quinta-feira, 16 de abril de 2015

Os Seis Mantras

Os seis mantras são uma prática importante do discurso amoroso e são fáceis de praticar. Durante os retiros de família, as crianças sempre aprendem a praticar os seis mantras e fazem belas caligrafias deles. Um mantra é uma fórmula mágica que tem o poder, quando recitado com concentração e discernimento, para mudar uma situação. Muitas vezes mantras são recitados em sânscrito e nós nem sempre entendemos o seu significado. Mas os seis mantras podem ser traduzidos em qualquer idioma e podemos compreender o seu significado imediatamente. Às vezes dizemos os mantras em voz alta para a outra pessoa ouvir e às vezes nós os dizemos em voz baixa para nós mesmos. Você também pode refrasear os mantras para atender às suas próprias necessidades.

1. Eu estou aqui para você

Às vezes nós nos escondemos no noticiário na hora do café da manhã. Às vezes, estamos perdidos em nossos pensamentos e nossos planos. Estamos dirigindo o nosso carro e a nossa pessoa amada está sentada ao nosso lado, mas nos esquecemos dela. Ela pode se sentir ignorada enquanto estamos perdidos em algum projeto, ansiedade ou arrependimento. Às vezes, estamos comendo uma refeição e não sabemos mesmo quem está sentado ao nosso lado. Nossa pessoa amada está presente fisicamente, mas é como se ela não estivesse realmente lá. Você poderia perguntar à pessoa que parece estar perdida em seu pensamento: "Querida, tem alguém em casa?" Se você tiver sorte ela vai voltar para si mesma e dizer: "Querido, eu estou aqui para você." Ela não só vai estar dizendo as palavras, ela vai realmente estar presente e vocês podem ambos serem felizes juntos. Para amar alguém você precisa estar presente cem por cento. O mantra "Eu estou aqui para você", diz muito em poucas palavras. Ele diz que eu me preocupo com você, eu gosto de estar na sua presença e isso ajuda a outra pessoa a sentir-se apoiada e feliz.

2. Eu sei que você está aí e eu estou muito feliz

Às vezes nos esquecemos sobre a impermanência. Nós pensamos que a outra pessoa estará conosco para sempre e esquecemos quão preciosa sua presença é neste momento. As pessoas que estão morrendo muitas vezes lamentam que não passaram tempo suficiente com seus entes queridos e não expressaram seus sentimentos a eles. Uma vez que se está realmente presente para a outra pessoa, esta torna-se algo muito real. O objeto de nossa consciência pode ser não apenas uma pessoa, poderia ser uma árvore ou a lua. Quando a outra pessoa é real, ela é uma manifestação maravilhosa da vida e precisamos deixá-la saber disso, para a sua felicidade e para a nossa. Significa: "Mãe, eu estou tão feliz que você está viva e perto de mim neste momento", ou, "Meu filho, como é maravilhoso ter um filho suave, amoroso como você."

3. Eu sinto a sua dor e eu estou aqui para você

Podemos ter dito ou feito algo que machucou uma outra pessoa. Se eu machuquei alguém, quero saber sobre como ele se sente. Mas eu não espero que ele seja capaz de falar sobre isso imediatamente. Ele ainda pode estar muito machucado. Mas eu quero que a outra pessoa saiba que eu sou sensível a sua dor e que estou pronto para apenas sentar, respirar e estar com ela. Depois de sentar-se calmamente juntos por um tempo, você pode querer convidar a outra pessoa para um passeio suave na natureza para reviver e refrescar a alegria de estar vivo.

