segunda-feira, 17 de julho de 2017

Métodos para Cultivar os Hábitos da Felicidade


Com base no que aprendemos sobre o corpo e a mente, eu gostaria de lhes oferecer exercícios para cultivar a concentração, a consciência plena e o insight. Estes exercícios são: as três concentrações, as seis paramitas, a construção da Sanga, e a não-discriminação. Estes ensinamentos estão no coração da prática budista e do segredo da felicidade. Estes ensinamentos se apoiam e se sustentam. Se a sua concentração for suficientemente forte, você fará uma descoberta, obterá um insight. Você precisa estar presente, com o corpo e a mente unidos e totalmente presentes – isto é atenção plena. Se você estiver neste estado de consciência, será possível para você se concentrar. Se a sua concentração for poderosa, você tem uma chance de fazer uma importante descoberta que lhe ajuda a alcançar a felicidade.

Existem três tipos diferentes de concentração. A primeira é a vacuidade. Vacuidade aqui é uma concentração e não uma filosofia. A vacuidade não é uma tentativa de descrever a realidade. A vacuidade é oferecida como um instrumento. E nós temos que manusear a noção da vacuidade habilidosamente para não sermos aprisionado nesta noção. A noção da vacuidade e o insight de vacuidade são duas coisas diferentes. Vamos considerar uma vela. Para acender uma vela, você acende um fósforo, você precisa de fogo. E o fósforo é apenas um instrumento, um meio. Sem o fósforo você não consegue produzir o fogo. O seu objetivo último é a chama e não o fósforo. Buda lhe oferece a noção de vacuidade, porque ele tem que usar noções e palavras para se comunicar.

Habilidosamente, fazendo uso da noção de vacuidade, você pode produzir o insight de vacuidade. Uma vez que o fogo se manifeste, ele consumirá o fósforo; quando o insight da vacuidade se manifesta, ele destruirá a noção da vacuidade. Se você for suficientemente habilidoso para fazer uso da noção da vacuidade, você então tem o insight da vacuidade e está livre da palavra “vacuidade”. Eu espero que você consiga ver a diferença entre vacuidade enquanto insight e vacuidade enquanto noção.

Samadhi não é uma doutrina, não é uma tentativa de descrever a verdade, mas é um meio hábil de lhe ajudar a alcançar a verdade. É como o dedo apontando para a lua. A lua é muito bela. O dedo não é a lua. Se eu aponto e digo, “Querido amigo, esta é a lua” e você pega este dedo e diz: “Oh! Isto é a lua!” – você não tem a lua. Você está aprisionado no dedo, você não consegue ver a lua. O Darma de Buda é o dedo, não a lua.

O Sutra do Coração diz: “forma é vacuidade, vacuidade é forma” – o que isto significa? O bodisatva Avalokiteshvara disse que tudo é vazio. E queremos perguntá-lo: “Senhor Bodisatava, você diz que tudo é vazio, mas eu quero lhe perguntar, ‘vazio do que’?” Porque vazio é sempre vazio de algo. Esta é uma maneira habilidosa de destruir a palavra “vacuidade” para conseguir o insight da vacuidade. Imagine um copo. Concordamos que ele está vazio.

Mas é importante fazer a pergunta que parece inútil, mas que não é: “vazio de que?” Vazio de chá, talvez. Vazio significa vazio de algo. É como consciência, percepção, sentimento. Sentir significa sentir algo. Estar consciente significa estar consciente de algo. Estar atento significa estar atento a algo. O objeto existe ao mesmo tempo em que o sujeito. Não pode haver mente sem objeto da mente. Isto é muito simples, muito claro. Assim nós concordamos que este copo está vazio de chá. Mas não podemos dizer que este copo está vazio de ar. Ele está cheio de ar.

Quando observamos uma folha, vemos que ela está cheia, totalmente cheia. Eu olho para a folha, eu toco a folha e com o maravilhoso instrumento chamado mente, posso ver que enquanto eu toco a folha estou também tocando uma nuvem. A nuvem está presente na folha. Eu sei muito bem que se não houver nuvem, não há chuva e então nenhuma árvore de álamo pode crescer.

