quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Não Se Perca No Futuro

 
Não persiga o passado
Não se perca no futuro
O passado não mais existe
O futuro ainda não veio.
Olhando em profundidade para a vida como é
Neste exato aqui e agora,
O praticante habita
Na estabilidade e liberdade.
Precisamos ser diligentes hoje.
Esperar até amanhã pode ser tarde demais.
A morte vem inesperadamente.
Como podemos barganhar com ela?
Um sábio chama uma pessoa que sabe
Como morar na plena atenção
Dia e noite
“Aquele que sabe
A melhor maneira de viver sozinho.”
 
(Do sutra sobre a Melhor Maneira de Viver Sozinho)
 
 
Às vezes, porque o presente está muito difícil, levamos nossa atenção ao futuro esperando que a situação melhore no futuro. Imaginando que o futuro será melhor, mais facilmente aceitamos o sofrimento e as privações do presente. Mas, outras vezes, pensar sobre o futuro pode nos causar muito medo e ansiedade, e mesmo assim não conseguimos parar de fazer isso.
 
A razão pela qual continuamos a pensar no futuro mesmo quando não queremos é por causa das formações mentais. Mesmo sem estar aqui ainda, o futuro já está produzindo fantasmas que nos assustam. Na verdade, estes fantasmas não são produzidos pelo futuro ou pelo passado. É a nossa consciência que os cria. O passado e o futuro são criações da nossa consciência.
 
As energias por traz do nosso pensar sobre o nosso futuro são nossas esperanças, sonhos e ansiedades. Nossas esperanças podem ser resultado de nossos sofrimentos e falhas. Como o presente não nos traz felicidade, permitimos que nossas mentes viajem para o futuro. Esperamos que no futuro, a situação seja mais brilhante:
 
“Quando alguém pensa como seu corpo será no futuro, como seus sentimentos serão no futuro, como suas formações mentais serão no futuro, como sua consciência será no futuro...”.
 
Pensar desta maneira pode nos dar coragem para aceitar a falha e o sofrimento no presente. O poeta Tru Vu disse que o futuro é a vitamina para o presente. Esperança nos traz de volta algumas das alegrias da vida que perdemos.
 
Todos sabemos que esperança é necessária para a vida. Mas de acordo com o budismo, a esperança pode ser um obstáculo. Se investirmos nossa mente no futuro, não teremos energia mental suficiente para encarar e transformar o presente. Naturalmente temos o direito de fazer planos para o futuro, mas fazer planos não significa ser varrido por sonhos, devaneios. Enquanto estamos fazendo planos, nossos pés devem estar firmemente plantados no presente. Só podemos criar o futuro da matéria prima do presente.
 
O ensinamento essencial do budismo é ser livre de todos os desejos no futuro, de forma a voltar com todo o nosso coração e mente para o presente. Realizar o despertar significa chegar em uma profunda e completa visão da realidade, que é o momento presente.
 
De forma a voltar ao presente e ficar face a face com o que está acontecendo, devemos olhar em profundidade no coração do que existe e experimentar sua verdadeira natureza. Quando fazemos isso, experimentamos um entendimento profundo que pode nos libertar do sofrimento e da escuridão.
 
De acordo com o budismo, inferno, paraíso, samsara e nirvana estão todos aqui no momento presente. Retornar ao momento presente é descobrir a vida e perceber a verdade. Todos os Despertos do passado têm seu Despertar no momento presente. Todos os Despertos do presente e do futuro realizarão o fruto do Despertar no presente também. Apenas o momento presente é real;
 
 “O passado não mais existe e o futuro ainda não veio.”
 
Se não ficarmos de pé firmemente no momento presente, podemos nos sentir sem base quando olharmos para o futuro. Podemos pensar que no futuro estaremos sozinhos, sem lugar para nos refugiar e ninguém para nos ajudar.
 
 “Quando alguém pensa como seu corpo será no futuro, como suas formações mentais serão no futuro, como sua consciência será no futuro...”
 
