quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Extratos do 12º Discurso de Dharma - Retiro de 21 dias (2014)

Se nosso Corpo de Dharma, aquele que compreende o Dharma, é forte, nós não temos mais medo. Nós temos que nutrir nosso Corpo de Dharma com a pratica de caminhar e sentar com plena atenção para poder transformar e superar o sofrimento.
 
Nós podemos semear e nutrir nosso Corpo de Continuação que surge da qualidade de nossa fala, nossos pensamentos e nossas ações. Nossas ações vão continuar de muitas formas, por isso precisamos decidir ter um bom Corpo de Continuação.
 
Todos nós deveríamos construir um Corpo de Sangha para manter nossa prática viva. Até o Budha precisou da Sangha para alcançar seus sonhos e preservar sua prática. Nosso Corpo Cósmico, todos os objetos da consciência – montanhas, estrelas, etc – estão em nós. É a nossa consciência cósmica, é Deus, e ele está em nós.
 
Então não devemos nos preocupar com nosso Corpo Humano, porque nós temos o Corpo Cósmico. Você não tem que procurar por Deus, porque Deus está em você. Você é o Cosmos.
 
Seja “Sem Objetivo” – Não corra atrás de mais nada. Você já é tudo que você quer se tornar.
 
Sua mão esquerda é um Lótus, quando você segura o sino, isto é a Jóia. Eleve sua mão até o nível de seus olhos e você poderá ver a Jóia dentro do Lótus. Este é o significado de OM MANI PADME HUM. Então inspirando e expirando recite o Gatha. Atento ao corpo, a mente e a fala, recite em perfeita concentração, convide o sino a tocar e diga:
 
Eu envio meu coração juntamente com o som deste sino. Para que todos possam despertar do esquecimento. E transcender do desejo e do sofrimento.
 
Então toque um meio som (som de alerta) por 10 segundos para que as pessoas se preparem para ouvir um som inteiro que representa a voz de Budha chamando você de volta para sua verdadeira casa. Se o sino for bom o som pode durar por 3 respirações enquanto você as oferece as outras pessoas para apreciar, e então convide o sino a tocar novamente.
 
A prática deve se tornar um hábito porque a felicidade é o hábito de produzir a energia de Paz e Entendimento. Meu pai, minha mãe e meus ancestrais estão dentro de cada célula do meu corpo e então eu posso convidá-los a ouvir o som do sino comigo. É uma ação de grande cura.
 
O Budha fala sobre o Nirvana no aqui e no agora. Significa a remoção das aflições e a transformação destas aflições. Nós precisamos aprender a remover as aflições, reconhecendo-as e fazendo as pazes com cada uma delas.
 
Muitas pessoas pensam que o Nirvana é um reino para onde se vai depois da morte. Isto é um engano. O Budha diz que podemos tocar o Nirvana agora. Muitas pessoas pensam que o Nirvana é “não ser”, mas isto não é o que o Budha disse. Você não tem que ir e procurar por ele, com o poder da concentração, plena atenção e insight você pode entender profundamente o “não nascimento e não morte”. Isto é o Nirvana. Este é o maior alívio.
 
Quando você não consegue alcançar a realização profunda, é porque você não está em plena atenção ou plena consciência. Apenas a intenção de relaxar não é suficiente. A felicidade deve ser encontrada no aqui e no agora. Quando você se liberta dos 5 Skandas (sentidos, percepções, consciência, formações mentais e sentimentos) você alcança o Nirvana. A meditação andando está ligada a respiração consciente. É uma prática muito curativa. Reconheça que você está vivo e veja a vida ao seu redor. Esta é a prática de parar e curar, corpo e mente. Você pode gerar a energia de alegria e felicidade em cada passo.

Extratos do 11º Discurso de Dharma - Retiro de 21 dias (2014)

Os 8 elementos do Caminho:
 
Correta atenção
Correto insight  (eles vem juntos, estão conectados)
Correta concentração
Correta visão
Correta ação
Correto pensamento
Correta forma de vida
Correta diligência (nós apenas temos que gerar a plena atenção e um vai produzir o outro)
 
Diligência correta:
 
Nós não devemos fazer um esforço, ou tentar arduamente, ou lutar para fazer a prática.
 
Escolha as sementes que você quer fazer crescer em você. Veja estas sementes e as regue para que elas possam florescer. Aprenda como fazer e transforme isto num hábito. O hábito tem a energia que produz o poder de transformação. Então se você praticar você vai se transformar.
 
Nosso depósito mental e emocional armazena todos os tipos de sementes. Não existe descriminação. Nós pensamos que a lama não é boa, mas nós precisamos da lama para fazer brotar certas sementes.
 
