segunda-feira, 21 de novembro de 2016

As Cinco Consciências no Casamento

Em Plum Village, toda vez que há um casamento, a comunidade inteira celebra a união e leva seu apoio aos noivos. Depois da cerimônia, a cada lua cheia, o casal recita as Cinco Consciências juntos, relembrando que amigos de toda parte apoiam seu relacionamento. Seja a união firmada ou não por lei, ela será forte e mais duradoura se tiver sido realizada na presença de uma Sangha - amigos que amam as duas pessoas e as apoiam dentro do espírito da compreensão e do amor.

Antes das duas pessoas se casarem, elas têm que realizar juntas a prática da plena consciência e, tornando-se casados, deverão continuar praticando as Cinco Consciências como manifestação da Plena Consciência:
  • Somos conscientes de que todas as gerações dos nossos ancestrais e da nossa descendência estão presente em nós.
  • Somos conscientes das esperanças que nossos ancestrais, nossos filhos e os filhos de nossos filhos depositam em nós.
  • Somos conscientes de que nossa alegria, nossa paz, nossa liberdade e harmonia, são a alegria, a paz, a liberdade e a harmonia de nossos ancestrais, de nossos filhos e dos filhos de nossos filhos.
  • Somos conscientes de que a compreensão é o próprio fundamento do amor.
  • Somos conscientes de que reclamações e brigas não nos ajudam e fazem apenas crescer o fosso entre nós. É unicamente graças à compreensão, à confiança e ao amor que podemos nos transformar e crescer.
Na primeira consciência nos vemos como um elemento de continuação dos nossos ancestrais e um elo para as gerações futuras. Quando adquirimos essa visão, sabemos que, tratando bem o corpo e a consciência no momento presente, estamos cuidando de todas as gerações passadas e futuras.

A segunda consciência nos lembra que nossos antepassados têm expectativas em relação a nós, assim como nossos filhos e netos. Nossa felicidade é a felicidade deles, e nosso sofrimento é o sofrimento deles também. Observando a fundo, saberemos o que nossos filhos e netos esperam de nós. Pode ser que ainda não os estejamos vendo em pessoa, mas eles já estão conversando conosco. Querem que vivamos de tal modo que não sejam infelizes quando se manifestarem. Os budistas vietnamitas não se veem como indivíduos separados de seus ancestrais e sim como uma continuação que representa todas as gerações anteriores. As ações do casal não visam apenas satisfazer suas necessidades físicas e espirituais como indivíduos. Elas também têm como objetivo concretizar as esperanças e expectativas de seus ancestrais, bem como preparar as futuras gerações.

A terceira consciência nos diz que a alegria, paz, liberdade e harmonia não são questões individuais. Temos que viver de modo que possamos permitir a libertação dos ancestrais que estão dentro de nós, o que significa nos libertar. Se não agirmos assim, ficaremos amarrados por toda a vida e transmitiremos isso aos nossos filhos e netos. Agora é a hora de libertarmos os nossos pais e os ancestrais que estão dentro de nós. Oferecer-lhes alegria, paz, liberdade e harmonia proporciona, ao mesmo tempo, alegria, paz, liberdade e harmonia a nós mesmos, a nossos filhos e nossos netos. Isso reflete o ensinamento da interconexão. Enquanto nossos ancestrais, que estão em nós sofrendo, permanecerem sofrendo, não poderemos ser realmente felizes. Dando um passo com plena consciência, livre e felizes ao tocar a terra, o fazemos por todos - por nossos ancestrais e as gerações futuras. As três primeiras consciências são aspectos de um ensinamento profundo. Temos que continuar a estudá-las e praticá-las para aprofundarmos a nossa compreensão.

A quarta consciência é também um ensinamento básico do Buda. Onde existe compreensão, existe amor. Quando entendemos os sofrimentos de alguém, ficamos motivados a ajudar, e as energias do amor e da compreensão são liberadas. O que quer que façamos com esse espírito será para a felicidade e libertação da pessoa que amamos. Às vezes, porém, destruímos essa pessoa. É como o general americano, quando disse que suas bombas tinham que destruir a cidade de Bem Tre para salvá-la. Precisamos praticar de modo a que tudo o que fizermos para os outros os torne felizes. Vontade de amar não suficiente. Se as pessoas não se entendem é impossível uma amar a outra.