Estas preocupações sobre o futuro nos tiram a tranqüilidade, nos geram ansiedade e medo e não nos ajudam a tomar conta do momento presente. Eles apenas  fazem nosso modo de lidar com o presente fraco e confuso. Há um ditado confucionista que diz que uma pessoa que não sabe como planejar para o futuro distante ficará preocupada e perplexa no futuro próximo. O propósito disto é nos lembrarmos de tomar conta do futuro, mas não ficarmos ansiosos e termos medo dele.
 
A melhor maneira de se preparar para o futuro e tomar muito cuidado com o presente, porque sabemos que se o presente é feito do passado, então o futuro é feito do presente. Tudo que precisamos nos responsabilizar é pelo momento presente. Apenas o presente está no nosso alcance. Cuidar do presente é cuidar do futuro.

(Do livro “Our appointment with life”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Livre Arbítrio

Quando a consciência mental opera sozinha ela pode estar em concentração ou em dispersão. Dispersão é quando você se permite ser arrastado pelas emoções. Quando nos sentimos fora do controle de nossas vidas, como se não tivéssemos soberania alguma, isto é a consciência mental em dispersão. Você pensa e fala e faz coisas que você não consegue controlar. Não queremos estar cheios de ódio e raiva e segregação, mas às vezes sentimos que a energia do hábito é tão forte que não sabemos como mudá-la. Inexiste bondade amorosa, compreensão ou compaixão em seu pensamento porque você está aquém do seu melhor eu. Semelhante ao homem que gritou com o filho dele de manhã, você diz e faz coisas que não diria ou faria se estivesse concentrado. Você perde a sua soberania.
 
Quando contemplamos profundamente, já podemos nos imaginar em uma situação onde nos controlamos melhor e não somos apenas vítimas de nossas energias de hábito. A concentração nos dá uma liberdade maior para fazer as escolhas que desejamos fazer; ela nos dá a possibilidade de algum livre arbítrio.
 
Quando a nossa energia está dispersa e ficamos facilmente enraivecidos, podemos saber intelectualmente que a nossa raiva não nos ajuda, mas não somos capazes de pará-la. A questão do livre arbítrio, portanto, não é uma questão intelectual. Às vezes as pessoas pensam que nossos sentimentos são apenas causados pelas substâncias químicas que são liberadas no cérebro. Você se enraivece, fica violento somente por causa de algumas substâncias químicas liberadas no seu cérebro. Mas os nossos modos de pensar e agir produzem estas substâncias químicas. E a maneira como elas são liberadas, seja em excesso ou moderação, dependem muito do nosso modo de vida.
 
Se soubermos a maneira de comer plenamente conscientes, a maneira de comer adequadamente, a maneira de bebermos devidamente, a maneira de vivermos nossa vida diária de um modo equilibrado, a liberação destas químicas só trará bem estar. Se vivermos uma vida que está perturbada pela raiva, medo e ódio, nós saberemos que na base de nossa cognição os neurônios e as químicas que eles liberam serão afetados e haverá um desequilíbrio no cérebro e em nossa consciência. Podemos usar a nossa sabedoria, a nossa contemplação profunda para determinar como estes elementos funcionam. Você não pode dizer que estes elementos não são mente; eles são nossa mente.
 
No budismo dizemos que este corpo é a sua consciência. Usamos a expressão sânscrita namarupa. “Nama” significa mente. “Rupa” significa corpo. Elas não são entidades separadas, mas uma manifestação dupla da mesma substância.
 
Nós sabemos que todos nós temos energias de hábito negativas que nos impulsionam a pensar, a dizer e fazer coisas que intelectualmente sabemos que irão nos causar prejuízos. E, no entanto, nós as fazemos de todo jeito. Nós as dizemos de qualquer maneira. Nós as pensamos de todo jeito. Isto é a energia de hábito. Quando a energia de hábito surge, e está prestes a lhe empurrar a pensar, a sentir, a dizer e fazer, você tem a oportunidade de praticar a consciência plena. “Olá, minha energia de hábito, eu sei que você está surgindo”. Isto pode já fazer uma diferença. Você sabe que você não quer ser vítima da sua energia de hábito e a intervenção da consciência pode mudar a paisagem.
 