Por isso quando toco a folha, eu toco elementos que não são folha. Um destes elementos que não são folha é a nuvem. Eu toco a nuvem; eu toco a chuva tocando a folha. Ao tocar a folha eu sei que água, chuva e nuvem estão ali dentro da folha. Eu também toco os raios de sol dentro da folha. Eu sei que sem raios de sol nada consegue crescer. Eu estou tocando o sol sem me queimar. E sei que o sol está presente na folha. Se continuar minha meditação eu verei que estou tocando os minerais dentro do solo, estou tocando tempo, estou tocando o espaço, estou tocando a minha própria consciência. A folha está cheia do cosmos – espaço, tempo, consciência, água, solo, ar e tudo, então como podemos dizer que ela é vazia?

É verdade que a folha está cheia de tudo, exceto uma coisa, e esta uma coisa é uma existência separada, um “eu”. Uma folha não consegue existir por si só, a folha tem que interexistir com tudo o mais dentro do cosmos. Uma coisa tem que contar com todas as outras coisas para se manifestar. Uma coisa não consegue ser ela mesma sozinha. Então vacuidade é antes de mais nada vazio de um eu separado. Tudo contém tudo o mais. Olhando dentro da folha nós vemos somente os elementos que não são folha. Buda está constituído somente de elementos que não são Buda. E o meu eu está constituído somente de elementos que não são eu.

A segunda concentração é animita, a insubstancialidade dos sinais. Insubstancialidade dos sinais significa não ser capturado pela aparência. Parece que a nuvem que observamos no céu tem um início, e falamos do “nascimento” da nuvem. Parece que uma nuvem pode morrer a qualquer hora hoje à noite e não mais existirá no céu. Temos uma noção de nascimento e morte. Mas com a prática da contemplação profunda, podemos tocar a natureza sem nascimento e sem morte da nuvem.

Se vivermos a vida conscientemente, então seremos capazes de tocar a natureza da insubstancialidade dos sinais. Bebendo o seu chá, você reconhece que a sua amada nuvem está dentro do seu copo. A nuvem pode tomar a forma de um cubo de gelo. A nuvem pode tomar a forma da neve sobre os Pirineus. A nuvem pode estar dentro do sorvete que sua filha está tomando. Então com a sabedoria da insubstancialidade dos sinais, você descobre que nada nasce e nada pode morrer – e você não tem medo. A verdadeira felicidade, perfeita felicidade não pode ser possível sem destemor. Olhando profundamente e tocando a natureza sem nascimento e sem morte elimina o medo dentro de nós.

Existe o elemento de delusão dentro de nós e existe o elemento de luminosidade dentro de nós. Devido ao elemento de delusão, sofremos. Devido ao elemento de luminosidade, podemos nos tornar um Buda. É assim que a dualidade entre o cérebro e a mente pode ser resolvida. A realidade se expressa enquanto cérebro ou enquanto consciência. Não é verdade dizer que o cérebro nasce da mente, ou que a mente é uma propriedade emergente do cérebro – você não tem que fazer isto.

Você pode dizer que mente e cérebro se manifestam a partir do solo da consciência armazenadora, e eles se apoiam mutuamente em suas manifestações. Sem mente, cérebro não é possível; sem cérebro, mente não consegue se manifestar. Tudo conta com tudo o mais para se manifestar. Tal como a folha, como a flor – a flor tem que contar com elementos que não são flor para se manifestar. O mesmo acontece com a mente. O mesmo acontece com o cérebro.

A terceira concentração é apranihita, ausência de objetivo. Sem preocupação, sem ansiedade estamos livres para desfrutar cada momento de nossas vidas. Sem tentar, sem fazer grandes esforços, apenas sendo. Que alegria! Isto parece contradizer o nosso modo normal de operar. Estamos tentando tão duramente atingir a felicidade, lutar pela paz. Mas talvez nossos esforços, nossas lutas, nossos objetivos sejam o próprio obstáculo da nossa conquista da felicidade, para que fomentemos a paz. Todos nós tivemos a experiência de buscar uma resposta e então quando soltamos e relaxamos a resposta surge, sem esforço. Isto é ausência de objetivo.

