segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Contribuições Budistas para a Construção de uma Sociedade Justa

Todos sabemos que a construção de uma sociedade justa, democrática e civil não depende apenas daquilo que fazemos mas, acima de tudo, daquilo que somos. Temos que ser a própria mudança antes que possamos fazer mudanças em nossa sociedade. Estar em paz é a base para gerar paz. Sem transformações e curas pessoais não seremos suficientemente calmos e compassivos para usar a fala amorosa e a escuta profunda, e nossos esforços não ajudarão a mudar nossa sociedade. Assim, nossa prática pessoal e a prática de nossa Sangha são essenciais para a mudança que queremos ver no mundo.

As raízes da guerra e do conflito estão dentro de nós. Temos que reconhecer as aflições dentro de nós, abraçá-las e transformá-las: raiva, ódio, discriminação, orgulho, desespero. A prática consiste em olhar profundamente suas raízes, compreendê-las e aprender a transformá-las. Precisamos dar ouvidos ao nosso próprio sofrimento e ao sofrimento de nossa família, comunidade e nação. Devemos ser capazes de ajudar uns aos outros a reconhecermos que essas aflições existem em cada um de nós e que ao longo de nossas vidas temos permitido o desenvolvimento dessas aflições.

Assim, cada um de nós deve assumir o compromisso de não regar as sementes de violência, ódio, discriminação e desespero que estão em nós. Em nossos relacionamentos, precisamos ajudar uns aos outros na prática, aprendendo sempre a ouvir o outro com compaixão, sempre utilizando a fala amorosa para ajudá-lo a reconhecer as aflições que carrega dentro de si. Também devemos usar a fala amorosa para regar as sementes de compreensão, compaixão, alegria e irmandade inerentes ao outro. Devemos nos ajudar para que possamos trazer a cura a nossas relações pessoais antes que possamos ajudar a curar a humanidade e a Terra. A cura é possível através de cada respiração, cada passo, cada pensamento, cada palavra e através dos atos mais simples, como sorrir para alguém.

A Terra está padecendo, nossa sociedade está padecendo e há tanto desespero e violência. Práticas budistas, como o Pensamento Correto (ou seja, pensar com base na não-discriminação, compaixão e compreensão), Fala Correta, Ação Correta e Modo de Vida Correto são cruciais para a cura de que todos necessitamos. Os jovens devem aprender a praticar o Nobre Caminho Óctuplo em suas famílias e nas escolas. As negociações de paz terão êxito apenas se ambas as partes em conflito tiverem compreensão mútua e souberem como fazer uso da escuta profunda e da fala amorosa. E este tipo de treinamento deve começar nos níveis mais básicos da educação. É isto que entendemos por educação da paz e é a forma de sairmos da guerra e da violência.

O Manifesto de 2000 da UNESCO contém 6 pontos e equivale à prática dos Cinco Treinamentos da Plena Consciência. Tanto os seis pontos quanto os Cinco Treinamentos abordam as questões de paz e justiça social no nível mais fundamental. Na tradição budista, após receber os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, a pessoa que os tomou deve recitá-los a cada duas semanas e participar de sessões de estudo e discussões do Dharma para entrar mais a fundo em seus significados e para descobrir melhores formas de colocá-los em prática na vida diária, tanto na família como na sociedade.

Os Cinco Treinamentos nos ajudam a viver com mais simplicidade, dando-nos o tempo e a energia necessários para proteger a vida e ajudar aqueles que precisam realmente de nós. É possível ser feliz com uma vida simples, com tempo para tomarmos conta de nós mesmos, de nossa família, daqueles que sofrem e, ao mesmo tempo, promovermos uma justiça social maior. Muitos de nós correm atrás da fama, do poder, do sexo e do dinheiro durante toda a vida, mas mesmo aqueles que têm essas 4 coisas em abundância continuarão sofrendo muito se não tiverem compreensão e amor.