Nossas ações são as primeiras retribuições que fazemos para o universo. Pela força da fala, do pensamento e das ações nós influenciamos nosso universo. Nosso universo é mais ou menos agradável dependendo da energia que criamos. É por isso que somos todos juntos somente um organismo vivo. Por isso temos que preservar nosso meio ambiente, precisamos ter um meio ambiente cheio de contentamento e compaixão.
 
Esta é a nossa retribuição para o universo. As sementes se manifestam no universo que criamos. Você tem que ensinar suas sementes com plena atenção, e então elas serão armazenadas em sua consciência. A diligência é a pratica de escolher os tipos de sementes de alegria, felicidade e compaixão e cuidar delas, regá-las.
 
O sofrimento é um hábito, nós reagimos a ele como uma máquina, seguindo sempre o mesmo caminho.
 
Para a mãe terra tudo é maravilhoso. Mas para os seres humanos existem coisas que são venenosas. Aquilo que você não tem, você tem que cultivar, então pratique e vai conseguir. Se você não tem Paz, escolha sementes de entendimento, e cuide delas, e assim você terá Paz.
 
Produza o que você precisa, o solo é a plena consciência. Cultivando você vai encontrar felicidade. A sangha tem uma energia forte para produzir juntos as sementes adequadas. Quando uma boa semente se manifesta, você tem que fazê-la permanecer em você por mais tempo possível. Mantenha-a em você todo o tempo.
 
E as sementes ruins, não permita que elas sejam regadas. Use a atenção apropriada para vê-la se manifestando e não dê a ela a atenção solicitada. Não permita que ela cresça. Mude o curso desta energia negativa. E se uma energia negativa surgir, coloque-a no seu devido lugar imediatamente. Sem reprimir, reconheça-a e convide a semente de energia positiva oposta a se manifestar.
 
Ventilando a raiva
 
Prática: Se você trancar as portas do seu quarto e soquear o travesseiro com toda a sua raiva, você coloca pra fora a raiva, mas reforça suas sementes. Então a prática é fazer crescer as sementes opostas da raiva. Você pode sentar, caminhar, comer e trabalhar com plena atenção, percebendo as sementes quando começam a se manifestar e assim, reconhecendo-as, deixe-as sair do seu corpo aceitando-as e eliminando-as na respiração e posteriormente, com entendimento, escolha uma semente oposta para direcionar seu pensamento ou sentimento e assim, você vai ver a transformação.
 
Este não é o caminho que leva a felicidade, a felicidade é o caminho!
 
Nirvana não é um destino a ser perseguido, você pode ter um Nirvana em cada passo do caminho. Nosso propósito não é chegar lá, cada passo contém o Nirvana e Samsara dentro de si. Eles Intersão. O caminho para a felicidade contém a felicidade em cada passo.
 
Felicidade e sofrimento estão no mesmo caminho. Você vai encontrar aquele que procurar. Nirvana é o caminho a cada passo. Você não precisa morrer para alcançar Nirvana, será muito tarde!
 
Cada respiração pode curar se você estiver completamente no aqui e agora. Nós não precisamos procurar pelo Nirvana, nós temos sido “Nirvanizados” desde os tempos sem começo e sem fim. Cultive a plena consciência, a vivacidade e você poderá tocar o Nirvana pois ele está sempre no seu Corpo Cósmico.
 
Toque estas realidades:
 
Sem nascimento – sem morte
Ser – não ser
Não vir – não ir
Existir – não existir
O mesmo – os outros

Extratos do 10º Discurso de Dharma - Retiro de 21 dias (2014)

Este é um momento feliz porque estamos juntos. Com plena atenção nós podemos reconhecer as razões pelas quais este é um momento maravilhoso.
 
O que acontece quando nós morremos? Nós temos que olhar com os olhos de atenção plena para ver. Não olhe para a aparência das coisas, olhe profundamente e você poderá ver a nuvem dentro do chá. Não existe nascimento e não existe morte. É uma descoberta libertadora!
 
Nós podemos ver a natureza do “sem forma, sem objetivo e vacuidade” de todas as coisas. Você não pode ver o núcleo do grão de milho, mas você sabe que ele está na planta do milho. Todos os dias nós temos que aprender a ver as coisas livres de sua forma - sem forma.
 
Se você olhar sua foto com 5 anos de idade você pode pensar que o menino pequeno não está mais lá.  Mas não é verdade. Nós ainda temos nossa criança dentro de nós. Ele não é o mesmo e nem diferente. Então a aparência não é importante.
 
Então nós não precisamos chorar porque a nuvem não está mais no céu. Olhe para a terra e você vai encontrá-la lá na água e em todas as plantas. As coisas estão umas dentro das outras. Esta é a verdade última que nos traz a liberdade absoluta. Não existe começo e nem fim, não existe nascimento nem morte.
 
