domingo, 23 de junho de 2013

Os Dez Grilhões Que Nos Prendem

Nosso sofrimento vem principalmente de nossas mentes e de como vemos o mundo. Na tradição budista falamos dos dez tipos de grilhões, algemas, (samyojana), que nos prendem e nos privam de nossa liberdade. A palavra sânscrita samyojana pode ser traduzida como "nós" e esses grilhões são como nós apertados dentro de nós. Esses grilhões nos empurram para fazer e dizer coisas que não queremos fazer ou dizer. Eles são muito poderosos. Nossa atenção plena, concentração e discernimento (insight) devem ser igualmente poderosos para poder desatar esses nós.
 O primeiro grilhão é o desejo desmedido, avidez. O perigo do desejo desmedido é que nós acreditamos que o objeto do nosso desejo é o que realmente queremos, e o que pode nos trazer felicidade. Então, não vemos o perigo de correr atrás dele. Mas quando o desejo desmedido surge em nós, não estamos mais em paz, não estamos satisfeitos com o que temos e o que somos. O ensinamento do Buda é sobre viver feliz agora no presente, mas quando a chama do da avidez está dentro de nós, já não temos essa capacidade. Acreditamos que sem o objeto de nosso desejo desmedido, não poderemos ser realmente felizes, e por isso perdemos toda a nossa paz e capacidade de termos felicidade no aqui e agora. Como podemos nos desfazer desse entrave?
 O Buda usou muitas imagens para ilustrar a avidez. Uma delas é exemplificar a pessoa que tem esse desejo intenso como alguém segurando uma tocha indo contra o vento, o fogo vai queimar sua mão. A segunda imagem do Buda é a de um cachorro mordendo um osso desencapado. Não importa o quanto ele mastigue o osso, ele nunca estará satisfeito, porque no osso não há carne, nem suco. Hoje em dia, o osso pode até ser feito de plástico. O objeto da avidez é assim, ele nunca pode nos satisfazer.
 A terceira imagem é a de um anzol e uma isca que são usados para capturar peixes. Você joga o anzol no rio e quando o peixe vê a isca que parece tão atraente, ele quer mordê-la. Mas o peixe não sabe que dentro da isca há um gancho. O objeto do nosso desejo desmedido é assim, o perigo está escondido. Por vezes, a isca é feita de plástico e o peixe não pode mesmo comer, no entanto, parece muito atraente, o peixe morde e é fisgado. Então, nós temos que olhar profundamente para ver a verdadeira natureza do objeto do nosso desejo. Se virmos isso claramente, ele vai perder o seu apelo e, então, estaremos livres. É por isso que nós precisamos olhar profundamente para ver os perigos ocultos nos objetos da nossa avidez.
 O segundo obstáculo é a raiva e a violência. A chama da raiva é tão destrutiva como a chama do desejo desmedido. Quando a raiva nos habita, não temos paz, não temos capacidade de sermos felizes no aqui e agora. Temos que praticar a concentração, olhar profundamente, a fim de ver que a nossa raiva surge da ignorância e visões erradas. Compreendendo a Primeira e a Segunda Nobres Verdades - sofrimento e suas causas, seremos capazes de superar a raiva e desatar os nós de raiva. Se sentirmos a raiva surgindo em nós, poderemos praticar parar e respirar de tal forma que possamos desatar o nó da nossa raiva.
 O terceiro grilhão é a ignorância que significa visão errada. Estamos confusos e não sabemos para onde ir e o que fazer. Assim, a partir de nossa ignorância, fazemos e dizemos as coisas erradas. Não sabemos o que é certo e errado e, ao invés de sentarmos com a nossa ignorância, deixando surgir o insight, agimos a partir da ignorância. Esse é o terceiro tipo de grilhão que temos que nos livrar.
 O quarto grilhão são nossos complexos que nos levam a gastar o nosso tempo e energia comparando-nos com os outros. Há três complexos: superioridade, inferioridade e igualdade. Cada um deles nos prende mesmo o complexo de igualdade, porque ficamos focados em um sentimento de um contra outro, e ficamos competindo e nos comparando com as outras pessoas. Estes complexos existem porque temos a noção de que somos um eu separado. Comparamos aquele eu com os outros eus. É assim que os três complexos surgem e eles só trazem sofrimento.
 O quinto grilhão é a dúvida e a suspeita. Quando temos suspeita ou dúvida em nós, não estamos em paz, não somos livres. Nossa suspeita e dúvida podem vir de nossa ignorância, nossos complexos ou do nosso desejo desmedido. Talvez nós saibamos o que é certo, mas não agimos, porque estamos retidos por nossas dúvidas e suspeitas.
 Do sexto ao décimo grilhões focamos nas percepções erradas e visões erradas que levam ao nosso sofrimento. O sexto grilhão é a visão de que este corpo sou eu e que este corpo é um eu separado. Você simplesmente acredita que você é esse corpo. Isso significa que você acha que com a desintegração deste corpo não vai mais estar aqui. Acredita que antes da formação deste corpo você não estava aqui. Se tiver este ponto de vista, então você adiciona sofrimento desnecessário na sua vida.
 O sétimo grilhão é acreditar que os pares de opostos são independentes. Você acredita que a direita é totalmente diferente da esquerda, que não há nascimento e não há morte, que existe dentro e fora, ser e não ser, igualdade e diferença. Todos esses conceitos formam pares de opostos. Ser pego neles é ter visão errada. O ensinamento do Buda nos ajuda a transcender pares de opostos para podermos chegar a uma visão que é livre do pensamento dualista. O caminho do meio é o caminho da não-dualidade. Ele transcende todos os pares de opostos, como ser e não ser, nascimento e morte, dentro e fora, e objeto e sujeito.
