quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Meditação e Consciência

Existem muitos níveis de consciência, os níveis mais baixos, brutais, animalescos, e instintivos, e os mais elevados. Infelizmente, hoje em dia, muitos de nós vivemos nestes níveis mais baixos de consciência. Estes estados são muito populares em filmes, onde a violência e os desejos mais inferiores são cultivados.

Acima deste estado da consciência vem o próximo nível que é das opiniões e crenças. Este é o nível mais comum das pessoas hoje em dia. A maioria das pessoas vai viver uma vida inteira oscilando entre estes dois estágios de consciência. Então, entre estes dois níveis, nós desenvolvemos nossa religião, nossa cultura, todas nossas ideias, e nossa ideia de “Ser”. Estes dois estágios são alimentados pela mente sensorial, pelos nossos conceitos sobre as sensações e pelas experiências que nós vivenciamos durante a vida. É uma variação de consciência muito limitada.

A consciência dorme enquanto descansamos o corpo e dorme também enquanto estamos acordados. Nós vemos isto em nossas vidas agora, enquanto muitas pessoas vivem como que por instinto, tentando satisfazer seus desejos instintivos, e sendo arrastadas pelo medo. Esta é sua única motivação na vida, são arrastadas pela insegurança, sentem medo, como se fossem perder tudo e ficar sem dinheiro por exemplo. Esto é instintivo e mecânico, e muitas pessoas vivem neste estado de inconsciência completamente apavoradas.

Algumas outras vivem suas vidas inteiramente no mundo da mente, entre ideias e conceitos, e para elas este ensinamento é apenas outro conceito, apenas mais uma ideia. Para elas este ensinamento torna mais um pouco de lixo mental.

Quando aprendemos a prestar atenção de forma prática e direta, a cada momento do nosso dia nos forçando a nos separarmos dos conceitos, crenças, ideias, emoções e sensações, podemos mudar tudo isto.

Precisamos nos forçar a estarmos conscientes. Fazemos isto aprendendo a estar atentos, a nos auto observarmos. Percebemos os três cérebros (mente, coração e corpo), mas vemos que não somos eles, aprendemos a nos separarmos deles. Nós observamos nossos pensamentos, observamos nossos sentimentos, e observamos nossas ações, mas sempre temos um senso de separação interna destes elementos. Este esforço precisa ser consistente, persistente e contínuo. Quando se torna contínuo, pode se tornar consciente. A contínua auto-observação enquanto também se percebe o Ser Interior, significa que eu estou presente, eu observo e simultaneamente estou ciente do Ser que está além dos cinco sentidos em mim. Eu estou consciente de tudo que estou fazendo.


Isto não tem nada a ver com uma ideia ou conceito. Não tem nada a ver com uma crença. Nem com se sentir bem ou se sentir mal, parecer bom ou ruim. Isto é pura consciência, pura plena atenção, só isso.

A atenção consciente está além de quem nós pensamos que somos, de quem queremos ser, de quem queremos que as pessoas pensem que somos. Está além de tudo isto. E ninguém pode fazer isto por nós, ninguém!

Se conseguirmos estabelecer uma continuidade de atenção consciente, então nós entramos no próximo nível de consciência – o Terceiro Nível de Consciência. Isto significa que somos capazes de nos observar com os três cérebros, como se o corpo fosse um ator e interiormente tivéssemos um diretor. O diretor é nossa consciência que está diretamente conectada com nossa Divindade Interior. É esta parte em nós que deveria estar tomando as decisões e que realmente sabe distinguir o bom e o ruim.

Se estabelecer no Terceiro Nível, é ter lembrança contínua de Deus, nosso Ser Interior, nosso Pai Interior, cuja presença está em nós pela contínua e ativa direção de nossa atenção consciente. Quando a mente está dominando nossas ações, nos prendemos em desejos, não ouvimos e ignoramos nossa consciência.

Aprender a meditar é aprender como tornar esta voz interior mais forte, tornar a consciência mais forte para que seja ela que controle o show e não mais a mente, não mais os desejos, mas sim uma parte superior que existe em nós.