Isto é o vazio ou vacuidade, e lembre que vacuidade não significa não existir. Vacuidade é estar vazio de alguma coisa, estar vazio de uma existência separada, de um “eu” independente, mas cheio de tudo o que existe. Você não pode estar sozinho. Você precisa de todo o universo para existir. Interser é a verdade!
 
A vacuidade representa a verdade última. Meditando sobre vacuidade nos conectaremos com a verdade última. Se você tiver tempo de observar a árvore ou a flor você verá que elas dependem de condições para existir.
 
Vamos observar nossa transformação. Nós temos um corpo físico, mas nós temos o corpo de Buddha, o corpo da Sangha, o corpo de Dharma, o corpo fora do corpo, o corpo cósmico, o corpo de continuação. O propósito da meditação é ter a visão correta, na qual o conhecimento vem do insight, da não descriminação em nosso pensamento. Esta prática vem junto com a concentração correta trazendo a atenção correta. Este é o caminho. Então você está aqui e agora e pode reconhecer todas as coisas do presente momento permitindo-nos transformar emoções ruins e aproveitar os bons momentos. Plena atenção já é a iluminação!
 
Quando eu olho para mim mesmo, eu vejo claramente que eu sou feito da nuvem, 70 % de nuvem. A maior parte de nossos pensamentos não são úteis. Eles nos tornam confusos. Pensamentos corretos que produzem compaixão podem curar. O que você pensa é o seu produto, carrega a sua marca.  E não pense que os pensamentos desaparecem, eles vão para o seu carma, então pratique o pensamento correto.
 
Carma é uma energia. Não se pode destruir energia. Então esta energia continua com você. Você pode apenas transformar energia. Você é responsável pelas suas ações e pensamentos já são ações. Produza os pensamentos e fala correta. Pratique fala amorosa para nutrir e curar a outra pessoa e você também. Aja de forma a trazer mais paz para você e para os outros. Suas ações, pensamentos e fala são as únicas coisas que você pode levar com você. Mantenha seu carma leve.
 
Eu nunca vou morrer. Eu vejo claramente meu corpo de continuação. Thay está em todos vocês.  Se vocês tiverem olhos de plena atenção vocês vão ver também. Thay está em todas as coisas... então o que acontece quando você morre?
 
Você não morre!

Extratos do 9º Discurso de Dharma - Retiro de 21 dias (2014)

Nós precisamos ajudar o Buddha, ele tem somente dois olhos e dois braços, como ele pode ouvir todo o sofrimento do mundo?
 
Todas as pessoas precisam de ajuda incluindo o Buddha. Existe muito stress, muita ansiedade e dúvida.
 
A atenção correta é o caminho. Estes são os elementos do caminho: visão correta, livre da descriminação e o nobre caminho correto, aquele que leva a felicidade com o pensamento correto, fala correta e ação correta. E então você precisa da energia da concentração e do insight.
 
A atenção correta é o caminho. Estes são os elementos do caminho: visão correta, livre da descriminação e o nobre caminho correto, aquele que leva a felicidade com o pensamento correto, fala correta e ação correta. E então você precisa da energia da concentração e do insight. A plena atenção tem a natureza de inter-existir com todos os outros seres do caminho. Quando acontece a plena atenção, existe o insight. A plena atenção já é iluminação, já é um insight. Se você tem o insight correto, ou a visão correta, você sempre terá a ação correta. A plena atenção não é uma ferramenta para a iluminação, ela já é o caminho. Um caminho é feito de passos, cada passo forma o caminho. Cada respiração é um passo. Em cada passo você pode encontrar paz e felicidade. A plena atenção torna todas as atividades felizes.
 
Plena atenção, concentração, e insight vivem um dentro do outro e produzem a visão correta de não individualidade do “eu”, todos os elementos do caminho se interconectam. Com a visão correta você nunca vai agir de forma errada. Com a atenção plena você vai começar a experimentar a felicidade. Nós não devemos excluir ninguém da prática. Deus está em mim e eu estou nele. Nós “intersomos”.
 
Você tem que escolher: você quer ser o número 1 ou quer ser feliz?
 
Todo mundo precisa de ajuda e não de punição. Nós precisamos tentar ajudar com amor e ações corretas assim, nós damos um novo começo para as pessoas que ajudamos.
 