Quando as pessoas se casam, elas formam uma Sangha de dois a fim de praticarem o amor - cuidar uma da outra, fazer o cônjuge florescer como uma flor, tornando a felicidade algo real. A felicidade não é uma questão individual. A pessoa deve procurar sorrir pelo menos uma vez ao dia, não só por ela mesma, mas pela outra também. Tem que praticar a meditação andando, não só pela outra, mas por si mesma também. Estamos ligados a muitos seres e pessoas. Cada passo, cada sorriso tem um efeito sobre todos os que nos rodeiam. Nossa felicidade é a felicidade de outras tantas pessoas.

Olhemos para a árvore do carvalho. Ela parece feliz e a sua felicidade é a felicidade dos pássaros e de todos nós, pois todos nos beneficiamos da sua presença. Se alguém está feliz, nós também estamos. Se alguém não está feliz, nós também não estamos. Praticamos as cinco consciências não só por nós mesmos, mas por todos. Quando uma pessoa pratica a fundo os votos feitos durante a cerimônia do casamento, o mundo inteiro se beneficia. No entanto, para ajudá-la a cumprir seus votos, ela precisa de uma comunidade - o carvalho, a sangha e todos nós.

"Por meio do amor que sinto por você quero expressar meu amor por todo o cosmo, pela humanidade e por todos os seres. Vivendo com você, quero aprender a amar todas as pessoas e todas as espécies. Se eu for bem sucedido(a) em amá-lo(a), serei capaz de amar todas as pessoas e todas as espécies da Terra". Essa é a verdadeira mensagem de amor. Como uma pessoa pode dar grandes passos se ainda não conseguiu dar pequenos passos? Em um, dois ou três anos, este será seu objetivo: promover a paz, a felicidade e a alegria nessa pequena sangha. Ao mesmo tempo, ela vê a sua pequena sangha no contexto da sangha maior. Está praticando com a ajuda de seus mestres, pais, amigos e todos os seres vivos dos reinos vegetal, animal e mineral. "Expresso meu amor pela sangha maior por meio de você. Portanto, devo ser capaz de amar, cuidar e fazer você feliz".

Se você estiver nesse tipo de relacionamento, lembre-se de praticar em meio a uma comunidade. Faça o que for possível para levar felicidade para o ar, para a água, rochas, árvores, pássaros e seres humanos. Se praticar com esse espírito, seu anel de casamento se tornará o anel do interser, da solidariedade, do amor e da compreensão. Viva diariamente de modo a sentir a comunidade presente dentro de você o tempo todo. Sempre que enfrentar dificuldades na vida e no mundo, basta tocar o Buda, o Dharma e a Sangha dentro de seu coração para receber o tipo de energia de que necessita. O mundo precisa que você viva com plena consciência para estar sempre alerta para o que está acontecendo. A união de vocês lhes dá a oportunidade de praticar com mais profundidade, obtendo o apoio necessário.

Temos que aproveitar profundamente cada momento da nossa vida. Se formos capazes de viver profundamente um momento que seja, poderemos aprender a viver todos os outros momentos da mesma maneira. O poeta francês René Char disse: "se você puder vivenciar em profundidade um momento, será capaz de descobrir a eternidade". Cada momento é uma oportunidade de fazermos as pazes com o mundo, de tornarmos a paz e a felicidade possíveis. O mundo precisa de nossa felicidade. A prática de viver com plena consciência pode ser descrita como a prática da felicidade, do amor. A capacidade de sermos felizes, de estarmos amando é o que temos que cultivar. A compreensão (sabedoria, NT) é o próprio fundamento do amor. Observar profundamente é a prática básica.

Embora saibamos que culpar e discutir não ajuda nunca, esquecemo-nos disso. Por esse motivo praticamos a quinta consciência. A respiração consciente nos permite desenvolver a capacidade de parar no momento crítico e abster-nos de culpar e discutir.
Todos nós precisamos mudar para melhor. Quando se casam, as pessoas fazem uma promessa de se modificar e ajudar o cônjuge a mudar também, para assim crescerem juntas, compartilhando o fruto e o progresso da prática. É sua responsabilidade cuidarem uma da outra. Somos todos jardineiros que ajudam as flores a crescer. Se houver compreensão, as flores crescerão belas.