Quando praticamos o segundo treinamento da generosidade para oferecermos nosso tempo, energia e recursos materiais àqueles que necessitam realmente deles, nossa vida torna-se repleta de significado e realização. O Budismo e a prática dos Cinco Treinamentos têm muitos meios para levar mais justiça e compaixão à sociedade. Com plena consciência, compaixão e compreensão dentro de nós, agimos naturalmente, levando a cura a nossas relações, comunidade e sociedade. Devemos estar cientes das situações de injustiça, como desigualdade entre gêneros e a exclusão da mulher, a opressão de minorias, a exploração das crianças e dos pobres.

Há muitas formas de falarmos sobre injustiça e de chamarmos a atenção daqueles que sofrem e não são ouvidos. Podemos organizar passeatas para promover a paz, pois cada passo é um movimento em direção à paz. Não se trata de uma demonstração ou de um protesto, mas sim de uma verdadeira manifestação de paz, de irmandade. Podemos escrever declarações de amor a nossos políticos e representantes. Nossa sangha de Plum Village ofereceu retiros de plena consciência para policiais, membros do Congresso dos EUA, artistas e cineastas, ambientalistas, psicoterapeutas, líderes do comércio, assim como israelenses e palestinos. Os Cinco Treinamentos Budistas da Plena Consciência e os seis pontos do Manifesto de 2000 são a verdadeira prática da compreensão e do amor. São o caminho para uma sociedade justa.

O Budismo Engajado é o primeiro de todos os tipos de Budismo praticado ao longo de todo o dia, ininterruptamente, vivendo em plena consciência e concentração quando caminhamos, dirigimos, cozinhamos, vamos ao banheiro, etc. O Budismo Engajado também é a nossa prática dos Cinco Treinamentos da Plena Consciência dentro de nosso ambiente social. Praticamos a compreensão e o amor em nossa família, escola, local de trabalho, hospital, prisão, fábrica, exército, prefeitura e governo. Não precisamos usar termos budistas para trazer a prática à nossa vida diária.

A presença de plena consciência, concentração e insight, o espírito do interser, a não-discriminação, compreensão e compaixão são a própria presença do Budismo. Não temos que converter as pessoas ao Budismo, mas podemos inspirá-las a viver e trabalhar de acordo com este caminho nobre. Podemos encontrar felicidade no desenvolvimento da compreensão e da compaixão. Nosso índice para medir a felicidade, o sucesso e o progresso de nossa nação não deve ser o Produto Interno Bruto ou nosso poder aquisitivo, mas sim nosso nível de compreensão e compaixão.

Os quatro Brahmaviharas (bondade amorosa, compaixão, alegria e equanimidade) são energias ilimitadas que podem ser desenvolvidas para nossa felicidade e para a felicidade do mundo. Essas energias jamais ocorrem em excesso. A prática da produção e do consumo conscientes (o Quinto Treinamento da Plena Consciência) garante que sempre seguiremos o caminho do desenvolvimento sustentável. A verdadeira felicidade deve ser a base de nossas políticas de produção, consumo e desenvolvimento.

Nossa sabedoria é o interser, a Visão Correta Budista do mundo, no sentido de que tudo depende de todo o resto para se manifestar. Se outras espécies não podem sobreviver, então os humanos também não sobreviverão. Proteger o ambiente é proteger a nós mesmos. Não somos apenas nosso corpo e espírito, somos também nosso ambiente. Nosso ambiente é a retribuição de nossa ação coletiva (karma). Viver com simplicidade, desenvolver a compreensão e o amor, cuidar de nosso ambiente, assumir um compromisso em prol do desenvolvimento sustentável - em outras palavras, seguir o caminho do Buda.