Felicidade é para ser aprendida, felicidade é um hábito. Nós temos que aprender a ser felizes e praticar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Feliz Continuação

Ouça Shariputra, todos os dharmas são marcados com a vacuidade. Eles não podem ser produzidos nem destruídos. (Sutra do Coração)
 
Dharmas aqui, significam coisas. Um ser humano é um dharma. Uma árvore é um dharma. Uma nuvem é um dharma. O brilho do sol é um dharma. Tudo que pode ser concebido é um dharma. Portanto, quando dizemos, Todos os dharmas são marcados com a vacuidade, estamos dizendo, tudo tem a vacuidade como sua natureza. E é por isso que tudo pode existir. Há muita alegria nessa declaração. Significa que nada pode nascer, nada pode morrer. Avalokita disse algo extremamente importante.
 
Em cada dia na nossa vida vemos nascimento e morte. Quando uma pessoa nasce, uma certidão de nascimento é impressa para ele. Depois que morre, de forma a enterrá-lo, um certificado de óbito é feito. Essas certidões confirmam a existência do nascimento e da morte. Mas Avalokita disse, Não, não há nascimento e morte. Temos que olhar, mais profundamente de forma a ver se essa declaração é verdadeira.
 
Qual é a data na qual você nasceu, sua data de nascimento? Antes dessa data, você já existia? Você já estava presente antes de nascer? Deixe-me ajudá-lo. Nascer significa que de nada você se tornou algo. Minha pergunta é, antes de  nascer, você já estava presente?
 
Suponha que uma galinha está prestes a colocar um ovo. Antes de ela colocá-lo, você acha que o ovo já estava presente? Sim, é claro. Está dentro dela. Você também estava dentro antes que saísse. Isto significa que antes de nascer, você já existia dentro de sua mãe. O fato é que se algo já está presente, não necessita nascer. Nascer significa que do nada, você se tornou algo. Se você já é algo, qual o sentido de nascer?
 
Portanto, o chamado, dia do aniversário é na realidade seu dia de Continuação. Na próxima vez que celebrar, pode dizer, Feliz dia de Continuação. Acho que podemos ter uma idéia melhor de quando nascemos. Se voltarmos nove meses antes, para o momento da concepção, teremos uma data melhor para colocar em nossa certidão de nascimento. Na China e também no Vietnã, quando nasce, já se considera que você tenha um ano de idade. Portanto dizemos que nosso início se dá no momento da concepção no útero de nossa mãe, e escrevemos essa data na nossa certidão de nascimento.
 
Mas a questão permanece: Antes mesmo desta data você existia ou não? Se você disser, Sim, acho que está correto. Antes da sua concepção, você já estava presente, talvez metade na sua mãe, metade no seu pai. Porque do nada, não podemos nos tornar algo. Você pode citar uma coisa que uma vez tenha sido nada? Uma nuvem? Você acha que uma nuvem pode nascer do nada? Antes de ser uma nuvem, era água, talvez flutuando em um rio. Ela não era um nada. Você concorda?
 
Não podemos conceber o nascimento do nada. Há apenas continuação. Por favor, olhar ainda mais para trás e você verá que você não apenas existia no seu pai e mãe, mas também nos seus avôs e avós. Ao olhar mais profundamente, posso ver que numa vida anterior eu era uma nuvem. Isto não é poesia, é ciência.
 
Porque eu digo que numa vida anterior eu era uma nuvem? Porque eu ainda sou uma nuvem. Sem a nuvem, eu não poderia estar aqui. Eu sou a nuvem, eu sou o rio, e o ar neste exato momento, portanto eu sei que no passado eu fui uma nuvem, um rio e o ar. E eu era uma pedra. Eu era os minerais na água. Isto não é uma questão de crença em reencarnação. Esta é a história da vida na Terra. Fomos gás, brilho do sol, água, fungos e plantas. Fomos seres unicelulares. O Buda disse que em suas vidas passadas ele era uma árvore. Ele foi um peixe, Ele foi um cervo. Estas não são coisas supersticiosas. Todos fomos uma nuvem, um cervo, um pássaro, um peixe e continuamos a ser essas coisas, não apenas em vidas passadas.
 
E não é apenas assim com o nascimento. Nada pode nascer e também nada pode morrer. Isto foi o que Avalokita disse. Você acha que uma nuvem pode morrer? Morrer significa que de algo você se tornou nada. Você acha que podemos transformar alguma coisa em nada? Vamos voltar à nossa folha de papel. Podemos ter a ilusão que para destruir toda a folha tudo o que temos que fazer é acender um fósforo e queimá-la. Mas se queimarmos uma folha de papel, parte dela se tornará fumaça e a fumaça subirá e continuará a existir.
 