Toda vez que a outra pessoa faz uma coisa boa, algo no sentido de mudar e crescer, o cônjuge deve se congratular com ela e mostrar sua aprovação. Isso é importante. Ninguém pode considerar que as coisas já estão garantidas. Se a outra pessoa manifestar talento e capacidade de amar e criar felicidade, é preciso que o companheiro(a) esteja atento(a) e expresse sua admiração. essa é a maneira de regar as sementes de felicidade. O casal deve evitar dizer coisas destrutivas, como: "não sei se você pode fazer isso" ou "duvido que você seja capaz de fazer isso". Ao contrário, o melhor é dizer: "isso é difícil, meu bem, mas tenho certeza que você consegue fazer". Essa maneira de falar faz a pessoa se sentir mais forte. E funciona também com as crianças. Temos que fortalecer a auto-estima de nosso filhos. Apreciar e nos congratular por todas as coisas boas que disserem e, assim, ajudá-las a crescer.

Para os que estão casados há 10 ou 12 anos, esse tipo de prática também é pertinente. Podem continuar vivendo com atenção plena, um aprendendo com o outro. Talvez uma das pessoas tenha a impressão de saber tudo a respeito do cônjuge, mas não é assim. Os cientistas nucleares estudam uma partícula de poeira durante muitos anos e não têm a pretensão de dizer que conhecem tudo sobre ela. Se com a partícula de poeira é assim, como uma pessoa pode dizer que sabe tudo sobre o(a) seu (sua) companheiro(a)? Dirigindo o carro, mergulhada em seus próprios pensamentos, uma pessoa está simplesmente ignorando seu cônjuge. Ela pensa "eu já sei tudo sobre ele(a). Não há nada de novo". Isso não é real. Se o(a) companheiro(a) for tratado(a) dessa maneira, aos poucos, morrerá. Essa pessoa precisa da atenção da outra, da sua jardinagem, dos seus cuidados.

É necessário aprender a arte de semear a felicidade. Se durante a nossa infância vimos nossa mãe ou nosso pai fazendo coisas que proporcionaram felicidade á família, já sabemos como agir. No entanto, se nossos pais não souberam cultivar a felicidade, é possível que não saibamos como proceder. Assim, na comunidade de prática, procuramos aprender a arte de fazer as pessoas felizes. O problema não é estarmos certos ou errados, mas sermos mais ou menos habilidosos. Viver com alguém é uma arte. Mesmo com bastante boa vontade, ainda  podemos fazer a outra pessoa muito infeliz. Boa vontade não é suficiente. Precisamos dominar a arte de fazê-la feliz. A arte é a essência da vida. Devemos procurar ser habilidosos no falar e no agir. A substância da arte é a plena consciência. Vivendo com plena consciência, saberemos viver com mais arte. Isso foi uma coisa que aprendi com a prática.

Texto por Thich Nhat Hanh

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Uma Lição para Rahula


Rahula é o nome do filho do Buda. Poucos anos depois de atingira Iluminação, o Buda voltou à sua terra natal, Kapilavastu, e visitou sua família, sendo recebido pelo Rei Suddhodana, seu pai. Voltou com muitos de seus discípulos - todos monges (àquela altura ainda não existiam monjas) - e ofereceu uma linda palestra de Dharma a seu pai no interior do palácio. A palestra foi assistida por muitas pessoas bem informadas do governo e das famílias dos nobres, incluindo muitos dos seus amigos de outrora - Siddhartha tinha muitos amigos antes de deixar seu lar e se tornar monge. Naquela época, seu filho Rahula contava com oito anos e ainda sentia falta do pai. E foi por isso que, quando o Buda voltou para seu abrigo, na vizinhança de Kapilavastu, na companhia dos seus monges, Rahula quis acompanhá-lo. Rahula amou a presença e a companhia do Buda e não quis mais voltar para casa, queria morar num monastério. Até que um dia ele disse, "Buda, quero viver com você, não quero voltar pra casa". Buda então disse, "Ok" e pediu a seu discípulo Shariputra para ordenar Rahula como noviço. O avô ficou furioso. Seu filho se tornou um monge e agora seu neto era ordenado como noviço! Mas o pequeno Rahula estava muito feliz vivendo próximo ao Buda e praticava muito bem junto com o resto da comunidade de monges. Quando Rahula completou dezoito anos, o Buda ofereceu-lhe um lindo discurso sobre o Dharma e eu gostaria de compartilhar este discurso com vocês. O venerável Shariputra estava lá, em pé, bem atrás do Buda e ouviu e recebeu aquele discurso de maneira muito profunda - e o praticou também de maneira profunda, mesmo que ele tivesse sido dado a um monge muito novo, Rahula.