A segunda coisa que a consciência mental pode fazer é aprender hábitos positivos. Você pode se treinar a parar toda vez que ouvir o sino. Você interrompe o seu pensamento, pára de fazer coisas, e está apoiado por outros membros da comunidade para fazer isto. Em poucas semanas isto se torna um hábito. Quando você ouve o sino, naturalmente pára de pensar e se deleita com sua inspiração e expiração. Este é um hábito positivo. O fato de podermos criar e cultivar uma energia de hábito positiva prova que o livre arbítrio é possível. Ser soberano de si mesmo é possível em certa medida. A consciência armazenadora e a energia de hábito dentro dela são o solo de seus pensamentos diários, ações e palavras. Você pensa, fala, e faz coisas com a sua consciência armazenadora por trás ditando o seu comportamento. A qualidade das sementes dentro da consciência armazenadora é muito importante para isso. Você possui alguma quantidade de sabedoria, de compaixão dentro de si, e você ainda possui uma quantidade de raiva, uma porção de discriminação dentro de você. Junto com nossa educação, com a nossa prática, nós podemos reconhecer que existe um mecanismo existindo a nível inconsciente que nos faz andar, sentar, levantar, pensar, dizer coisas e agir.
 
Quando a consciência mental começa a operar, a energia da consciência plena pode ser gerada, e de repente você é capaz de estar cônscio do que está acontecendo. A intenção de andar, a intenção de dar um passo, pode se originar a nível metabólico. Mas é possível estar consciente daquela intenção. “Inspirando, eu sei que tenho a intenção de inspirar,” antes mesmo de fazê-lo. No entanto com a intervenção da consciência plena, a paisagem muda. Uma vez que a intenção tenha começado, a consciência plena ainda pode alterar o curso, e não através de luta. A consciência plena torna possível que outras sementes dentro de nós, sementes positivas, se manifestem. Temos aliados lá em baixo em nossa consciência armazenadora.
 
A consciência plena é aquele quem convida. A consciência plena é o jardineiro que acredita na capacidade do solo prover flores e frutos. Às vezes a consciência plena pode desempenhar o papel de iniciador. Suponha que você está cônscio de que o seu amado está sentado à sua frente. Inspirando, eu sei que a minha amada está sentada à minha frente. E eu noto que isto é algo importante. Ela está viva. Ela está presente diante de mim. Seria bom se eu dissesse algo agradável para ela, porque amanhã eu posso não está ali para dizê-lo. E então você olha para ela e diz: “Querida, eu sei que você está aqui, e eu estou tão feliz.” Então, a consciência plena pode agir como um agente e iniciar algum pensamento, ou alguma fala, ou alguma ação. Por isso dizemos que a consciência plena pode vir depois, ou a consciência plena às vezes, se quisermos, pode ser o iniciador de algum pensamento, de alguma fala, ou alguma ação. Compreendendo este processo, sabemos que existe uma chance de nos libertarmos. E a grande liberdade começa com estas minúsculas liberdades que fazemos surgir com a nossa consciência plena.
 
Para mim, a atenção plena é a nossa primeira verdadeira chance de liberdade, de livre arbítrio. Em estado de dispersão, nossa mente não está unida ao nosso corpo. Nosso corpo pode está aqui, mas nossa mente está no passado ou no futuro, aprisionada em nossa raiva, em nossa ansiedade e nossos projetos. A mente e o corpo não estão juntos. Então com a respiração consciente nós trazemos a mente de volta ao corpo, recompondo-se. Recompor-se significa que você se torna o melhor de si. Você recupera alguma soberania de si mesmo. E você sabe que quando é capaz de readquirir o domínio de si mesmo, existe ali alguma quantidade de consciência plena e de concentração. Você está totalmente estabelecido no aqui e agora e está ciente do que está acontecendo. Você não é mais uma vítima da situação, a situação do seu corpo, a situação da sua consciência armazenadora, a situação do seu ambiente. É por isso que a consciência plena é tão importante. Ela nos ajuda a estar ciente do que está acontecendo. Ela pode nos ajudar a iniciar algo. Ela pode nos ajudar a nos recuperar, a reivindicar a nossa soberania.
 
