Quando cultivamos a capacidade de estar totalmente presentes, estamos cultivando uma energia que chamamos de atenção plena (sati). Atenção plena é uma qualidade natural da nossa mente. Cultivar a atenção plena pode enriquecer nossas vidas desde que esta consciência básica, simples ajude-nos a redescobrir as maravilhas da nossa experiência humana cotidiana. Andando, respirando, comendo — todas essas ações comuns que geralmente não damos atenção — tornam-se profundamente maravilhosas.
Muitos de nós cresceram com a ideia de que há uma separação fundamental entre corpo e mente, a chamada divisão cartesiana. Vemos erradamente a prática espiritual como apenas um exercício intelectual, ao invés de uma encarnação.
Eu gostaria que você tentasse um exercício agora: feche os olhos, inspire e expire e em seguida, usando sua mão direita, aponte para si mesmo. Para onde o dedo está apontando? Estava apontando para sua cabeça ou para o seu coração? Quando eu faço este exercício simples com grupos, cerca de noventa por cento dos participantes apontam para o seu coração — o núcleo do seu ser. Nossos corpos são grandes mestres e quando podemos chegar neles, descobrimos muita sabedoria contida.
Na filosofia védica comum no tempo do Buda, a sede da consciência era o coração e, por extensão, todo o corpo. Como muda a nossa abordagem ao cultivar "atenção plena" se mudarmos o foco do nosso cérebro para o nosso coração ou para todo o nosso corpo? Sati também pode ser traduzida como "relembrar". Eu gosto muito desta tradução. Relembrar é trazer todas as diferentes partes de nós mesmos volta para o aqui e o agora.
Na tradição de Plum Village, nossa prática fundamental é o desenvolvimento da atenção plena da respiração. Em sua forma mais simples, isto significa notar que você está respirando e em seguida expirando.
Prática sugerida: tranquilamente observar a respiração
Encontre um lugar calmo, onde você possa sentar ou deitar sem ser perturbado por alguns minutos. Traga sua consciência para seu corpo e simplesmente observe como a sua respiração flui para dentro e para fora. Se você achar útil, enquanto você inspira, pode notar: "inspirando"; enquanto você expira: "expirando". Permaneça descansando com a respiração por alguns minutos. Pode ser maravilhoso começar e terminar nosso dia com esta prática.
Seja sentado, caminhando ou comendo, trazemos uma consciência gentil e amorosa para nossa respiração. Cultivar a atenção plena é um presente que oferecemos a mesmos e não uma briga ou luta.
Ao desenvolver uma intimidade com a respiração, com nosso corpo e com o mundo ao nosso redor enquanto ele se desenrola, começamos a notar os lugares e as situações em que nos retraímos, quando não somos tão abertos como poderíamos ser. Começamos a descobrir nossos padrões de fechamento, de fuga. Eu gosto de chamá-los "os lugares onde nos escondemos" ou às vezes "as faixas no tapete".
Eu adorava visitar a casa dos meus avós. Até a década de 1980, ainda era decorada em estilo dos anos 70: papel de parede marrom e laranja, armários cor de abacate e cadeiras de cor de mostarda. Uma das coisas que eu mais amava era me deitar no seu tapete macio. Ao longo dos anos, vias ou faixas começaram a aparecer no tapete: uma faixa indo e voltando da cozinha, outra indo e voltando de uma cadeira especial e assim por diante. Meus avós tinham caminhos definidos por onde costumavam andar.
Nós também temos nossas "faixas no tapete" — vias neurais que viajamos continuamente, energias de hábito que continuamente se manifestam, nossos rituais diários. Para cultivar uma autêntica transformação do coração, precisamos entender que a meditação não é um lugar para se esconder ou se sentir "confortável", mas sim para se envolver com a vida, como ela se apresenta para nós em cada momento. Ao desenvolver a capacidade de estar presente com nossas experiências, começamos a notar nossos padrões habituais e somos capazes de sorrir para eles.
Embora intelectualmente possamos apreender que a essência da prática de atenção plena é escolher estar presente em cada momento cem por cento, muitas vezes lutamos contra aonde estamos, o que estamos fazendo ou com quem estamos com este momento devido as “faixas no tapete" que criamos para nós mesmos. Nós queremos estar em outro lugar, com outra pessoa, fazendo algo diferente.
Atenção plena é sempre a consciência de algo. É estabelecida e firme. Podemos trazer a atenção consciente à nossa respiração, ao nosso corpo, aos nossos sentimentos, aos nossos pensamentos, para contemplar uma situação e assim por diante.
Quando eu era muito jovem praticante no início de 1990, tive a oportunidade de fazer um curso de budismo básico em um templo chinês fora de Brisbane. Durante uma das lições, o Reverendo nos perguntou o que pensávamos que era meditação. Um de cada vez, os participantes ofereciam suas respostas e quando foi a minha vez, eu respondi, "meditação está relacionada com o balanceamento do microcosmo do corpo com o macrocosmo do universo."
O Reverendo, em seu crédito eterno, olhou para mim com muita compaixão naquele momento e simplesmente acenou com a cabeça antes que mudasse para a próxima pessoa. Quando todo mundo tinha respondido, o Reverendo olhou para nós e compartilhou que meditação budista era aprender a trazer a nossa mente para descansar em um ponto.
Eu amo essa descrição de meditação. Quando desenvolvemos nossa capacidade de estar presentes com nossas próprias experiência (atenção plena ou sati), naturalmente se aprofunda a concentração (samadhi). Concentração na meditação budista não é o tipo de concentração que normalmente associamos a estudar para os exames e que nos deixa exaustos depois de algumas horas. É descrito como "trazer a mente para descansar." Você já andou muito em um dia quente, ensolarado e em seguida, sentou-se debaixo de uma árvore grande, com sombra, com as costas encostadas no tronco? Esta é a experiência da concentração na meditação budista. Também ouvi a concentração sendo descrita como mergulhar em um lago fresco: muito refrescante!
Lembro-me de um ensinamento que Thay nos deu em 1998. Ele compartilhou que no estilo de prática Plum Village, uma hora de estudo devem ser iguais a sete horas de prática; para cada hora de aprendizagem em um livro, precisamos ter sete horas de colocar isso em prática, aplicá-lo de verdade. Muitos de nós são muito bons em aprender um monte de conceitos e terminologias budistas: lendo livros de Dharma, sutras, comentários e assim por diante, mas na verdade não são tão bons pegando estas práticas e aplicando-as nas nossas vidas diárias. Alguma vez você já se perguntou porque é assim? Como isto se relaciona com as “faixas no tapete", nossas energias de hábito ou zonas de conforto que mencionamos anteriormente?
(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)
Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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