Nos estabelecermos no Terceiro Nível de Consciência nos traz mudanças radicais, porque é a partir deste ponto que começamos a renunciar qualquer coisa que esteja abaixo disto, renunciamos as coisas que pertencem aos níveis mais inferiores de consciência. Se tivermos opiniões e crenças baseadas em orgulho e medo, se tivermos comportamentos instintivos baseados em orgulho e medo, vícios e todos os tipos de problemas, nós começamos a mudar e renunciar estas coisas. Fazemos uma revisão de nossos valores.

Meditação é a função da consciência. A consciência é atenção. Shamatha é a Mente Calma que resulta do direcionamento da atenção, é a auto observação. Tudo depende de desenvolver a atenção, tudo.

Se você realmente quer aprender isto, aprenda a meditar durante todo o dia. Aprenda a nunca estar distraído. Existem algumas maneiras de fazer isto. Nunca faça mais de uma coisa por vez até que você aprenda a fazê-la conscientemente. Muitas pessoas não gostam disto. Significa que você não deve comer um hamburguer enquanto dirige o carro, ou falar ao telefone e ouvir rádio ao mesmo tempo. Isto significa que não devemos trabalhar no computador e ver TV ao mesmo tempo, porque agindo assim dispersamos nossa atenção para muitas coisas impedindo a concentração. Temos que reconhecer os comportamentos que criam obstáculos para a meditação.

Temos que aprender a focar nossa atenção em apenas uma coisa por vez. Faça uma coisa e a faça inteiramente focado. Muitas pessoas pensam que isto vai deixar o seu trabalho mais lento e que vão fazer menos coisas por dia, mas a verdade é o oposto disto. Vamos fazer melhor e mais rápido aquela atividade que estamos fazendo.

Se quiser aprender a meditar, você tem que mudar seus hábitos do dia a dia. Encontre as coisas que te mantém distraído e mude-as. Se você quer enxergar o seu verdadeira “Ser”, pare de se distrair. Nós lemos estórias imundas, vemos bobagens na TV, falamos muito ao telefone, fofocamos, vamos ao shopping muitas vezes para gastar um dinheiro que não temos para comprar coisas que não precisamos, e todas estas coisas são distrações que nos ajudam a evitar a verdade. Não digo que precisamos não fazer nunca mais estas coisas, mas sim que a próxima vez que formos ao shopping por exemplo, nís iremos com plena atenção, conscientes do que estaremos fazendo.

Então, desenvolver a concentração é uma preliminar a meditação. O objetivo é desenvolver uma concentração estável e atenta durante todo o dia, e quando sentarmos para meditar poderemos desenvolver a Shamatha (concentração plena). A razão para desenvolver a Shamatha é aprender a meditar. A prática da concentração e a prática dos mantras, são preliminares. A real meditação é uma forma de obter informação.

Com a concentração correta o insight eventualmente vai surgir nos dando o poder de perceber e penetrar no Ser Superior ou na Suprema Sabedoria que está em todos nós, removendo a ilusão e modificando nossa mente, nos elevando assim a Quarto Nível de Consciência. Este é o nível do Samadhi, e para estar neste nível, a pessoa precisa ser um Ser muito desenvolvido espiritualmente, muito puro, e até chegarmos lá, poderemos experimentar este estado de graça de tempos em tempos, conforme vamos evoluindo e nos separando completamente do “Eu”.

Qualquer pessoa que esteja tentando aprender a meditar, mas não esteja aprendendo a se auto observar durante todos os momentos, dia e noite, vai gastar anos nesta tentativa e vai se frustrar. Meditação é apenas uma auto observação mais profunda. Só isto! É mais profunda e mais focada. Sem auto observação não pode haver meditação. Haverá apenas fantasias mentais, e isto não é meditação.