Com consciência plena nós paramos de ser vítima das energias de hábito. Isto não significa que lutamos contra a energia habitual dentro de nós, mas que nos tornamos cientes dela e a abraçamos gentilmente. Com a prática da respiração consciente, nós nos tornamos conscientes da energia habitual que está surgindo. Podemos dizer para nós mesmos: “Oh! Minha querida energia de hábito, você é uma amiga minha de longas datas. Eu lhe conheço tão bem. Eu vou tomar conta de você.” Com àquele tipo de consciência plena você preserva a sua liberdade. Você deixa de ser uma vítima da sua energia de hábito. Você sabe a maneira de usar as muitas condições para fortalecer a sua consciência plena. Uma comunidade que pratica consciência plena, o som do sino e a meditação caminhando são todos elementos sustentadores.
 
(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)
(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)
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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Esforço Correto

A Diligência Correta, ou o Esforço Correto, é um tipo de energia que nos ajuda a percorrer mais rápido o Nobre Caminho Óctuplo. Se formos diligentes na procura de posses, sexo ou comida, isso será o esforço errôneo. Se trabalharmos vinte e quatro horas por dia para obter lucro ou fama, ou para fugir da dor, isso também constitui esforço errôneo. Vistos de fora, podemos parecer diligentes, mas não estaremos praticando o Esforço Correto. A mesma coisa se aplica à nossa prática de meditação. Podemos parecer diligentes na prática, mas se ela nos afasta da realidade ou daqueles a quem amamos, não é o Esforço Correto. Quando praticamos a meditação sentada ou andando, de forma a fazer nosso corpo e nossa mente sofrerem, esse esforço não representa o Esforço Correto nem está baseado na Compreensão Correta. Nossa prática deve ser inteligente, baseada na real compreensão do ensinamento. Não é porque praticamos muito que podemos dizer que praticamos o Esforço Correto.
 
Havia um monge na Dinastia Tang na China que meditava dia e noite. Ele achava que praticava mais e melhor do que qualquer outra pessoa, e se orgulhava disso. Sentava-se como uma pedra, dia após dia, mas seu sofrimento não se transformava. Um dia um mestre perguntou: "Por que você se senta em meditação por tanto tempo?" e o monge respondeu: "Para me tornar um Buda!" O mestre apanhou um ladrilho e começou a polir o ladrilho com força. O monge perguntou o que estava fazendo, e o mestre respondeu: "Estou fazendo um espelho." O monge então perguntou: "Como pode transformar um ladrilho em espelho?" e o mestre respondeu: "Como você pode se transformar em Buda apenas sentado?"
 
As quatro práticas que costumam estar associadas ao Esforço Correto são:
 
(1)     Impedir o crescimento e o desenvolvimento das sementes indesejáveis contidas em nossa consciência armazenadora.
(2)     Ajudar as sementes indesejáveis já desenvolvidas a retornar à consciência armazenadora.
(3)     Encontrar formas de irrigar as sementes sadias que ainda não cresceram em nossa consciência armazenadora, incentivando o mesmo processo aos amigos.
(4)     Nutrir as sementes sadias que já cresceram, para que permaneçam em nossa consciência mental, tornando-se cada vez mais fortes. Isso é chamado de Esforço Correto Quádruplo.
 
Uma semente "não-sadia" é algo que não conduz à libertação nem ao caminho. Em nossa consciência armazenadora existem muitas sementes que não são benéficas para a nossa transformação, e se forem regadas ficarão cada vez mais fortes. Quando a ganância, o ódio, a ignorância e os pontos de vista incorretos aparecem em nós, se nós os observarmos com a Atenção Plena Correta, mais cedo ou mais tarde eles perderão sua força e retornarão à consciência armazenadora.
 
