quarta-feira, 26 de junho de 2019

Plena Atenção e Concentração

Alguns de nós sentem que nossas vidas não fazem sentido nem têm qualquer significado. Quando não vemos um caminho significativo em nossas vidas sofremos muito. Somos infelizes porque não sabemos para onde ir. Nossa confusão nos faz sofrer, não importa quão ricos e poderosos somos. Se virmos uma direção em nossas vidas, encontrarmos sentido e vivermos com compaixão, saberemos como ajudar a nós mesmos e aos outros ao nosso redor a sofrer menos. Conhecemos o Dharma, temos praticado e sabemos que em momentos difíceis o Dharma pode resgatar a nós e às pessoas que amamos. Fomos libertados pelo Dharma. Apenas tocando o Dharma dentro de nós e tocando nossa confiança nele, alegria e felicidade nascem em nós, nos tornando verdadeiramente felizes.

Você pode pensar que felicidade significa ter muito dinheiro, estar fisicamente em forma, ser famoso ou ter tanto sexo o quanto quiser e quando quiser. Muitos de nós já percorremos esses caminhos e reconhecemos que, quanto mais somos apanhados em desejos obsessivos e anseios sensuais, mais sofremos. Nós costumávamos pensar nessas coisas como elementos de nossa felicidade, mas agora aprendemos que a verdadeira felicidade está em deixar ir, soltar e restaurar nossa liberdade. É por isso que o Buda nos aconselhou a nos alimentar cultivando alegria e felicidade através da prática de olhar profundamente.

"Experimentando a alegria, eu respiro." Isso não é um pensamento positivo. Isso significa que você olha profundamente e toca os elementos que trazem alegria e felicidade verdadeiras. A alegria pode nascer da concentração. Nós já aprendemos sobre os benefícios da concentração. A quantidade de felicidade que obtemos ao comer uma laranja depende da nossa atenção e concentração. Quanto mais concentrados estivermos na laranja, maior será nosso prazer e felicidade. As condições para a felicidade estão em toda parte - dentro e ao redor de nós - mas, como não nos concentramos, não as reconhecemos.

Uma das minhas alunas mora em Paris e pratica caminhadas conscientes. Às vezes ela está tão ocupada que precisa correr. Um dia ela estava em um elevador com uma mulher mais velha. Olhando para a senhora, ela disse: “Isso não é vida, sempre correndo”. A senhora olhou para ela e disse: “Sim, mas você pode correr. Eu não posso. Eu sou muito velha. Se eu correr, vou cair”. Ter pernas e pés fortes, ser capaz de correr, é felicidade - não uma razão para reclamar - porque algumas pessoas gostariam de correr e não podem. Você sabe que é jovem e tem bons pés. Sua consciência e atenção plena produzem uma percepção que lhe traz felicidade. "Inspirando, eu sei que meus pés são sólidos. Eu posso correr. Expirando, eu sorrio." A atenção plena e a concentração são motivos para a felicidade.

A velhice também tem suas vantagens. Se as pessoas idosas estiverem conscientes, podem ficar muito felizes, porque percebem a rapidez com que a vida passa. Elas são maduras e capazes de saborear cada momento de suas vidas, apreciando sabiamente os elementos positivos dentro deles.

Eles não correm, mas sentem-se quietos e vivem cada momento de suas vidas mais profundamente. Quando você é jovem, você é como uma corrente de água que vai do topo da montanha até a base. Conforme você envelhece, se torna mais como um rio que flui pacificamente e reflete o céu azul e a terra. O fluxo jovem de água que corre do topo da montanha não pode fazer isso. Se as pessoas mais velhas são capazes de reconhecer os elementos positivos em suas vidas, também podem ser felizes. Precisamos de atenção plena para reconhecer o que está presente e concentração para estar profundamente com esse elemento. A concentração ajuda nossa felicidade a nascer; é a base da felicidade.