Nessa palestra o Buda aconselhou Rahula a praticar sendo a terra, a grande terra. O Buda disse, "Rahula, pratique como se você fosse como a terra". As pessoas podem jogar na terra coisas como perfume, fezes, urina, todo o tipo de coisa suja, mas a terra sempre recebe tudo sem raiva. Não interessa se é perfume ou jóias ou ouro ou prata ou flores ou lixo ou sujeira ou fezes ou urina, a terra recebe tudo isso sem ressentimento algum, sem raiva alguma, por que a terra é grande e larga. A terra tem o poder de transformar tudo isso. Você, por exemplo, encontra um rato morto na sua cozinha e quer se livrar logo dele - onde você vai pôr? Você o joga na terra. Imediatamente a terra transforma o rato morto em algo que você consiga aceitar. A terra tem um grande poder de transformação porque ela é grande. Assim, pratique de tal modo que o seu coração se torne tão grande quanto a terra. Você só sofrerá se você for pequeno, se seu coração for pequeno. Quando seu coração se expande, você não mais sofre, não precisa mais fazer um esforço para suportar o sofrimento.

Outro dia eu comecei a falar usando a imagem de uma caixa d'água. Ela pode conter algo em torno de 50 litros de água e se você joga algo sujo no seu interior não poderá mais beber a água - você terá que jogar tudo fora. Mas se você jogar aquela sujeira em um grande rio, em um rio imenso, ainda assim você poderá beber da sua água. Imediatamente, o rio, com toda a sua água e lama, transforma a sujeira que você jogou nele e tudo estará perfeito novamente - toda a cidade continuará a beber a água do rio. Não é que o rio tenha que suportar. Estamos falando aqui de indulgência, tolerância, como um barco que carrega você para a outra margem - kshanti-paramita, "cruzando para o outro lado", para a margem da felicidade, da alegria e da libertação pelo barco da indulgência.

Se você tornar o seu coração tão grande quanto a terra, você poderá aceitar qualquer coisa que as pessoas façam ou digam a você sem sofrimento. Mas se o seu coração for pequeno, você sofrerá bastante. Assim Rahula praticou ser como a terra, que é a prática de amor chamada as Quatro Mentes Incomensuráveis. Porque com a prática, seu coração crescerá mais e mais e mais, sempre cada vez maior. E seu coração abraçará a tudo e a todos, sem nenhum inimigo, não existe nenhum inimigo. Cada vez que invocamos o Buda, dizemos, "querido Buda, seu coração é tão grande que você consegue abraçar a todos os seres vivos, sua compaixão abarca a totalidade do cosmos". É a mesma coisa quando seu coração é grande, chamando-os de amigos ou inimigos - você os abraça a todos e os ama, sejam eles cruéis ou menos cruéis, todos são igualmente objeto de sua solidariedade.

Se você é um estudante do Buda, tente praticar de modo que seu coração cresça a cada dia, para que você não sofra, Mesmo se disserem coisas muito cruéis e mesquinhas a você, se fizerem coisas cruéis a você, mesmo que tentem te suprimir e matar. Como se pode matar um rio? Como se pode matar a terra? Ela é tão grande. Alguma sujeira não destruirá o rio, porque o rio é grande. "Rahula, pratique como se você fosse a água. Se as pessoas jogam na água flores, fragrância, comida, leite ou urina, fezes ou corpos de animais mortos, a água continuará a receber tudo sem rancor, sem ressentimento, sem ódio; porque a água tem a capacidade de lavar tudo. Você pode lavar a tigela do Buda com água, lavar as roupas sujas, alguém cheio de sangue, a água receberá tudo, poderá lavar tudo, transformar tudo. Então, Rahula, por favor, pratique para que o seu coração se torne como a água, para poder receber tudo sem ressentimento ou rancor.