Quando as sementes sadias ainda não cresceram, podemos regá-las e ajudá-las a penetrar na mente consciente. Essas sementes de felicidade, amor, lealdade e reconciliação precisam ser regadas todos os dias. Ao regá-las, sentiremos grande alegria, o que as encorajará a permanecer mais tempo conosco. A quarta prática do Esforço Correto é a manutenção em nossa consciência das formações mentais saudáveis.
 
O Esforço Correto Quádruplo é alimentado pela alegria e pelo interesse. Se sua prática não lhe traz alegria, você não está praticando corretamente. O Buda perguntou ao monge Sona: "É verdade que antes de se tornar monge você foi músico?" e Sona respondeu que sim. O Buda então perguntou:
 
-          O que acontece quando as cordas do instrumento estão frouxas?
-          Quando tocamos a corda, não sai som algum - respondeu Sona.
-          E o que acontece quando a corda está esticada em demasia?
-          Ela rebenta.
-          A prática do caminho é a mesma coisa - disse o Buda. – Cuide de sua saúde. Tenha alegria. Não se force a fazer nada de que não seja capaz.
 
Precisamos ter consciência de nossos limites psicológicos e físicos. Não devemos nos forçar a práticas de ascetismo nem tampouco devemos nos perder nos prazeres dos sentidos. O Esforço Correto está no Caminho do Meio, entre os dois extremos da austeridade e da indulgência sensual.
 
O ensinamento dos Sete Fatores do Despertar também é parte da prática do Esforço Correto. A alegria é um dos Fatores do Despertar, e fica bem no âmago do Esforço Correto. O bem-estar, outro Fator do Despertar, também é essencial ao Esforço Correto. Na verdade, não apenas o Esforço Correto mas também a Atenção Plena Correta e a Concentração Correta necessitam de alegria e bem-estar para poderem se desenvolver. O Esforço Correto não implica nos forçarmos a coisa alguma. Se temos alegria, bem-estar e interesse, nosso esforço será exercido naturalmente. Quando ouvirmos o sino chamando para a meditação, teremos energia para participar dela, porque para nós a meditação é alegre e interessante. Se não tivermos energia para praticar a meditação andando nem a meditação sentada, é porque estas práticas não nos trazem alegria nem nos transformam, ou porque ainda não conseguimos enxergar seus benefícios.
 
Quando eu declarei meu desejo de me tornar um monge noviço, minha família achou que a vida monástica seria difícil demais para mim. Mas estava convicto de que só assim seria feliz, por isso insisti. Quando me tornei de fato um noviço, sentia-me tão livre e feliz quanto os pássaros no céu. Na hora de cantar os sutras, parecia que eu fora convidado para um concerto. Algumas vezes, em noites de luar, quando os monges cantavam sutras ao redor do lago, eu me imaginava no paraíso ouvindo o canto dos anjos. Quando não podia comparecer ao canto matinal por ter obrigações a cumprir, o simples fato de poder ouvir o Shurangama Sutra ecoando no Salão do Buda já era suficiente para me fazer feliz. Todos nós no Tu Hieu Pagoda praticávamos com interesse, alegria e diligência. Não havia nenhum esforço forçado, apenas amor e apoio mútuos, tanto da parte do nosso mestre quanto dos irmãos de prática.
 