(Parte de Texto distribuído no retiro realizado no Vietnã em maio de 2008 - Thich Nhat Hanh)
(Oferecido e traduzido por Denise Kato – Sangha Plena Consciência)
FONTE: http://sangavirtual.blogspot.com

terça-feira, 24 de setembro de 2013

"InterSer"

O primeiro capítulo do livro “O Coração da Compreensão” já é um clássico do monge Zen vietnamita Thich Nhat Than, um dos líderes espirituais e melhores tradutores das sabedorias budistas para nosso meio. Intitulado “Interser“, que segue abaixo, é um comentário simples e poderoso sobre a introdução ao célebre “Sutra do Coração” (Mahaprajnaparamita Hridaya Sutra), ensinamento essencial do Budismo que trata da interdependência de todas as coisas, ou, como o próprio Thich Nhat Hanh frisa, da inter-existência de todas as coisas. Contendo o sutra e os comentários integrais em apenas 86 páginas, o livro é uma preciosidade para todos os interessados em auto-conhecimento, em conhecimento da compreensão búdica da realidade das coisas e, além disso, da suavidade e clareza deste monge, autor também de “Corpo e Mente em Harmonia: Andando Rumo à Iluminação, “Cultivando a Mente do Amor” e “Velho Caminho, Nuvens Brancas: Seguindo as Pegadas do Buda”.

Segue o capítulo “InterSer”, em português (Editora Bodigaya, 2000).

INTERSER” (de “O Coração da Compreensão”)
Por Thich Nhat Hanh

“Se você for um poeta, verá claramente que há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Sem uma nuvem, não haverá chuva; sem chuva, as árvores não podem crescer e, sem árvores, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para que o papel exista. Se ela não estiver aqui, a folha de papel também não pode estar aqui. Logo, nós podemos dizer que a nuvem e o papel intersão. “Interser” é uma palavra que não está no dicionário ainda, mas se combinarmos o prefixo “inter” com o verbo “ser”, teremos este novo verbo “interser”. Sem uma nuvem, não podemos ter papel, assim podemos afirmar que a nuvem e a folha de papel intersão.

Se olharmos ainda mais profundamente para dentro desta folha de papel, nós poderemos ver os raios do sol nela. Se os raios do sol não estiverem lá, a floresta não pode crescer. De fato, nada pode crescer. Nem mesmo nó podemos crescer sem os raios do sol. E assim nós sabemos que os raios do sol também estão nesta folha de papel. O papel e os raios do sol intersão. E, se continuarmos a olhar, poderemos ver o lenhador que cortou a árvore e a trouxe para ser transformada em papel na fábrica. E vemos o trigo. Nós sabemos que o lenhador não pode existir sem o seu pão diário e, conseqüentemente, o trigo que se tornou seu pão também está nesta folha de papel. E o pai e a mãe do lenhador estão nela também. Quando olhamos desta maneira, vemos que, sem todas estas coisas, esta folha de papel não pode existir.

Olhando ainda mais profundamente, nós podemos ver que nós estamos nesta folha também. Isto não é difícil de ver, porque quando olhamos para uma folha de papel, a folha de papel é parte de nossa percepção. A sua mente está aqui dentro e a minha também. Então podemos dizer que todas as coisas estão aqui dentro desta folha de papel. Você não pode apontar uma única coisa que não esteja aqui- tempo, espaço, a terra, a chuva, os minerais do solo, os raios do sol, a nuvem, o rio, o calor. Tudo coexiste com esta folha de papel. É por isto que eu penso que a palavra interser deveria estar no dicionário. “Ser” é interser. Você simplesmente não pode “ser” por você mesmo, sozinho. Você tem que interser com cada uma das outras coisas. Esta folha de papel é porque tudo o mais é.

Suponha que tentemos retornar um dos elementos à sua fonte. Suponha que nós retornemos ao sol os seus raios. Você acha que esta folha de papel seria possível? Não, sem os raios do sol nada pode existir. E se retornarmos o lenhador à sua mãe, então também não teríamos mais a folha de papel. O fato é que esta folha de papel é constituída de “elementos não-papel”. E se retornarmos estes elementos não-papel às suas fontes, então absolutamente não pode haver papel. Sem os “elementos não-papel”, como a mente, o lenhador, os raios do sol e assim por diante, não existirá papel algum. Tão fina quanto possa ser esta folha de papel, ela contém todas as coisas do universo dentro dela.”