Uma vez que estas coisas sejam entendidas e comecemos a trabalhar com a consciência para aprender a mudar, para parar de agir mecanicamente, para mudar nossa raiva e nossos hábitos negativos, e começar a eliminar coisas que são irrelevantes em nossas vidas, aí sim, começaremos realmente a aprender a meditar. Começaremos a ver a verdade sobre a consciência. Isto significa que teremos que ter coragem suficiente para enfrentar nossas ilusões, nossos enganos, nosso desejo inconsciente de permanecer ignorantes, ignorando a verdade sobre nosso “ser”, nossa mente, quem eu sou, como me comporto, o que faço, e o que desejo. Você não pode mais evitar enfrentamentos internos se quiser entender o que é meditação.

Meditação é mudança. É mudar a nós mesmos para nos tornarmos uma pessoa melhor.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Momento de Gratidão

Existem momentos em que sentimos gratidão pela pessoa que compartilha a nossa vida. Apreciamos profundamente a presença dela. Ficamos cheios de compaixão, gratidão e amor. Todos já tivemos momentos assim na vida. Nós nos sentimos gratos pela outra pessoa estar viva e ter estado ao nosso lado durante momentos muito difíceis. Sugiro que, quando sentir isso de novo, você usufrua esse momento.

Para realmente se beneficiar, retire-se para um lugar onde você possa se isolar. Vá para o seu quarto ou para um local tranquilo e mergulhe nesse sentimento de gratidão. Coloque então no papel seus sentimentos, sua gratidão, sua felicidade. Em meia ou uma página, expresse da melhor maneira o que está sentindo, ou grave numa fita, e guarde em seguida.

Esse momento de gratidão é um instante de iluminação, de plena consciência, de inteligência. É  uma  manifestação  que  vem  das  profundezas  da  sua  consciência.  Você  possui  essa compreensão dentro de si. Mas, quando você se zanga, sua gratidão e seu amor simplesmente parecem não estar presentes. Você se sente como se eles nunca tivessem existido e é por isso que precisa escrevê-los num papel ou gravá-los numa fita e guardá-los em segurança. De vezem quando, leia ou ouça novamente o que você expressou.

O Sutra do Coração, uma escritura que é entoada diariamente por muitos budistas, é a essência dos ensinamentos do Buda sobre a sabedoria. O que você escreveu é um Sutra do Coração porque ele saiu do seu coração. Ele é o seu Sutra do Coração.

Todos podemos aprender alguma coisa com a história da mulher que foi salva pelas cartas de amor que ela guardava numa caixa de biscoitos. Essas cartas saídas do coração foram a sua salvação. Seu salvador não veio de fora, veio de dentro. Você tem a capacidade de amar a outra pessoa, de sentir gratidão. Isso é uma bênção. Você sabe que tem a sorte de possuir um companheiro,  de ter a pessoa que você ama na sua vida. Por que deixar essa verdade ir embora? Ela está no seu coração. Entoe então seu Sutra do Coração todos os dias. Todas as vezes que você entra em contato com o amor e o apreço que existem em você, sinta de novo a gratidão e volte a valorizar a presença da outra pessoa.

Precisamos estar sozinhos para poder valorizar totalmente a presença da outra pessoa. Se estamos sempre juntos, nós nos habituamos à presença dela e nos esquecemos de apreciar sua beleza e sua bondade. Por isso, afaste-se de vez em quando por três ou sete dias. Afaste-se um pouco da pessoa para poder apreciá-la mais. Embora esteja fisicamente longe dela ela se torna mais  real  para você,  mais  concreta  do que,  quando vocês  estão constantemente juntos. Durante o período em que estiverem separados, você se lembrará do que ela tem de essencial e como é importante e preciosa para você.

Escreva ou crie então o seu próprio Sutra do Coração, ou mais de um, e conserve-o num lugar sagrado.  Procure  entoá-lo  com frequência,  porque,  se  a  raiva  vier  e  você  não  conseguir abraçá-la,  seu Sutra  do Coração será extremamente útil.  Pegue o papel  no qual  ele  está escrito,  inspire e expire profundamente e leia o Sutra.  Você começará imediatamente a se voltar para dentro de si mesmo e sofrerá muito menos. Quando ler seu Sutra do Coração, você saberá o que fazer e como reagir. Pode ser que neste momento, enquanto lê minha sugestão,você esteja achando complicado fazer isso. Mas é extremamente simples: deixe fluir o que está no seu coração num momento de gratidão e amor. Registre e guarde. Você vai descobrir o enorme benefício que esta prática trará.