O calor resultante da queima do papel entrará no cosmos e penetrará nas outras coisas, porque o calor é a vida seguinte do papel. A cinza que é formada se tornará parte do solo e a folha de papel, na sua vida seguinte, poderá ser uma nuvem e uma rosa ao mesmo tempo. Temos que ser muito cuidadosos e atentos de forma a perceber que esta folha de papel nunca nasceu e nunca morrerá. Ela pode passar a ser outras formas de vida, mas não somos capazes de transformar uma folha de papel em nada.
 
Tudo é assim, mesmo você e eu. Não somos sujeitos ao nascimento e morte. Um mestre Zen poderia dar a seu aluno um tema de meditação como esse, Como era seu rosto antes que seus pais nascessem? Este é um convite para ir em uma viagem de forma a se reconhecer. Se você fizer bem feito, poderá ver suas vidas passadas assim como as vidas futuras.
 
Lembre-se, por favor, que não estamos falando sobre filosofia, estamos falando da realidade. Olhe para a sua mão e se pergunte, Desde quando minha mão tem estado por aí? Se eu olhar profundamente para minha mão, poderei ver que ela tem estado por aí há um longo tempo, mais de 300.000 anos. Vejo muitas gerações de ancestrais nela, não apenas no passado mas no momento presente, ainda vivas. Eu sou apenas uma continuação. Eu nunca morri nenhuma vez. Se eu tivesse morrido uma vez ao menos, como minha mão ainda estaria aqui?
 
O cientista francês Lavoisier disse, Nada é criado e nada é destruído. Isto é o mesmo que está no Sutra do Coração. Mesmo os melhores cientistas contemporâneos não podem reduzir algo como uma partícula de poeira ou um elétron a nada. Uma forma de energia pode apenas se tornar outra forma de energia. Uma coisa nunca pode se tornar nada e isso inclui uma partícula de poeira.
 
Usualmente dizemos que humanos vêm do pó e voltaremos ao pó e isto não soa muito alegre. Não queremos retornar ao pó. Há uma discriminação aqui achando que humanos valem mais e que a poeira não tem valor nenhum. Mas cientistas não sabem ao menos o que é um grão de poeira! Ainda é um mistério. Imagine um átomo desse grão de poeira, com elétrons viajando em torno do núcleo a 180.000 milhas por segundo. É muito excitante. Voltar a ser um grão de poeira será uma aventura muito excitante!
 
Às vezes temos a impressão que entendemos o que é um grão de poeira. Até mesmo fingimos que entendemos um ser humano um ser humano que dizemos que voltará a ser um grão de poeira. Como vivemos com uma pessoa por 20 ou 30 anos, temos a impressão que sabemos tudo sobre ela. Portanto, ao dirigir o carro com a pessoa ao nosso lado, pensamos em outras coisas. Não estamos mais interessados nela. Que arrogância! A pessoa sentada ali ao nosso lado é realmente um mistério! Apenas temos a impressão que a conhecemos, mas não sabemos nada ainda.
 
Se olharmos com os olhos de Avalokita, veremos que mesmo um fio de cabelo da pessoa é o cosmos inteiro. Um fio de cabelo na sua cabeça pode ser uma porta se abrindo para a realidade última. Um grão de poeira pode ser o Reino dos Céus, a Terra Pura. Quando você vir que você, o grão de poeira e todas as coisas intersão, você entenderá que as coisas são dessa forma. Precisamos ser humildes. Dizer que não sabe é o começo do conhecimento, é um provérbio chinês.
 
Um outono, eu estava em um parque, absorvido na contemplação de uma  bonita folha muito pequena, na forma de coração. Sua cor era quase vermelha, e estava por pouco pendurada no galho, quase pronta para cair. Eu fiquei um bom tempo com ela e perguntei à folha muitas questões. Eu descobri que a folha tinha sido uma mãe para a árvore. Usualmente pensamos que a árvore é a mãe da folha. A seiva que as raízes captam é apenas água e minerais, e não é boa o suficiente para nutrir a árvore, portanto a árvore distribui a seiva para as folhas. E as folhas assumem a responsabilidade de transformar a seiva bruta na seiva elaborada e com a ajuda do sol e gás, a devolvem de forma a nutrir a árvore. Portanto as folhas são também a mãe da árvore. E como a folha é ligada à árvore por um talo, a comunicação entre elas é fácil de ver.
 
Não temos mais um talo nos ligando à nossa mãe, mas quando estávamos no seu útero tínhamos um longo talo, um cordão umbilical. O oxigênio e os nutrientes que precisávamos vinham para nós através desse talo. Infelizmente, no dia que chamamos de dia do aniversário, ele foi cortado e recebemos a ilusão que éramos independentes. Isto é um erro. Continuamos a depender de nossa mãe por um longo tempo, e temos muitas outras mães também. A Terra é nossa mãe. Temos muitos grandes talos nos ligando à nossa mãe Terra.
 