4. Eu sofro, por favor me ajude

Por vezes, este mantra é o mais difícil de praticar. É preciso humildade para admitir que você foi ferido e precisa de ajuda; há o medo da rejeição. Ainda assim, temos que deixar nossos entes queridos saberem quando eles nos feriram, caso contrário, a dor pode tornar-se tão grande que temos que nos separar um do outro. Este mantra poderia dizer: "Por favor, esteja presente para ouvir o que eu experimentei, o que me machucou e me explique por que você disse ou fez isso. É muito possível que eu esteja sofrendo por causa de uma percepção errada. Mas só você pode esclarecer esta percepção errada para mim "

5. Este é um momento feliz

Este mantra pode ser praticado em um momento em que você acabou de se sentar para uma refeição junto com pessoas queridas e alguém pode perguntar: "Que tipo de momento é este?" E alguém pode responder:" Este é um momento feliz " Nós temos a tendência de esquecer a felicidade que está disponível a qualquer momento e podemos lembrar essa felicidade ao dizer este mantra

6. Você está parcialmente certo

Este mantra ajuda-nos a não cair em complexos de inferioridade e superioridade. Às vezes você recebe uma grande quantidade de elogios. Você realmente precisa ser elogiado de vez em quando, mas tem que ter cuidado para não se tornar muito orgulhoso por causa do louvor. Então, você diz para si mesmo ou em voz alta: "Você está parcialmente certo." Isso significa: "Sim, eu tenho esse dom, esse talento, mas não é só meu; ele tem sido transmitido a mim por meus antepassados. E todos têm talentos e dons de algum tipo."

Às vezes você é criticado. Você precisa de uma certa quantidade de críticas, a fim de fazer progressos, mas é importante não ser pego na crítica e tornar-se paralisado por ela. Você pode dizer o mantra para si mesmo ou em voz alta. Isso significa que: "Sim, eu manifesto essa característica infeliz às vezes, mas eu sou muito mais do que isso. Isso é algo que eu recebi de meus ancestrais e estou no processo de transformação para eles e para mim."

(Do livro “The mindfulness survival kit”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ouvindo as Ondas

Quando cheguei a Plum Village, não podia reconhecer a intensidade de um sentimento até que ele estivesse no seu máximo. Neste tempo eu dificilmente poderia respirar quando as ondas quebrassem.

Comumente reconhecemos uma onda apenas quando está no seu pico ou na descendente. Mas uma onda não começa no seu pico ou no vale. Uma onda começa milhas antes, bem abaixo da superfície do oceano. Quando ela tem momento e força suficientes, vem para a superfície, chega a seu máximo, quebra e então é seguida por outra onda.

Era assim para mim naquelas horas que eu sentava desabafando com a irmã Thoai Nghiem. Eu estava experimentando uma onda depois da outra, e elas continuavam a quebrar, me sufocando e me forçando a reconhecê-las. Muitos de nós experimentamos isso em nossas vidas, uma onda de tristeza, uma de raiva, uma de paixão ou uma onda de ciúme. Há muitas ondas que atravessamos nas nossas vidas diárias, momento a momento – uma onda de percepção, uma de julgamento ou uma onda de pensamento. Elas todas se formam, pequenas e grandes, uma depois da outra e algumas quebram com força incrível, tal como a morte de uma pessoa amada, o fim de um relacionamento ou nossa própria morte iminente, nossa onda final.

(...)Sentimentos fortes surgem quando estamos doentes – mesmo quando é um resfriado, um ferimento pequeno ou uma doença crônica – podemos sentir insegurança, medo, rejeição, solidão e auto-depreciação. Com consciência dessas ondas, podemos ficar presentes para elas e transformá-las. Se não aprendermos a cuidar delas, se apenas ficarmos inconscientes com remédios ou entretenimento, então quando ficarmos doentes e perto da onda final, estas coisas que não tomamos cuidado surgirão e a mente pode se perder, porque não pode reprimir ou aguentar mais essas coisas.

Eu pratico o reconhecimento da onda quando ela desce, de forma que não serei como uma pessoa bêbada que diz “Eu não estou bêbado!” ou uma pessoa raivosa que grita “Eu não estou com raiva!” Eu estou aprendendo cada vez mais a estar consciente dos resultados das ondas e do pico. Gradualmente, estou aprendendo a ficar consciente da onda antes que ela atinja seu pico. E aprendendo também a ficar consciente dela até mesmo antes que ela se manifeste no oceano – quando a onda ainda está nas profundezas da água, milhas e milhas atrás, quando se iniciou como um pensamento ou um sentimento - e quando ela começa a subir disparada por uma imagem ou som. É claro, eu também estou aprendendo a apreciar que uma onda não termina quando desaparece da superfície, mas continuará nas profundezas de forma a formar outra onda.