Desfrutamos nossa respiração, bebemos chá, sorrimos conscientemente, caminhamos com a mente atenta e os insights surgem e a compreensão naturalmente chega. Ausência de objetivo é uma prática maravilhosa. É tão prazerosa, tão refrescante. Eu acredito que os cientistas necessitam desta prática tanto quanto os meditadores, para abrir as mentes cerradas deles, para abrir às possibilidades que estão além da imaginação deles. Muitas descobertas científicas aconteceram no solo da ausência de objetivos, porque quando você não está programado em seu destino tem mais chance de chegar a um novo e inesperado insight.

(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)
(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Sua Verdadeira Aspiração

Quando estamos com muito medo, geralmente estamos totalmente focados em impedir o evento que tememos, e nos esquecemos de que a alegria também é possível, mesmo em um mundo imprevisível. Acreditamos que precisamos obter um determinado diploma ou carreira para estar seguros e ser um sucesso.Existem pessoas que são vítimas desse tipo de sucesso. Elas conseguem as coisas que trabalharam arduamente para conseguir, e depois se acham aprisionadas em formas que não tinham antecipado. Mas ninguém jamais é vítima da sua felicidade.

Muitos de nós vivem em comunidades onde todos têm um teto para se abrigar e comida suficiente para comer, e ninguém está com medo de bombas caindo sobre nós; no entanto as pessoas continuam sofrendo. Isto se dá porque esquecemos ou perdemos nossa aspiração mais profunda.

Muitos de nós labutam até o fim da vida sem consciência da sua atenção ou intenção. Estabelecemos uma trajetória para nós e seguimos em frente, sem parar para questionar se esse caminho está satisfazendo os nossos objetivos mais importantes. Em parte, isso acontece porque muitos de nós acreditamos que a felicidade não é possível no aqui e agora. Pensamos que precisamos lutar agora para poder ser feliz no futuro. Por isso, adiamos a felicidade e tentamos correr em direção ao futuro e alcançar as condições de felicidade que agora não temos.

Se você inspira e traz sua mente para a casa do seu corpo, poderá reconhecer imediatamente as inúmeras condições de felicidade que você já tem. Você pode examinar detalhadamente sua verdadeira aspiração e ter uma sacada: "Eu não preciso correr em direção ao futuro para ser feliz". Todos nós temos o hábito de correr. Esse hábito cria tensão, não só no corpo, como também na mente, e é a nossa maior fonte de sofrimento.

Muitos de nós acreditamos que só podemos ser felizes se tivermos muito poder, fama, riqueza e prazeres sensuais. Mas quando olhamos à nossa volta, vemos que há pessoas que têm essas coisas em abundância, mas não estão felizes. Esses objetos de desejo não são condições reais de felicidade. Contemplando profundamente, podemos reconhecer esta energia do hábito de correr, e imaginar como as coisas seriam se não mais deixássemos esta energia nos impelir para correr.

Todo mundo tem volição, uma forte motivação que nos estimula e que, quando é saudável, nos traz alegria. Quando eu tinha doze anos, eu sabia que queria ser monge. Aos dezesseis anos de idade, eu deixei minha mãe e minha família para me ordenar como um noviço. Eu amava muito minha mãe. Por um lado, eu queria estar perto dela. Por outro lado, eu sabia que minha maior felicidade era viver como um monge. Eu tive que sacrificar os bons tempos que passaria com a minha mãe e estava trista com isso; mas não permiti que qualquer medo de perda me impedisse, porque eu sabia que eu estava no caminho de realizar minha verdadeira aspiração.

Se não tivermos nos permitido parar, voltar para nossa casa interior e contemplar profundamente, pode ser que não saibamos o que nos traz nossa felicidade mais profunda. Talvez estejamos trabalhando muito para ter sucesso numa área, mas a nossa aspiração mais profunda seja trabalhar em outra área ou ajudar pessoas de outra forma. Precisamos parar e nos questionar: "Será que posso realizar a minha aspiração mais profunda se eu prosseguir nesse caminho?" "O que realmente está me impedindo de tomar o caminho que desejo mais profundamente?".

Do livro de Thich Nhat Hanh - "Sem Lama Não há Lótus".