Se soubermos administrar todas as vinte e quatro horas do dia, perceberemos que um dia é muito tempo. O que faz com que seja longo é a nossa concentração. Os mais velhos vivem de maneira mais concentrada que os jovens, estabelecendo-se mais no momento presente. Com mindfulness (plena atenção) e concentração, os idosos podem apreciar cada momento que lhes é oferecido. Cada momento da vida cotidiana pode se tornar uma história para seus filhos e netos. Isso é possível. O Buda fez isso. Ele não deixou para trás um conjunto de dogmas e teorias; ele deixou para trás sua vida. Cada passo que ele dava era pacífico e sólido. Sua compaixão penetrou não apenas nos seres vivos de seu tempo, mas também de nosso tempo.

Na Ásia, as pessoas libertam animais em seus aniversários. Isso é graças à compaixão e aos ensinamentos do Buda. Propus a nossos amigos cristãos que praticassem a soltura de pássaros em vez de matá-los no dia de Natal. Além disso, tenho certeza de que Jesus ficará feliz se, em vez de cortar uma árvore, você plantar uma. Como cristãos, você precisa perceber sua capacidade de viver profundamente e falar sobre isso. No dia de Wesak, o aniversário do Buda, no Sri Lanka, Tailândia e outros países budistas, ninguém passa fome porque a comida é cozida e oferecida em todos os quintais. Espero que possamos celebrar Wesak todos os dias para que ninguém nunca vá passar fome no mundo.

Essa tradição também brota da compaixão do Buda. Cada passo, cada respiração, cada palavra do Buda transmite e transporta a energia da atenção plena, compreensão e compaixão. Dessa fonte, seus alunos continuam a herdar compaixão e conhecimento. Se eles praticarem bem, eles podem transmitir essa fonte de compaixão, cura e felicidade para as futuras gerações.

A prática é viver cada momento de sua vida cotidiana profundamente. Quando você bebe um copo de água, enquanto segura um bebê nos braços ou se senta na frente de sua amada, se você se concentra e está atento, a vida é real, e felicidade e alegria nascem. É por isso que o Buda falou sobre o nascimento da alegria e felicidade a partir da concentração.

(Do livro “The Path of Emancipation”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

terça-feira, 11 de junho de 2019

Aprendendo a Falar a Verdade

Nas últimas duas semanas, aprendemos que podemos descrever nossa consciência como um círculo com duas partes. A parte mais baixa é chamada consciência armazenadora, e a parte superior é a consciência mental. Em nossa consciência armazenadora há muitas sementes -sementes de alegria, sementes de felicidade e sementes de tolerância. Mas também há sementes de raiva, de frustração e de ciúme. Nossa prática é regar as sementes positivas assim elas se manifestarão e tentaremos ao máximo não convidar as sementes negativas a entrar em nossa consciência mental. 

Quando eu cheguei a Plum Village tinha muitas idéias sobre a prática. Eu tinha idéias sobre o Buda de livros que tinha lido. Eu tinha idéias sobre como um professor deveria ser e idéias sobre como monges e monjas deveriam ser. No princípio, a Sangha era muito pequena, só havia quatro monges e muito trabalho. Minha percepção era que a vida em Plum Village não era bem organizada, assim eu me ofereci para ser o coordenador de trabalho, e trabalhei muito duro, enquanto tentava ao máximo organizar Plum Village.  

Eu tinha a idéia que meu professor deveria estar disponível para mim, me dando afeto quando eu precisasse e passaria muito tempo falando comigo. Uma vez em 1993, quando eu já era um monge há cerca de um ano e meio, fui para a América para conduzir um retiro. Eu senti muita falta do Thay e esperava que quando o visse novamente, ele me perguntaria "Como você está? Está indo bem? “

Depois do meu retorno, Thay visitou Upper Hamlet e caminhava pelo escritório do templo onde eu estava parado, enquanto o esperava pacientemente. Eu uni minhas palmas e me curvei sinceramente a Thay com respeito, mas ele continuou a sua prática de meditação caminhando. Ele nem mesmo olhou para mim! Me senti muito triste. Eu disse a mim mesmo, "Bem, parece que Thay não tem sensibilidade sobre a ‘relação de estudante-professor’”. [Risada.] "Ele não parece me olhar absolutamente; apenas continua a andar e não tem cuidados com o seu estudante". Naquele momento a maioria de nós era nova na prática, assim nossa compreensão ainda era muito fraca.