Em Plum Village as crianças participam das meditações sentadas e das meditações andando, e também das refeições silenciosas. No início elas fazem isso apenas para ficarem perto dos amigos que já estão participando, mas depois que experimentam a paz e a alegria proporcionadas pela meditação elas continuam por conta própria, porque gostaram. É comum que adultos precisem de quatro a cinco anos praticando a forma exterior antes de conseguirem experimentar a alegria interior proporcionada por esta prática. Mestre Guishan disse: "O tempo corre como uma flecha. Se não vivermos em profundidade, desperdiçaremos nossa vida." Alguém que consegue dedicar sua vida à prática e que tem a oportunidade de conviver com um mestre e com amigos que praticam, é alguém que desfruta de uma maravilhosa oportunidade, capaz de lhe proporcionar muita felicidade. Se não tivermos o Esforço Correto, é porque ainda não encontramos a forma de praticar adequada para nós, ou então porque ainda não sentimos necessidade de praticar intensamente. Uma vida vivida consciente é uma coisa maravilhosa.
 
Ao acordar hoje de manhã eu sorri:
Vinte e quatro horas, novinhas em folha, ao meu dispor.
Tenho a firme intenção de viver plenamente cada momento de meu dia,
e olhar para todos os seres com os olhos da compaixão.
 
Ao recitar esse verso, estamos armazenando energia para viver nosso dia com sabedoria. Vinte e quatro horas são um tesouro pleno de possibilidades. Se desperdiçarmos estas horas, estamos desperdiçando nossa vida. A prática correta é sorrir tão logo despertamos, reconhecendo esse novo dia como mais uma oportunidade para praticar. É nossa responsabilidade não desperdiçar nenhuma oportunidade. Quando contemplamos todos os seres com um olhar de amor e compaixão, ficamos felizes. Com a energia da atenção plena, varrer o chão, lavar os pratos ou meditar andando são coisas extremamente preciosas.
 
O sofrimento costuma nos conduzir à prática. Quando estamos ansiosos ou tristes, ao constatarmos que as práticas nos aliviam, desejamos praticar mais para nos sentirmos melhor. É preciso muita energia para contemplar o sofrimento e investigar suas causas, mas é esta compreensão que nos diz como colocar um ponto final no sofrimento e qual o caminho necessário para conseguir isso. Quando somos capazes de acolher o sofrimento, compreendemos suas origens, e vemos que é possível pôr um fim nele, porque existe um caminho para se fazer isto. Nossa dor está no centro de tudo. Quando olhamos para o esterco, enxergamos as flores. Quando olhamos para um mar de fogo, vemos um lótus. O caminho que não foge de nós mas que, ao contrário, recebe a nossa dor, é o caminho que nos conduz à libertação.
 
Nem sempre é necessário lidar diretamente com o sofrimento. Às vezes podemos permitir que ele permaneça adormecido em nossa consciência armazenadora, usando essa oportunidade para, através da atenção plena, entrar em contato com os elementos curadores e renovadores que existem em nós e ao nosso redor. Eles se encarregarão de tomar conta da dor, como anticorpos lutando contra elementos estranhos que penetraram na corrente sangüínea. Quando sementes não-sadias começam a crescer, temos que fazer algo a respeito, mas caso permaneçam adormecidas, temos que ajudá-las a continuar dormindo pacificamente, para serem transformadas na base.
 
Com a Compreensão Correta, enxergamos o caminho a ser seguido, e isso nos confere fé e energia. Se nos sentirmos bem depois de praticar por uma hora a meditação andando, teremos a convicção necessária para continuar praticando. Ao vermos como este tipo de meditação traz paz para as outras pessoas, nós também teremos mais fé nessa prática. Com paciência, descobriremos as alegrias que a vida nos oferece, e teremos mais energia, interesse e diligência.
 
A prática do viver consciente deve ser alegre e prazerosa. Se você inspira e expira com alegria e paz, isto é o Esforço Correto. Se você se reprime, ou se não gosta da prática, provavelmente não está praticando o Esforço Correto. Examine sua forma de praticar. Veja o que lhe proporciona paz e felicidade em todas as ocasiões. Tente passar algum tempo numa Sangha, onde irmãos e irmãs estão criando um campo de energia consciente capaz de tornar a sua prática mais fácil. Trabalhe com um mestre e com os amigos, visando transformar seu sofrimento em compaixão, paz e compreensão, fazendo isso de uma forma alegre e fácil. Isto é Esforço Correto.
 
(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)
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