 O oitavo grilhão é o apego a idéias. Quando você aprende sobre algo, forma uma noção sobre o assunto. Isso é muito natural. Mas se você for capturado por essa noção, não deixará que novas informações ou idéias mudem essa noção. Você não pode progredir em seu caminho espiritual. Então você deve ter cuidado para não considerar o que você aprendeu o que você já ouviu falar, como sendo a verdade absoluta. Você deve ser capaz de deixá-la ir, a fim de chegar a uma verdade mais elevada. Na ciência, se você descobriu alguma coisa e acredita que seja a verdade absoluta, então você não vai procurar mais, e não será mais um verdadeiro cientista.
 A fim de avançar no nosso caminho, temos que estar prontos para desapegar do nosso ponto de vista, liberar nossa compreensão. É como subir uma escada. Se você chegou até o quarto degrau, e você acha que você está no degrau mais alto, então você não vai subir mais. Você tem que soltar o quarto degrau, a fim de chegar ao quinto. E quando você alcançou o quinto degrau, você deve estar pronto para liberá-lo, a fim de chegar ao sexto. Assim, o conhecimento pode ser um obstáculo para a sabedoria. Se você vir e entender alguma coisa, tenha certeza de que é algo que você vai ser capaz de liberar no futuro a fim de chegar a uma verdade maior. Esse é o ensinamento do desapego a pontos de vista.
O nono grilhão é a visão deturpada. Suponha que você acredite que as coisas acontecem por acaso e que não há nenhuma relação de causa e efeito. Esse é um tipo de visão deturpada. A lei de causa e efeito significa que quando você semear uma semente de feijão, você vai colher feijão. Quando você planta uma semente de raiva, você vai colher raiva. Se você for pego pelo grilhão da visão deturpada, não entenderá por que as coisas acontecem.
Elas apenas te parecem como injustas ou arbitrárias, porque não acreditando na lei de causa e efeito, achará que tudo acontece por acaso. Quando você é capaz de observar algo profundamente, pode ver que aquilo se manifesta por causa de muitas condições simultâneas. Acreditar que há apenas uma causa também é uma visão deturpada. Claro, todos nós experimentamos ferimentos, doença e dor que não podemos controlar, mas grande parte do sofrimento adicional que experimentamos por causa desta dor é causada pela visão deturpada.
As Quatro Nobres Verdades nos ensinam que o nosso sofrimento adicional muitas vezes vem de um modo de vida que é cheio de percepções erradas, pensamentos errados, fala errada e ações erradas.
O décimo grilhão é o apego a ritos e rituais. Quando você acredita que através da realização de um rito ou ritual particular, poderá experimentar a libertação e a salvação, você está preso por ritos e rituais. Talvez você acredite que pode comer todo tipo de carne, exceto a carne de vaca, e que a ingestão de carne de vaca impedirá a sua salvação. Ou acredite que pode comer todo tipo de carne, exceto carne de porco. Esses são tipos de tabus ou preceitos em que você pode ser pego.
Com compreensão você pode se libertar. Não é através da realização de rituais, cerimônias e observação dos tabus que você pode se libertar. Não há uma ação ou um ritual que vá lhe trazer a libertação. Libertação requer prática contínua, o compromisso contínuo de atenção plena, concentração e discernimento (insight).
Para ilustrar este grilhão, eu às vezes uso o exemplo de alguém que se curva ao Buda no altar. A prática correta de se curvar é uma espécie de meditação, uma maneira de olhar profundamente. É por isso que antes de se curvar ao Buda você deve saber que o Buda está em você e você está no Buda. Ambos, o Buda e você, têm a natureza de vazio.
Esta é uma maneira de olhar profundamente e que tem o poder de nos libertar. Se não fizermos isso e acreditarmos que nos curvarmos ao Buda seja um ato de devoção que vai nos ajudar a sermos salvos, estaremos presos em rituais.
Realizar a Eucaristia é o mesmo. O sacerdote parte o pão, te dá e depois te oferece o vinho para beber. Se, quando comer o pão e beber o vinho, você estiver em contato com todo o cosmos, então não estará preso no ritual, porque no pedaço de pão você verá a luz do sol, as nuvens, a terra e tudo do cosmos. Quando o sacerdote realiza a Eucaristia, ele quer que você esteja vivo e em contato com Jesus Cristo como uma realidade em si. Executar automaticamente é ser capturado pelo ritual. Então, não temos nada a não ser o ritual. Verdadeira comunhão é possível quando você está realmente vivo como participante do ritual. Isso é o que você quer, e não apenas o desempenho em uma forma vazia. A mesma coisa é verdade em cada tradição.
A meditação andando ou sentada pode ser apenas um ritual. Cantar pode ser apenas um ritual. Ficamos presos em rituais muito facilmente e isso é um dos grilhões que nós temos que romper. Se praticarmos de todo o coração, e não apenas seguindo a prática do rito, então a prática da atenção e percepção vai nos libertar e ritos e rituais se tornarão um veículo e uma oportunidade de praticar.