Eu tinha muitas idéias de como os monges deveriam ser. Quando um irmão mais velho fazia algo diferente de minha expectativa, me sentia triste e queria deixar Plum Village. A semente de querer fugir é muito forte dentro de mim. Thay me chamava Fantasma Faminto, porque eu tenho uma semente muito grande de fantasma faminto dentro de minha consciência. Crescendo na América, fui treinado para julgar e ser crítico.   

Freqüentemente nós não temos muita oportunidade de tocar a bondade e beleza que estão ao nosso redor. Quando nossa prática é fraca, nós continuamos permitindo que as sementes de frustração, raiva, e julgamento entrem da nossa consciência armazenadora na consciência mental. E se nossa plena consciência for fraca, nós nos permitimos ser levados por essas energias.  

No verão de 1994, eu cometi um grande erro enquanto preparava a grande cerimônia de ordenação. Eu era o coordenador do trabalho, e era um trabalho difícil porque a Sangha era pequena e tínhamos que fazer toda a comida, e também ser os criados para muitos monges mais velhos e monjas que estavam vindo para as cerimônias.  

Havia um irmão mais velho que tinha sido um monge por muitos anos. Ele tinha estudado na Índia e então ido para a Holanda; gradualmente ele deixou o caminho como um monge. Mas naquela primavera ele veio para Plum Village e seria ordenado novamente como um monge. Eu o respeitava muito, mas eu também tinha muitas idéias sobre ele.  

Durante nossa reunião de planejamento ele se ofereceu para organizar o Festival da Lua Cheia. Eu estava muito contente, porque é difícil achar alguém para fazer isto durante o retiro de verão. Mas no dia seguinte enquanto eu estava lavando meu prato, ele subiu e disse, "Bem, eu não vou organizar o Festival de Lua Cheia porque o monge que organizou no ano passado recusou-se a me ajudar passando a sua experiência”.  
Eu disse", O quê?! Você prometeu que organizaria o Festival de Lua Cheia e agora você não fará isto? Como você pode fazer isso comigo? Todo mundo já tem trabalhos, assim quem vai organizar o festival? Ninguém pode fazer isto. Você, por favor, faça isto? "  Mas ele se recusou novamente.  

Alguns dias depois, tivemos uma reunião da Sangha para regar as sementes positivas dentro de nós mesmos antes do retiro. Thay fez uma boa palestra, enquanto regava as flores de todo o mundo na Sangha. Então ele perguntou, "Há alguma pergunta? “

Eu elevei minha mão e disse, "Sim, eu tenho uma pergunta." Eu me levantei e perguntei, "Como nós podemos organizar um retiro de verão quando alguém aqui se recusa a assumir a responsabilidade de fazer o seu trabalho?” [Risada.] Bem em frente da Sangha, eu continuei explicando e reclamando.  

Nesta reunião, o Thay tinha tentado ao máximo trazer as sementes boas de nossa consciência armazenadora até nossa consciência mental, e então eu inverti e convidei todas as sementes negativas para cima. A Sangha inteira ficou muito tensa. Thay não estava muito contente. Ele disse, "Sente-se e cale-se! " [Risada.]  

Eu estava muito chateado porque pensei que estava falando só a verdade e tinha pedido ajuda. Eu não percebi que tinha regado as sementes negativas na consciência de todo mundo. Quando a reunião terminou, eu fui ao Thây, me curvei e disse, "Thay, por favor me perdoe. Eu cometi um erro, mas não entendo o que eu fiz, porque estava falando só a verdade."  