Há um talo nos ligando com a nuvem. Se não houvesse nuvem, não haveria água para bebermos. Somos feitos de pelo menos setenta por cento de água e o talo entre a nuvem e nós está realmente presente. Há também a mesma situação com o rio, a floresta, o lenhador e o fazendeiro. Há centenas de milhares de talos nos ligando a tudo no cosmos de forma que possamos existir. Você vê a ligação entre você e eu? Se você não estiver aí, eu não estaria aqui. Isto é certo. Se você não vê isso ainda, olhe mais profundamente e tenho certeza que verá. Como disse, não é filosofia. Você realmente tem que ver.
 
Eu perguntei para a folha se ela tinha medo porque era outono e as outras folhas estavam caindo. A folha me disse, Não. Durante toda a primavera e verão eu estava viva. Trabalhei duro e ajudei a nutrir a árvore, e muito de mim está na árvore. Por favor, não diga que eu sou apenas esta forma, porque a forma da folha é apenas uma pequena parte de mim. Eu sou a árvore inteira. Sei que já estou dentro da árvore e quando eu for de volta ao solo, continuarei a nutrir a árvore. É por isso que não me preocupo. Assim que eu deixar o galho e flutuar ao solo, acenarei para a árvore e direi a ela, `Te verei novamente em muito em breve` .
 
Logo eu vi um tipo de sabedoria muito parecido com a contida no Sutra do Coração. Você tem que ver a vida. Não deveria dizer a vida da folha, deveria apenas falar na vida na folha, na vida na árvore. Minha vida é apenas Vida, e você pode vê-la em mim e na árvore. Naquele dia havia um vento soprando e depois de um tempo via a folha deixar o galho e flutuar para o solo, dançando alegremente, porque enquanto flutuava olhava para si mesmo já na árvore. Ela estava muito feliz. Curvei minha cabeça e sabia que havia muito a aprender da folha porque ela não tinha medo ela sabia que nada pode nascer e nada pode morrer.
 
(...) Amanhã eu continuarei a ser. Mas você terá que ser muito atencioso para me ver. Eu serei uma flor ou uma folha. Eu estarei nessas formas e direi alô para você. Se você tiver atenção suficiente me reconhecerá e poderá me cumprimentar. Eu ficarei muito feliz.
 
(Do livro The heart of undestanding Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

domingo, 21 de setembro de 2014

Transformando Energias de Hábito Negativas

Hoje eu gostaria de falar pouco sobre o paraíso e o inferno. Eu estive no paraíso, e estive no inferno também, portanto tenho alguma experiência para compartilhar com você. Creio que se você recordar bem, lembrará que esteve também no paraíso e também no inferno. O inferno é quente e  difícil.
 
O Buda, em uma de suas vidas anteriores, estava no inferno. Antes de se transformar em um Buda ele sofreu muito em muitas vidas. Fez muitos erros, como todos nós. Ele se fez sofrer e fez pessoas em torno dele sofrerem. Às vezes cometeu erros muito grandes e é por isso que em suas vidas precedentes estava no inferno. Há uma coleção das histórias sobre as vidas do Buda e muitas centenas das histórias como esta. Estas histórias são compiladas com o título de contos de Jataka. Entre estas centenas das histórias, recordo uma muito vividamente. Eu tinha sete anos, muito novo, li essa história sobre o Buda e fiquei muito chocado. Mas naquele momento não compreendi inteiramente essa história.
 
O Buda estava no inferno porque tinha feito alguma coisa errada, muito errada, que causou muito sofrimento a ele e aos outros. Naquela vida, ele chegou ao fundo do sofrimento por que aquele inferno era o pior de todos os infernos. Com ele estava outro homem e juntos tinham que trabalhar muito duro, sob a direção de um soldado que estava no comando do inferno. Era escuro, frio e ao mesmo tempo quente. O guarda parecia não ter coração, não parecia que conhecia o sofrimento. Ele não sabia nada sobre os sentimentos das outras pessoas e, portanto, apenas batia nos homens no inferno. Ele estava no comando dos dois homens e sua tarefa era fazê-los sofrer o máximo possível.
 
Eu acho que o guarda também sofria muito. Parecia que ele não tinha amor nenhum no seu coração, parecia que não tinha coração. Quando se ouvia ou olhava para o guarda, não parecia possível entrar em contato com um ser humano por que ele era muito bruto. Ele não era sensível ao sofrimento ou a dor alheias. Esse é o motivo porque batia nos dois homens e os fazia sofrer muito. E o Buda era um desses homens em uma de suas vidas anteriores.
 
