôneas ou falta de compreensão do meu próprio sofrimento e do sofrimento de outras pessoas. Falarei e escutarei de modo a aliviar o sofrimento, tanto em mim quanto nos demais, e a resolver situações difíceis. Eu me comprometo a não espalhar notícias das quais não tenha certeza e a não usar palavras que possam causar divisão ou discórdia. Praticarei a Diligência Correta como um meio de nutrir minha capacidade de compreensão, amor, alegria e inclusão, e também para transformar gradativamente a raiva, a violência e o medo presentes em minha consciência.

E o quinto treinamento trata da nutrição e cura. - Consciente do sofrimento causado pelo consumo inconsequente, eu me comprometo a cultivar a boa saúde física e mental em mim mesmo, em minha família e na sociedade como um todo ao me alimentar, beber e consumir de maneira consciente. Praticarei a observação profunda no que diz respeito ao meu consumo dos Quatro Tipos de Nutrientes, a saber: alimentos, impressões sensoriais, vontade e consciência. Estou determinado a não beber álcool, não fazer uso de drogas, praticar jogos de azar ou usar produtos com conteúdo tóxico, como alguns sites de internet, jogos eletrônicos, programas de TV, filmes, revistas, livros e a não me envolver em conversas com conteúdo similar. Retornarei ao momento presente como um modo de estar em contato com os elementos capazes de renovar, curar e revigorar a mim e àqueles ao meu redor -e não me deixarei arrastar ao passado pelo arrependimento e pela tristeza nem permitirei que a ansiedade, o medo e a avidez me empurrem para longe. Eu me comprometo a não tentar preencher minha solidão, ansiedade ou qualquer outro sofrimento através do consumismo. Contemplarei tanto o Interser quanto o ato de consumir de modo que preservem a paz, a alegria e o bem-estar no meu corpo, na minha consciência, e no corpo e na consciência coletivos da minha família, da sociedade e do Planeta Terra.
Estes treinamentos são lidos mensalmente (no último domingo do mês), como forma de manter nossas mentes alertas e em plena consciência de nós mesmos.
 
Que todas as pessoas possam se beneficiar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Perguntas

1. Quando nos reunimos?
Nossos encontros ocorrem nos seguintes horários:
- domingos: às 16h (iniciantes), às 18h (praticantes);
- segundas: às 19h30 (iniciantes);
- quartas: às 8h (meditação silenciosa).
Nos encontros para iniciantes dá-se ênfase aos ensinamentos fundamentais do budismo (As Quatro Nobres Verdades, O Nobre Caminho Óctuplo, Impermanência, etc) e as meditações são de menor duração, enquanto que os encontros para praticantes focam em práticas meditativas mais longas e direcionadas à introspecção. É recomendado chegar à meditação com antecedência de pelo menos 10 minutos.

2. Onde ocorrem as reuniões?
Nosso Centro fica localizado à Rua Frei Rogério, nº 454, fundos - entrada pela lateral, Centro, Lages/SC. Anexo a esta sala possuímos uma pequena biblioteca, que estará disponível para ajudar no aprendizado dos participantes. Interessados em contribuir com doações de qualquer obra serão bem vindos.

3. Quem pode participar?
Ficaremos felizes em receber todos os interessados. Não é necessário qualquer conhecimento prévio, todos são nossos convidados. Aos iniciantes, sugerimos que compareçam alguns minutos antes do horário para algumas instruções antes de iniciarmos nossa prática.

4. Qual a melhor roupa para praticar?
É recomendado usar roupas discretas e folgadas para poder sentar confortavelmente. Para não incomodar os outros praticantes, o participante deve evitar roupas que exponham demais o corpo ou perfumes fortes.
5. Para participar, terei que pagar algum valor?
Não exigimos que os praticantes paguem nenhuma quantia. Acreditamos que o Dharma deve ser acessível a todos os seus buscadores, por isso, ninguém deverá se sentir forçado a contribuir. Por outro lado, lembramos que a manutenção de qualquer espaço, por menor que seja, demanda despesas.

Para aqueles que desejarem contribuir, deverão fazê-lo conforme suas possibilidades (contribuição mensal, semanal ou doação avulsa).  Mantemos no local uma caixinha para receber as doações. O dinheiro arrecadado será utilizado na manutenção da sala (limpeza, despesas com água, luz), materiais de uso comum e consumo (papel, velas, chás, livros), organização de eventos (palestras, retiros, seminários), material de divulgação ou obras sociais.

6. O que é uma Sangha?
Sangha é uma comunidade de prática; um local onde encontramos apoio para manter uma prática sólida, e nos ajudar a lidar com nossos sofrimentos. Thich Nhat Hanh diz frequentemente que a sangha é um jardim com muitas variedades de árvores e flores. Quando somos capazes de observarmos a nós mesmos e aos demais como lindas flores e árvores é que realmente podemos chegar a compreender e amar um ao outro. Uma flor pode florescer no início da primavera e outra flor pode florescer ao final do verão. Uma árvore pode ter muitas frutas e outra árvore pode oferecer sombra fresca. Nenhuma planta é maior, menor ou igual a outra planta no jardim. Cada membro da sangha também tem dons únicos para oferecer à comunidade.