Thay disse, "O que você falou não era a verdade. Verdade é algo que tem a capacidade de reconciliar, dar às pessoas esperança, dar felicidade às pessoas. Isso é a verdade! Quando você fala e causa dano, embora possa estar correto, não é nenhuma verdade.”

Eu sou da América onde nós somos ensinados que devemos ser honestos e diretos. Assim se não gosto de algo, eu quero dizer isto diretamente. Mas às vezes você precisa usar modos habilidosos para falar, e essa habilidade para mim é a verdade. Verdade tem a capacidade para reconciliar, tem a capacidade de trazer harmonia e paz.  

Lentamente eu comecei a aprender que algumas de minhas percepções não estavam de acordo com a prática. Eu precisei aprender modos novos de perceber. Eu precisei aprender a olhar positivamente para coisas.  

Muitas pessoas vêm ao Thay e falam sobre assuntos que surgiram na comunidade, e estão procurando respostas do Thay. Mas sendo um mestre Zen, normalmente Thay não responde diretamente. Ao invés, ele ajuda aquela pessoa a retornar para a sua prática e tocar o que é belo naquele momento. E isso é o segredo da prática de Plum Village.  

Se nós não tivermos felicidade dentro de nós mesmos, se nós não tivermos paz dentro de nós mesmos, tudo o que nós fizermos será só uma reação. Ação está baseada em alegria e felicidade; reação está baseada em sofrimento e dor. Lentamente eu aprendi agir, e não reagir.  

Muitas vezes eu disse, "Bem, Thay só fala sobre inspirar e expirar, ano após ano, sobre regar as sementes boas. Ele não tem nada novo para falar conosco!” Mas depois de cinco anos escutando o Dharma de Thay, eu entendi o que ele quer dizer quando diz que vida é um milagre e é possível tocar alegria e felicidade no aqui e agora. É possível ver a beleza do céu azul, e ser capaz de ter alegria profunda no momento presente.  

Em cada retiro Thay nos fala que quando caminharmos, não deveríamos falar. E quando falarmos, nós deveríamos parar e deveríamos estar verdadeiramente presente um com o outro. Mas assim que nós deixamos a sala de Dharma, continuamos a andar e falar ao mesmo tempo. Assim nós só escutamos com nossos ouvidos, não com nosso coração. E assim nós não podemos realmente praticar.  

Quando eu tenho um problema, quando tenho tristeza, me aproximo do Thay. Ele me escuta, então pega minha mão e nós andamos no jardim. Ele mostra a beleza: "Ouça o som do riacho, veja o bambu, o céu azul, a flor". Ir além da rede de nosso pensamento e tocar a Dimensão Última são os ensinamentos essenciais da prática Zen. Tocar a vida profundamente no aqui e agora.  

Quando Thay nos ensina sobre as Quatro Nobres Verdades, ele nos ensina primeiro a regar nossas sementes positivas, entrar em contato com o elemento positivo ao redor de nós. Ele nos ensina que é possível estar contente no aqui e agora, independente de quanto sofrimento tenhamos. E então, uma vez que formos suficientemente fortes, aquele pedaço minúsculo de felicidade e alegria será a base sobre a qual nós estaremos de pé quando começarmos a olhar o grande bloco de sofrimento que está em nossa consciência armazenadora.

Sem esta base de felicidade e alegria, é muito difícil tocar nosso sofrimento. Sem isto, nós seríamos levados por nosso sofrimento, e não teríamos nenhuma chance para reconhecê-lo, entendê-lo, e transformá-lo. Assim a fundação, a primeira pedra que nós colocamos sob nossos pés, é o nosso pedaço minúsculo de alegria, nosso pedaço minúsculo de felicidade, antes que possamos ir mais longe.  

Não se apresse para pular para dentro do seu sofrimento e para o bloco de sofrimento no mundo ao seu redor. Nós precisamos tocar a alegria e paz dentro de nós mesmos, nos fazer fortes antes de mergulharmos profundamente em nosso sofrimento. A prática de Plum Village é tocar a Dimensão Última, tocar a paz e a alegria, não importando o quanto minúscula seja. Isso é a base a partir da qual você transformará o grande bloco de sofrimento que há dentro de você.  