O guarda tinha um instrumento de ferro com três pontas e cada vez que queria que os dois homens fossem a frente ele o usava para empurrá-los pelas costas e é claro que o sangue corria ali. Ele não os permitia relaxar, estava sempre empurrando e empurrando. Ele mesmo parecia estar sendo empurrado por alguém atrás dele. Você já sentiu este tipo de empurrão nas costas? Mesmo que não tenha ninguém atrás de você, sente que está sendo empurrado e empurrado a fazer coisas que você não gosta de fazer, dizer coisas que não gosta de dizer e fazendo isso cria muito sofrimento para si mesmo e para as pessoas ao seu redor.
 
Talvez haja algo atrás de nós empurrando e empurrando. As vezes nós dizemos e fazemos coisas horríveis que não queríamos dizer ou fazer, como se estivéssemos sendo empurrados por algo atrás de nós. Portanto dissemos e fizemos mesmo sem querer. Isto era o que acontecia com o guarda no inferno: ele tentava empurrar por que estava sendo empurrado. Ele fez muito estrago aos dois homens. Eles estavam com muito frio, muita fome e o guarda estava sempre empurrando, batendo neles e causando muitos problemas.
 
Uma tarde o homem que era o Buda em uma vida anterior viu o guarda tratando seu companheiro tão brutalmente que algo nele surgiu. Ele queria protestar. Ele sabia que se interferisse, se dissesse alguma coisa, se tentasse evitar que o guarda batesse na outra pessoa, o guarda bateria nele. Mas algo o estava empurrando, portanto ele queria interferir, queria dizer: “Não bata nele muito. Porque você não permite que ele relaxe? Porque você tem que ferir, bater e empurrá-lo tanto?”
 
Profundamente dentro do Buda havia uma pressão aflorando e ele queria interferir, mesmo sabendo perfeitamente bem que se o fizesse, seria agredido pelo guarda. Aquele impulso era muito forte e ele não podia aguentar mais. Ele se virou e encarou o guarda sem coração e disse: “Porque você não deixa ele sozinho por um momento? Porque você continua batendo e empurrando desse jeito? Você não tem coração?”
 
Quando o guarda o viu protestando desse jeito, ficou muito zangado e usou seu garfo, enfiando-o no lado direito do peito do Buda. Como resultado o Buda morreu imediatamente e renasceu no mesmo minuto no corpo de um ser humano. Ele escapou do inferno e se tornou um ser humano vivendo na Terra apenas porque a compaixão nasceu nele forte o suficiente para ter coragem para interferir e ajudar um companheiro no inferno.
 
Quando eu li esta história, fiquei surpreso e cheguei a conclusão que mesmo no inferno há compaixão. Isto foi uma verdade confortante: mesmo no inferno há compaixão. Você pode imaginar? E onde quer que haja compaixão não pode ser tão mau. Você sabe uma coisa? O outro camarada viu o Buda morrer. Ele estava com raiva e pela primeira vez foi tocado pela compaixão: a outra pessoa deve ter algum amor, alguma compaixão para ter a coragem de interferir. Isto fez surgir a compaixão nele também. Por isso ele olhou o guarda e disse: “Meu amigo estava certo, você não tem coração. Você pode apenas criar sofrimento para si mesmo e para as outras pessoas. Eu não acho que você seja uma pessoa feliz. Você o matou”. E depois de dizer isto o guarda ficou com muita raiva dele também, usou seu garfo, enfiando-o no estômago do segundo homem que também morreu imediatamente e renasceu como ser humano na Terra. Ambos escaparam do inferno e tiveram uma chance de iniciar uma vida nova como seres humanos na Terra.
 
O que aconteceu ao guarda que não tinha coração? Ele se sentiu muito sozinho porque no inferno havia apenas três pessoas e agora duas estavam mortas. Ele começou a ver que esses dois não eram muito educados ou muito bons mas ter pessoas vivendo conosco é uma coisa maravilhosa. Agora as outras duas pessoas estavam mortas e ele estava sozinho. Não podia suportar aquele tipo de solidão e o inferno se tornou muito difícil. A partir daquele sofrimento ele aprendeu algo: aprendeu que não se pode viver sozinho. Os homens não são nossos inimigos. Você não pode odiar os homens, não pode matar os homens, não pode reduzir os homens a nada porque se você matá-los com quem você viverá? Fez um voto que se novamente tomasse conta do outras pessoas no inferno, aprenderia como lidar com elas de uma maneira melhor e a transformação aconteceu no seu coração.
 