Você ainda está na margem do sofrimento e da raiva. Por que não deixa essa margem e vai para a outra -  a margem da ausência da raiva,  da paz e da libertação? Ela é muito mais agradável. Por que você precisa passar várias horas, uma noite ou até mesmo dias sofrendo por causa da raiva? Existe um barco no qual você pode atravessar rapidamente para a outra margem. Esse barco é a prática de nos voltarmos para nós mesmos, para podermos examinar profundamente  nosso  sofrimento,  raiva  e depressão  e  sorrir  para  eles.  Ao  fazer  isso, dominamos nossa dor e atravessamos para a outra margem.

Não permaneça na margem em que você continua a ser vítima da raiva. A ausência da raiva está  presente  em você,  ela  é  possível.  Então,  simplesmente  atravesse  o rio  e  vá  para  a margem da ausência da raiva. É um lugar tranquilo, agradável e refrescante. Não se deixe tiranizar pela raiva. Livre-se, liberte-se. Atravesse com a ajuda de um mestre, de outros amigos que se dedicam à prática, e da sua própria prática. Conte com esses barcos para atravessar o rio e chegar ao outro lado.

Neste momento você pode estar na margem da confusão, da raiva ou da dúvida. Não fique aí,vá para o outro lado. Com sua prática de andar e respirar, sua prática de realizar um exame profundo e de entoar seu Sutra do Coração, você fará rapidamente a travessia. Talvez em poucos minutos.  Você tem o direito de ser  feliz.  Você tem o direito de sentir  compaixão e carinho.  A semente do despertar  está  em você. Através da prática, você pode transformar imediatamente essa semente numa flor. Você pode acabar com o seu sofrimento, porque a eficácia do dharma é imediata. É mais rápida do que aspirina.

Há ocasiões em que estamos zangados com alguém e tentamos fazer tudo que é possível para transformar nossa raiva, mas nada parece funcionar. Neste caso, o Buda propõe que demos um presente à outra pessoa. Parece infantil, mas é uma atitude extremamente eficaz. Estamos com  raiva dela, queremos magoá-la. Dar um presente a essa pessoa transforma esse sentimento na vontade de fazê-la feliz. Assim, quando você se zangar com uma pessoa, mande um presente para ela. Depois de o enviar, você deixará de sentir  raiva. É muito simples e sempre dá certo.

Mas não espere sentir  raiva para comprar  o presente.  Quando você sentir  muita  gratidão,quando sentir que ama muito a pessoa, compre imediatamente um presente. Mas não o  envie.Guarde-o. Você pode ter dois ou três presentes guardados em segredo na gaveta. Um dia,quando você se zangar, pegue um deles e mande entregar. Isso é extremamente eficaz. O Buda era muito esperto.

Quando você sente raiva, quer diminuir seu sofrimento. Esta é uma tendência natural. Existem muitas maneiras de sentir alívio, mas o maior alívio provém do entendimento. Quando existe a compreensão, a raiva irá embora por si mesma. Quando você entende a situação da outra pessoa, quando você compreende a natureza do sofrimento, a raiva desaparece, porque se transforma em compaixão.

O exame profundo é o remédio mais recomendado para a raiva. Se você parar e se dedicar a entender, você compreenderá as dificuldades da outra pessoa e o desejo mais profundo que ela  nunca  conseguiu  realizar.  Então,  você  sentirá  a  compaixão  surgir  em  você,  e  este sentimento, como já disse, é o antídoto da raiva. Se você deixar que a compaixão emane do seu coração, a chama da raiva se apagará imediatamente.

Quase todo o nosso sofrimento nasce porque nos vemos como seres separados. Se compreendermos que não existe separação, que a outra pessoa é você e você é a outra pessoa, a raiva desaparecerá.  

(Do livro “Aprendendo a lidar com a raiva” – Thich Nhat Hanh)