 (De uma Palestra  de Dharma por Thay Phap An, em 13 de junho de 2004 em Plum Village
Thay Phap An é monge sênior da trad. Thich Nhat Hanh e professor de Dharma)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Chegando

Outro dia eu sentei e calculei que agora já sou monge há dezoito anos. Durante esse tempo, me fizeram muitas perguntas. Eu não tenho problema com isso, considerando que o budismo é um caminho espiritual que se baseia em fazer perguntas — perguntas de nossos professores, perguntas uns aos outros e, talvez o mais importante, perguntas de nós mesmos. A grande maioria dos sutras do cânone budista surgiu graças a alguém fazendo uma pergunta ao Buda. Nós monásticos também recebemos muitas perguntas, e há uma pergunta que aparece mais frequentemente. Gostaria de saber se você consegue adivinhar qual pode ser?

Pelo menos uma ou duas vezes por semana, um amigo virá até mim perguntar, "Irmão Phap Hai, eu gostaria de te fazer uma pergunta. Por que se tornou um monge?"

A pergunta é boa e, recentemente, descobri que é menos importante relatar por me tornei um monge dezoito anos atrás e mais importantes responder como eu experimento minha vida espiritual hoje e por que continuo a ser um monge. Minha relação com a minha vida de prática é como qualquer relacionamento — cresce, muda e se aprofunda ao longo do tempo. Perguntas são importantes. Algumas das mais importantes questões que devemos perguntar a nós mesmos (e aos outros) são:

Porque eu sou um praticante de meditação?
O que me trouxe para a prática?
O que é que eu estou buscando?
Por que eu ainda estou praticando?
O que minha prática se parece neste momento?

Refletir sobre estas questões, individualmente e coletivamente, nos ajuda a identificar a nossa motivação e fornece uma direção para a nossa prática. Vamos nos fazer a terceira pergunta listada acima: "O que é que eu estou buscando?" Escreva a primeira resposta te que vier a cabeça. Não há nenhuma resposta errada — a menos, claro que seja algo como, "Eu sou de Sagitário procurando um geminiano equilibrado para uma busca mútua."

Quando nos fazemos sinceramente esta pergunta, muitas respostas podem surgir, por exemplo, "paz", "felicidade", "Iluminação" e assim por diante. Olhe para a palavra que você anotou um momento atrás, talvez "paz". Agora, vamos um pouco mais fundo. O que significa "paz" para você? O que é a experiência de "paz" para você? Quais foram alguns dos momentos da sua vida em que você experimentou "paz"? O que sentiu em seu corpo?

Acho interessante que, muitas vezes, quando estamos analisando uma parte profundamente pessoal e íntima das nossas vidas, como a nossa espiritualidade, usamos palavras muito gerais para elucidar grandes conceitos tais como "paz", "felicidade", "libertação" e assim por diante, sem dar o próximo passo e explorar o que tais palavras ou conceitos significam para nós — ou se querem dizer a mesma coisa para os outros. Embora existam algumas semelhanças, o que é felicidade para uma pessoa não é felicidade necessariamente para outra pessoa.

Lembrei-me disto em 2010 quando meu jovem irmão Benjamin e sua esposa vieram me visitar no mosteiro de Deer Park. Nossos pais faleceram quando ambos éramos muito jovens, e não tivemos muitas oportunidades para nos conhecer como adultos. Quando Benjamin chegou a Deer Park, perguntei-lhe o que mais gostaria que fizéssemos juntos. Ele me disse que queria ir à Universal Studios comigo e se divertir na montanha-russa. Levei seu pedido para os outros monges, esperando secretamente que dissessem que não. Os irmãos todos disseram, "Irmão Phap Hai, você deve definitivamente ir." Então lá fomos nós para a Universal Studios. Havia talvez quinze anos desde a última vez que eu tinha ido a um parque de diversões. Tanta coisa mudou nesse tempo. Não sabia, por exemplo, que no final de cada montanha russa eles tiram fotos para lembranças. Consequentemente, em cada foto tirada de nós nos brinquedos, podia se ver a mão de todo mundo no ar e grandes sorrisos em seus rostos e então havia eu — com meus olhos ferrados e rosto pálido como um fantasma.