Fonte: Site Dharmalog.
http://dharmalog.com/2012/10/29/se-voce-for-um-poeta-vera-claramente-que-ha-uma-nuvem-flutuando-nesta-folha-de-papel-interser-por-thich-nhat-hanh/

sábado, 14 de setembro de 2013

Encontro Bethel 16 Lages


É com grande honra, gratidão e alegria que recebemos no dia de hoje em nossa Sangha, 
a visita dos estimados integrantes do Bethel 16 Lages.
Que todos nós possamos vibrar na harmonia, na compaixão e no amor.
Que o poderoso fluir das boas intenções e dos bons exemplos, possam inspirar todos que aqui vierem.
Namastê!!




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Arte de Viver e Trabalhar Conscientemente

A maneira como vivemos nossas vidas e a maneira como ganhamos a nossa vida são cruciais para a nossa alegria e felicidade. Quase metade da nossa vida é gasta no trabalho, mas como gastamos esse tempo? O trabalho que fazemos é uma expressão de todo o nosso ser. Nosso trabalho pode ser um meio maravilhoso para expressamos nossas mais profundas aspirações, e também uma grande fonte de alimento, paz, alegria, transformação e cura. Por outro lado, o trabalho que fazemos e a forma como fazemos também pode causar muito sofrimento. O que fazemos com nossas vidas e se estamos conscientes ou não determina o quanto de paz e alegria que criamos. Se nós trazemos a nossa consciência para cada momento, se praticamos a atenção plena em tudo o que fazemos, o nosso trabalho pode nos ajudar a realizar o nosso ideal de viver em harmonia com os outros e de cultivar a compreensão e compaixão.

Vivemos em um tempo e lugar onde não é fácil encontrar um emprego. Sabemos, porém, que nosso bem-estar não depende apenas de ter uma fonte de renda, mas de ter um trabalho em que possamos cultivar a alegria e felicidade, um trabalho que não seja prejudicial aos seres humanos, animais, plantas ou a Terra. O ideal é que sejamos capazes de encontrar um emprego e trabalhar de tal forma que o nosso trabalho seja  benéfico para a Terra e para todos os seres vivos.

Não importa o que o seu trabalho seja, há muita coisa que você pode fazer para ajudar os outros, criando um ambiente de trabalho feliz, um lugar onde você possa trabalhar com alegria e harmonia, sem estresse e tensão. As práticas da respiração consciente, sentar consciente, alimentação consciente e andar consciente podem contribuir para um ambiente positivo e livre de estresse no trabalho. Aprender a arte de parar, de liberar a tensão, de usar a fala amorosa e a escuta profunda e compartilhar essa prática com outras pessoas pode ter um enorme impacto sobre o nosso próprio prazer no trabalho e na cultura da nossa empresa.

Quando sabemos como cuidar de nossas emoções fortes e estabelecer bons relacionamentos no trabalho, há melhora da comunicação, o estresse é reduzido e o nosso trabalho se torna muito mais agradável. Este é um grande benefício não só para nós mesmos, mas também para aqueles com quem trabalhamos, aos nossos entes queridos, nossas famílias, e para toda a sociedade.

A energia de plena consciência (mindfulness) é o ato de trazer a atenção plena ao que está acontecendo no momento presente. Trazemos as nossas mentes de volta para os nossos corpos e voltamos para casa, para o momento presente. Ela começa com a consciência plena de nossa respiração: a nossa inspiração e expiração. Plena consciência é o tipo de energia que nos ajuda a estar totalmente presentes, viver a vida no aqui e agora. Cada um de nós pode gerar a energia de consciência. Quando você inspira e expira, concentrando-se no ar entrando e saindo do seu corpo, isso é chamado de respiração consciente. Quando você bebe um copo de água ou uma xícara de chá, concentrando toda a sua atenção sobre o consumo e não pensa em mais nada, isso é chamado consumo consciente. Quando você anda e foca sua atenção em seu corpo, sua respiração, seus pés e os passos que você faz, isso é chamado de andar consciente.