Rahula, pratique como o fogo. O que quer que você jogue ao fogo, roupa ou papel ou flores ou coisas sujas, o fogo aceitará e queimará tudo. Quer seja um perfume ou um mal cheiro o fogo aceita tudo e reduz tudo a cinzas e fumaça, porque o fogo tem o poder de transformar. Rahula, pratique como se fosse o ar. Se você joga no ar algo fragrante ou mal cheiroso, se você queima incenso ou borracha, o ar aceita tudo - porque o ar tem o poder de transformar, pois é imenso". O Buda estava instruindo o jovem monge Rahula, mas Shariputra, o tutor de Rahula, estava lá atrás, absorvendo cada palavra, e praticou esse ensinamento por muitos e muitos anos.

Retirado de uma Palestra de Dharma dada em Plum Village em 23 de julho 1996 - Be Like The Earth

(Tradução: Samuel Cavalcante)

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

De Onde Viemos? Para Onde Vamos?

O Buda tem um entendimento muito diferente de nossa existência. É o entendimento que nascimento e morte são noções. 

Elas não são reais. O fato de pensarmos que são verdadeiras cria uma poderosa ilusão que causa nosso sofrimento. O Buda ensinou que não há nascimento nem morte; não há vinda nem ida; não há igual, e não há diferente; não há eu permanente, não há aniquilação. Apenas achamos que há. 

Quando entendemos que não podemos ser destruídos, estamos libertos do medo. É um grande alívio. Podemos desfrutar da vida e apreciá-la de uma nova maneira.

O mesmo ocorre quando perdemos nossos entes queridos. Quando as condições não estão certas para suportar a vida, eles se retiram. Quando perdi minha mãe, sofri muito. Quando temos apenas 7 ou 8 anos de idade é difícil pensar que um dia perderemos nossa mãe. Ao final crescemos e todos perderemos nossas mães, mas se soubermos como praticar, quando a hora da separação chegar você não sofrerá muito. Rapidamente você perceberá que sua mãe está sempre viva dentro de você.

No dia que minha mãe faleceu, escrevi no meu diário: "Um sério infortúnio na minha vida chegou". Sofri por mais de um ano depois de sua passagem. Mas uma noite, nas terras altas do Vietnã, estava dormindo na cabana de meu eremitério. Sonhei com minha mãe. Vi-me sentado com ela e estávamos tendo um conversa maravilhosa. Ela parecia jovem e bonita, sei cabelo esvoaçante. Era muito prazeroso sentar lá e conversar com ela como se nunca tivesse morrido.

Quando acordei eram duas da manhã e eu senti fortemente que nunca havia perdido minha mãe. A impressão que ela estava ainda em mim era muito clara. Entendi então que a ideia de tê-la perdido era apenas uma ideia. Era óbvio naquele momento que minha mãe estava viva em mim.

Abri a porta e sai. Toda a colina estava banhada pela luz da lua. Era uma coina coberta com plantações de chá, e minha cabana estava localizada atrás do templo, no meio da colina. Andando devagar na luz da lua através da plantação, percebi que minha mãe estava ainda em mim. Ela era a luz da lua me acariciando assim como fazia frequentemente, muito carinhosa, muito doce... maravilhosa!

Cada vez que meus pés tocavam a terra, sabia que minha mãe estava lá comigo. Sabia que este corpo não era só meu, mas uma continuação viva da minha mãe e do meu pai e dos meus avós. Todos os meus ancestrais. Estes pés que eu via como meus eram na verdade nossos pés. Juntos minha mãe e eu estávamos deixando pegadas no solo úmido.

Daquele momento em diante, a ideia que eu tinha perdido minha mãe nunca mais existiu. Tudo que eu tenho que fazer é olhar para a palma da minha mão, sentir a brisa no meu rosto ou a terra sob meus pés para me lembrar que minha mãe está sempre comigo, disponível a qualquer momento.

Quando você perde um ente querido, você sofre. Mas se souber como olhar em profundidade, tem a chance de perceber que a natureza dele é a do não nascimento e não morte. Há manifestação e há a cessação da manifestação. Você tem que ser muito perspicaz e muito alerta para reconhecer as novas manifestações de uma pessoa. Mas com a prática e com esforço você pode fazer.

Portanto, pegando na mão de alguém que conheça a prática, faça uma meditação caminhando com ela. Preste atenção em todas as folhas, as flores, os pássaros e gotas de orvalho. Se puder parar e olhar profundamente, será capaz de reconhecer seu amado se manifestando novamente e novamente em muitas formas. Você novamente abraçará a alegria da vida.

Texto de Thich Nhat Hanh