O que é pacífico ou libertador para uma pessoa pode ser opressivo para outra. Como todos nós temos diferentes sofrimentos, pontos fortes, fraquezas e tendências para trabalhar, a prática de uma pessoa não se parecerá com a prática de outra pessoa. Ao se permitir mergulhar em um nível mais profundo com as grandes palavras— os grandes conceitos — e tocar o macio e tenro núcleo do seu ser, você vai descobrir a sua motivação, ou o que é chamado na psicologia budista de "volição" — a energia que te move para a frente. O que é que você está procurando?

Em 2012, Thay deu a todos os monges e monjas um pequeno cartão branco que tinha "100%" escrito nele. Foi uma linda lembrança dele que a essência, o núcleo da prática de Plum Village é estar presente, ser inteiro, cem por cento do tempo. Que desafio isto é para nós na nossa sociedade moderna, onde colocamos muito valor na multitarefa e em não "desperdiçar" um único segundo. Escolher conscientemente fazer uma coisa de cada vez tornou-se o último ato de contracultura e revolução. As crianças sabem como ser mono-tarefa, como a absorver-se completamente em tudo o que eles estão envolvidos no momento. Podemos ter perdido a maior parte desta maravilha e nos tornamos cansados.

Em certo sentido, desenvolver a concentração meditativa está relacionado a reaprender como ser mono-tarefa. Se nós caminhamos, sentamos, estamos em pé ou se estamos juntos com os outros, estamos totalmente presentes, corpo e mente. Já chegamos.

Nos centros de Plum Village em todo o mundo, a palavra que ouvimos mais frequentemente é "chegar". Em 2000, fui convidado a viajar para a Austrália para ajudar a oferecer retiros e dias de plena consciência em várias cidades. Nossa delegação voou de Bordeaux a Paris e depois de Paris para Dubai. De Dubai, voamos para a cidade de Ho Chi Minh e depois para Sydney. Quando pousamos em Sydney, tínhamos viajado por mais de quarenta horas. Nunca esquecerei a subida das escadas para o meu quarto: as malas pareciam tão pesadas. Pisando no meu quarto, coloquei-as no chão e um grande "aaahhh" levantou-se do âmago do meu ser: um momento de relaxamento, um momento de felicidade. Até aquele momento, eu não tinha percebido quão apertado e tenso meu corpo tinha se tornado durante a longa jornada. Meu corpo todo relaxou. Senti minha respiração fluindo para dentro e para fora. Eu me senti ótimo. Eu tinha chegado ao meu destino.

A prática de chegar é permitir que esse "aaahhh" se manifeste em cada momento, cada respiração, cada passo. Estar totalmente aqui. Esta prática sozinha vale uma vida de prática. Eu chamo de "Cheg- aaaahhh - ndo."

Prática sugerida: Cheg – aaaahhhh – ndo:

O que são as "bolsas" que você pode estar carregando dentro de você agora? Talvez você tenha uma lista de tarefas que é grande como seu braço, preocupações, ansiedades, desconforto em seu corpo... Enquanto respira, conecte-se com seu corpo, com sua respiração, com este momento; e na sua expiração permita que um "aaahhh" flua através de seu corpo e mente soltando toda tensão. Você pode achar útil vocalizar o "aaahhh". Não tenha medo de se divertir com isso. Para esta semana, se você notar que está ficando tenso ou desconectado durante seu dia, retorne a esta prática de "aaahhh". No final da semana, eu sugiro que você separe algum tempo para avaliar o impacto desta prática.
  
(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)
Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)