Na verdade ele tinha um coração. Não estava certo acreditar que ele não tinha um coração – todo mundo tem um coração. Precisamos de algo ou alguma coisa para tocar esse coração, para transformá-lo num coração humano. Neste momento o sentimento de solidão, o desejo de estar com outros seres humanos nasceu nele. Por isso ele decidiu que se tivesse que guardar outras pessoas no inferno, saberia como lidar com elas com mais compaixão. Neste momento a porta do inferno se abriu e um bodhisattva apareceu com toda a radiância. Ele disse: “ Um deus nasceu em você e portanto não tem que permanecer no inferno mais tempo. Você morrerá rapidamente e renascerá como ser humano logo.”
 
Essa era a história que li quando tinha 7 anos. Eu tenho que confessar que naquele momento não entendi totalmente. Contudo a história teve grande impacto em mim. Acho que era meu conto Jataka preferido. Descobri que no inferno pode haver compaixão. É possível conceber a compaixão mesmo nas situações mais difíceis. Na nossa vida diária, de tempos em tempos, nós criamos o inferno para nós mesmos e para os nossos amados. O Buda fez isso muitas vezes antes de se tornar um Buda. Ele gerou sofrimento para ele e outras pessoas, incluindo sua mãe e seu pai. Por isso numa vida anterior ele teve que estar no inferno. Inferno é um local onde se pode aprender uma lição de forma a crescer e o Buda aprendeu bem lá. Você sabe o que aconteceu depois dele ter renascido como humano? Ele continuou a praticar a compaixão e deste dia em diante continuou a fazer progressos na direção da compreensão e amor e nunca voltou ao inferno novamente, exceto quando ele quis ir lá para ajudar as pessoas que sofrem.
 
Eu estive no inferno, muitos tipos de inferno e eu também constatei que mesmo no inferno a compaixão é possível. Com a prática da meditação budista, você pode evitar que o inferno se manifeste. E se o inferno se manifestar, você tem muitos modos de transformá-lo em algo que seja mais agradável. Quando você fica zangado, o inferno nasceu. A raiva faz você sofrer muito e não só você sofre, mas também as pessoas que você ama. Quando nós não sabemos como praticar, de tempos em tempos, criamos o inferno nas nossas famílias.
 
Na escola nossos professores nunca nos ajudaram a lidar com essas dificuldades. Eles não nos ensinaram como transformar o inferno em algo melhor como o paraíso. Mas quando você vem a um centro de prática como Plum Village, os irmãos e irmãs que vivem aqui serão capazes de dizer-lhe como evitar que o inferno se manifeste. Se o inferno surgir aqui, o que você pode fazer para transformá-lo numa atmosfera de calma, de tranqüilidade e de alegria?
 
Hoje eu gostaria que os jovens aprendessem mais sobre a prática de transformar o inferno em alguma coisa mais agradável. Vocês sabem que as práticas da respiração consciente, do andar consciente, do sorriso consciente são muito importantes. Você acha que pode andar – é claro que você pode andar. Você acha que você pode respirar – de fato, você respira todo dia, o dia todo e a noite toda. Você acha que pode sorrir. Sim, mas o sorriso aqui é um pouco diferente, a respiração é um pouco diferente, o andar é um pouco diferente. Nós chamamos isto de respiração consciente, andar consciente, sorriso consciente e se você se tornar mestre nesses métodos da prática, terá instrumentos para transformar o inferno no paraíso.
 
O inferno pode ser criado pelo pai ou mãe, irmão ou irmã ou por você mesmo. Você criou o inferno muitas vezes na sua família e cada vez que o inferno estiver presente, não só as outras pessoas sofrem, como você também. Portanto como fazer a compaixão brotar em cada um de vocês? Eu penso que esta é a chave da prática. Se entre três ou quatro de vocês houver uma pessoa que tenha compaixão no coração, uma pessoa que seja capaz de sorrir conscientemente, de respirar conscientemente, de andar conscientemente, ela pode ser a salvadora de toda a família. Ela terá o papel do Buda no inferno por que a compaixão nasceu nele primeiro e esta compaixão será vista e tocada por outros. Pode ser que o inferno seja transformado em apenas um minuto ou menos. É maravilhoso!
 
Quando você está na escola aprende muito sobre escrever, ler e matemática e muitas outras coisas, mas não aprende sobre essas coisas. Eu acho que os monges e monjas, os irmãos e irmãs aqui em Plum Village, podem falar para você como praticar de forma a não deixar o inferno se manifestar e quando o inferno já estiver presente o que fazer para ele não continuar mas se transformar em algo maravilhoso. Alegria e felicidade são possíveis e se pudermos aprender um pouco sobre a prática da atenção plena seremos capazes de fazer a vida muito mais agradável para nossa família, escola e sociedade.
 
(Palestra de Dharma ministrada por Thich Nhat Hanh no dia 6 de agosto  de 1998 em Plum Village, França)