Ao trazer a nossa atenção primeiramente para a nossa respiração, somos capazes de unir corpo e mente e chegar totalmente no momento presente. A partir deste local, nós poderemos ser mais conscientes de tudo o que está acontecendo no momento presente e vê-lo com outros olhos, sem sermos apanhados pelo passado ou levados pelas preocupações sobre o futuro. Você sabe que o futuro é apenas uma noção. O futuro é feito de uma única substância, que é o momento presente. Se você cuidar bem do presente, não há necessidade de se preocupar com o futuro. Ao cuidar do presente, você estará fazendo tudo o que pode para garantir um bom futuro. Devemos viver o momento presente, de tal forma que a paz e a alegria sejam possíveis no aqui e agora, e que amor e compreensão sejam possíveis. Essa é a melhor coisa que podemos fazer pelo futuro.

Todo ato comum pode ser transformado em um ato de consciência: escovar os dentes, lavar os pratos, andar, comer, beber ou trabalhar. E, claro, a atenção plena não é apenas consciência de coisas positivas. Quando a alegria se manifesta, nós praticamos a atenção plena na alegria. Mas quando a raiva se manifesta, nós praticamos a atenção plena na raiva. Seja qual for a emoção forte que surgir, se aprendermos a praticar a atenção plena da emoção, reconhecendo a emoção e não suprimindo-a ou agindo sobre ela, em seguida, a transformação acontecerá e seremos capazes de encontrar mais alegria, paz, e conscientização.

Você pode pensar que não tem tempo para praticar a atenção plena, que o seu dia de trabalho é tão cheio e que você está ocupado demais para a prática de estar atento. Você pode pensar que a atenção plena é algo que só se pode praticar quando tiver tempo, como durante suas férias ou ao apreciar a natureza. Mas podemos praticar a atenção plena em qualquer lugar, a qualquer hora e em casa ou no trabalho, mesmo durante o nosso dia de trabalho muito ocupado. Nós não precisamos definir um tempo separado a fim de praticar. Leva apenas algumas respirações para gerar a energia de consciência e nos trazer de volta para o momento presente. Podemos praticar durante todo o dia e obter os benefícios da nossa prática imediatamente. Sentados no ônibus, dirigindo o carro, tomando um banho ou preparando o café da manhã, podemos desfrutar de fazer todas essas coisas.

Não podemos dizer: "Eu não tenho tempo para praticar." Não. Temos tempo de sobra. Isto é muito importante perceber. Quando você pratica a atenção plena e gera paz e alegria, você se torna um instrumento de paz, trazendo paz e alegria para si mesmo e para os outros. Quando chegamos ao lar do momento presente, e deixamos ir pensamentos sobre o passado ou o futuro, isso é chamado de parar. Nós praticamos o parar, a fim de estar presentes para nós mesmos e para o mundo que nos rodeia. Quando aprendemos a parar, começamos a ver, e quando vemos, nós entendemos. Desta forma, podemos gerar compreensão, compaixão, paz e felicidade.

A fim de estar totalmente presentes para o nosso trabalho, para os nossos colegas de trabalho, para os nossos amigos e familiares, é preciso aprender a arte de parar. Até  pararmos e observarmos o que está acontecendo no momento presente, não poderemos gerar alegria, consciência, ou compaixão.

Eu conheço um homem que presta muita atenção ao andar com consciência entre os compromissos de negócios. Ele caminha com atenção plena, consciente de sua inspiração e expiração, enquanto caminha entre os edifícios de escritórios no centro de Denver. Transeuntes sorriem para ele, porque ele parece muito calmo em meio a todas as pessoas correndo. Ele diz que seus encontros, mesmo com pessoas difíceis, tornaram-se muito mais fáceis e mais agradáveis desde que começou esta prática.