Na tradição budista há três estágios no caminho da prática, chamado Escuta, Reflexão e Prática. O primeiro estágio, Escuta, vem das condições que existiam no tempo do Buda quando não havia rádio, TV, DVD ou internet. Os monges e monjas ouviam diretamente os ensinamentos do Buda, chamados de palestras de Dharma. (...) Tendo ouvido, eles refletiam posteriormente e então praticavam os ensinamentos.

Não recebemos informações apenas pela escuta. Nos tempos modernos, especialmente quando estamos fora do monastério, nossos seis órgãos dos sentidos são constantemente bombardeados com estímulos. Nossos olhos recebem imagens dos filmes e da TV, dos anúncios que vemos e das revistas. Nossos ouvidos absorvem sons ao ouvir o rádio, músicas e conversas. Nosso nariz é bombardeado com fragrâncias. Nossa língua é exposta a comida, nutrientes e também tóxicas. Nosso corpo experimenta o toque e outras sensações. Finalmente nossa consciência mental tem a capacidade de estar consciente dos outros cinco sentidos enquanto eles recebem estímulos do ambiente. Nossa mente em si mesma também percebe, reflete e gera pensamentos.

Através desses seis órgãos dos sentidos, recebemos muitas informações e isto cria as correntes subjacentes da nossa consciência, como as correntes muito abaixo da superfície do oceano. Dia e noite, momento a momento, os estímulos vem. A prática é se tornar mais consciente desses estímulos iniciais e dos estímulos que continuam acontecendo.

Se pudermos estar conscientes no momento que o estímulo está em contato com nossos sentidos – o momento em que vemos algo na rua, ouvimos o telefone tocar ou vemos algo acontecer – podemos respirar calmamente e as percepções podem eventualmente não se formar. Mesmo se o corpo experimenta “excitação” ou “agitação”, nossa plena atenção da respiração pode manter um padrão de respiração calma ou ao menos reduzir a sua frequência.

Podemos perguntar a nós mesmos: “O que é isto que estou colocando para dentro de minha consciência? O que é isto que percebi? Como estou reagindo a esta situação? Ou podemos simplesmente reconhecer que: “Meu corpo está tenso agora. Não sei por que, mas me sinto chocado. Não posso respirar. Minha voz parece mais aguda.” Estes são sinais corporais que nos ajudam a chamar um sentimento pelo seu nome verdadeiro ou ficar consciente: “Há um sentimento aqui” ou simplesmente que “há algo acontecendo aqui”. Somente isto já é despertar. Isto é o que chamamos “plena atenção”.

Aprender a prática em Plum Village teve muita sinergia com o que aprendi na escola médica sobre como o cérebro captura informação e nos provê de percepção. Por exemplo, vemos algo e temos a percepção  que é uma cobra. A percepção leva a um sentimento de medo. Este sentimento é registrado na área límbica, que por sua vez libera os hormônios das emoções. Neurotransmissores liberados de diferentes áreas do cérebro induzem a respostas fisiológicas tais como o aumento das batidas do coração e da respiração, a contração dos músculos esqueléticos, a dilatação da pupila e a diminuição das funções gastro-intestinais. Esta é a resposta de stress que as pessoas chamam de resposta “luta ou fuga”. Muitos de nós experimentamos essa resposta de stress muitas vezes por dia.

Nossas percepções sensoriais são como um trilho. Quando passamos uma vez, uma suave linha é marcada. Ela pode desaparecer se não a usarmos novamente. Contudo, se viajarmos por ela frequentemente, se tornará uma trilha, uma rua e então uma estrada. Quando experimentamos uma emoção repetidas vezes, ela se torna um hábito. Quando o caminho neural fica bem estabelecido, apenas um simples olhar ou som são necessários para nós imediatamente termos a percepção de perigo, ódio ou irritação. Imediatamente temos uma resposta fisiológica. Talvez não seja uma cobra na estrada, mas apenas um pedaço de corda. Ainda assim iremos passar por toda essa experiência dolorosa!