Casa e trabalho estão conectados. A maneira pela qual você se preparara para o trabalho, vai para o trabalho, e o jeito que você se comporta enquanto está lá, afeta não apenas aqueles com quem trabalha, mas também a qualidade do seu trabalho. Tudo o que fazemos em nossas vidas tem um efeito sobre o nosso trabalho. Eu, pessoalmente, sou um poeta, mas eu gosto muito de trabalhar no cultivo de hortaliças para o jardim. Um dia, um estudioso americano me disse: "Não desperdice o seu tempo de jardinagem com o cultivo de alface. Ao invés disso você deve escrever mais poemas; Outros podem cultivar alfaces." Essa não é a minha maneira de pensar. Eu sei muito bem que, se eu não cultivar alfaces, eu não posso escrever poemas. Os dois estão interligados. Comer o café da manhã conscientemente, lavar os pratos, e cultivar alfaces com atenção são essenciais para que eu seja capaz de escrever poesia também. A forma como alguém lava os pratos revela a qualidade de sua poesia.

Da mesma forma, quanto mais consciência e atenção trazemos para todas as nossas ações diárias, incluindo o nosso trabalho, melhor será o nosso trabalho. Nossas vidas pessoais não são separadas de nossas vidas profissionais. Nossa incapacidade de estar atentos, de trazer toda a nossa atenção para o que estamos fazendo em nossas vidas cotidianas, tem custos pessoais e profissionais. Para entender o que nos está acontecendo no trabalho, precisamos olhar para nossas vidas em casa e nossas famílias.

A prática de plena consciência ajuda-nos a construir um sistema imunológico saudável para a nossa família. Quando o vírus penetra no corpo de um organismo, o organismo toma conhecimento de que foi invadido e produz anticorpos, de modo a resistir ao invasor. O sistema imunológico é um agente de proteção. Se não há anticorpos suficientes para combater o vírus, o sistema imunológico os produz mais rapidamente, a fim de lidar com a invasão e se sustentar. Desta forma, podemos dizer que o sistema imunológico é um reflexo da consciência atenta do corpo. Da mesma forma, quanto mais atenção nós produzirmos, mais poderemos proteger e cuidar de nós mesmos.

A família é um organismo vivo que tem a capacidade de proteger e curar a si mesma. Suponha que seu filho está sofrendo. Se ele não sentir que está recebendo atenção suficiente ou que alguém o está ouvindo, ele vai tentar lidar com seus problemas por conta própria. No entanto, como as crianças muitas vezes não sabem como lidar com o seu sofrimento, elas podem tentar ignorá-lo, cobri-lo ou disfarçá-lo com um comportamento doentio.

Sofrimento não resolvido pode afetar toda a família. Se uma criança não está feliz, os pais ou irmãos e irmãs não poderão ser felizes. Se pudermos dar atenção consciente ao sofrimento do nosso filho, reconhecê-lo e cuidar dele, isso vai ajudar a criança a resolver seus problemas e curar a sua dor, o que irá beneficiar toda a família.

Ter consciência do sofrimento e encontrar formas de ajudar a aliviá-lo na nossa vida doméstica vão nos ajudar a sermos mais capazes de compreender e lidar com situações difíceis que surgem no trabalho, especialmente se estamos em ocupações de alto estresse. Precisamos saber como lidar com nosso próprio sofrimento, a fim de sermos capazes de entender os outros.

Nosso ambiente de trabalho é como um organismo vivo também. Se trouxermos o nosso estresse de casa para o nosso trabalho, pode ser como uma infecção. Da mesma forma, se trouxermos plena consciência de casa para o trabalho, a nossa presença consciente pode tornar o nosso ambiente de trabalho um lugar mais saudável e mais feliz para todos.

Podemos nos perguntar se sabemos como produzir um sentimento de alegria, ou se sabemos como relaxar e desfrutar do almoço, ou se vamos respirar antes de pegar o telefone ou antes de entrar em uma reunião difícil. Estas questões são muito práticas e muito importantes. A maneira como se vestir, escovar os dentes ou comer o nosso café da manhã também é importante. Se praticarmos atenção nessas pequenas ações diárias, saberemos como aproveitar o nosso dia, como deixar ir a tensão no trabalho e como reduzir o estresse. A prática de plena consciência pode ajudar-nos a cultivar mais consciência e alegria em nossas vidas e no nosso trabalho.

(Do livro ”Work” de Thich Nhat Hanh)
(Tradução para o português: Leonardo Dobbin)
FONTE: http://sangavirtual.blogspot.com