Nossos sentimentos por outras pessoas seguem o mesmo caminho. Quando não gostamos ou estamos irritados com alguém, apenas a visão ou o som daquela pessoa podem disparar a resposta de stress. Nossos sentimentos podem se tornar tóxicos para nós. A outra pessoa pode nem mesmo saber o que está acontecendo. Ainda assim os compostos químicos liberados na nossa corrente sanguínea podem trazer a resposta de stress ao nosso próprio corpo. Isto é escrito repetidas vezes na nossa memória remota.

Deste modo, um pequeno desagrado pode se tornar ódio ou outra emoção forte. Podemos pensar sobre aquela pessoa dia e noite. Este objeto da nossa mente pode ser alguém que estamos atraídos ou que não gostamos. Pode ser uma situação passada ou uma antecipação do futuro. Deste modo, nosso sofrimento pode também ser ensaiado, fortificado e firmemente estabelecido em nós. A depressão pode ter se estabelecido como um circuito neural forte no nosso cérebro assim como tendências suicidas. Portanto, podemos até dizer que não queremos sofrer, mas de fato, podemos muito bem estar viciados no sofrimento, psicologicamente e fisiologicamente.
                                              
Muitos de nós pensamos que florescemos nas ondas da paixão e da excitação. Quando a onda vem, ela quebra e quebramos com ela. Nós nos tornamos a onda. Nós somos a onda. Pensamos que sem estas ondas despontando e quebrando estaremos entediados! Defendemos a raiva e dizemos que ela nos dá energia. Eu costumava acreditar que a depressão era necessária para escrever grandes poesias! Defendemos esta ideia porque não conhecemos nada melhor que as ondas. Por toda nossa vida atravessamos de uma onda para a outra, e acreditamos que apenas as ondas existem.

Mas abaixo das ondas há um imenso oceano que podemos nunca ter explorado. Acima das ondas há o espaço infinito. Em alguns momentos, enquanto sentamos quietamente, ouvindo nossa respiração ou sorrindo para uma flor, podemos tocar a imensidão do espaço – que significa não subir e descer, não investir e quebrar repetidas vezes, e significa ser estável e parado. É claro que não cessamos de ter percepções e sentimentos. Eles podem estar presentes, mas não nos tornamos eles. Nós podemos reconhecê-los enquanto estivermos no chão e não na onda.

Lembro de uma noite quando estava com minhas irmãs monásticas na mesa de jantar com o nosso professor. Todos estavam comendo menos eu. Eu estava quietamente chorando. Thay e as outras irmãs continuaram a comer quietamente e pacificamente. Depois da refeição, enquanto outras ajudavam a limpar a mesa, Thay sinalizou para que eu o seguisse. Andamos para a sala de meditação que era perto da sala de jantar. O carpete da sala de meditação era creme claro, macio e espesso. Thay começou a andar pela sala muito devagar. Enquanto eu andava, fiquei consciente da minha respiração e das sensações do corpo. Isto foi o suficiente para acalmar a onda de sofrimento que eu tinha experimentado na mesa de jantar.

Eu estava andando atrás de meu professor. Thay andava sempre muito devagar e depois de um tempo, vi que havia inúmeras pegadas. Percebi que não podia dizer quais eram dele e quais eram minhas. Não havia nem começo nem fim. É assim também com o sofrimento. O sofrimento não tem começo nem fim. Não tem uma causa única. Foi transmitido para nós pelos nossos ancestrais, pelos nossos pais, pelo nosso ambiente e pelo modo como vivemos os últimos anos. Paz, estabilidade e liberdade também funcionam da mesma maneira. Não tem começo nem fim e não tem uma causa única. Podemos escolher o caminho do sofrimento, sendo jogados de onda a onda, ou podemos pegar o caminho da liberdade nos treinando a cada momento, dia a dia. Literalmente passo a passo, respiração a respiração.

(Do livro “Healing”– Sister Dang Nghiem)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)