(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Good Citzens” - Tradução Leonardo Dobbin)

FONTE: http://sangavirtual.blogspot.com

sábado, 15 de junho de 2013

As Cinco Lembranças

Além de sermos capturado ao habitar eventos que aconteceram no passado, muitas vezes andamos com medo do que vai acontecer conosco no futuro. O medo da morte é um dos maiores medos que as pessoas têm. Quando olhamos diretamente para as sementes deste medo em vez de tentar encobri-las ou fugir, começamos a transformá-las. Uma das formas mais poderosas de fazer isso é com a prática das cinco lembranças. Se você respirar lenta e conscientemente, inspirando e expirando, profunda e lentamente, enquanto diz estas lembranças para si mesmo, isso vai te ajudar a olhar profundamente a natureza e as raízes do seu medo.

As cinco lembranças são:

Eu tenho a natureza do envelhecer. Eu não posso escapar da velhice.
Eu tenho a natureza do adoecer. Eu não posso escapar ter problemas de saúde.
Eu tenho a natureza do morrer. Eu não posso escapar da morte.
Tudo o que é querido para mim, e todos que eu amo, têm a natureza da mudança. Não há maneira de escapar de ser separado deles.
Eu herdo os resultados dos meus atos de corpo, fala e mente. Minhas ações são minha continuação.

Olhando profundamente em cada lembrança e inspirando e expirando com a nossa consciência em cada uma, envolvemos nosso medo de uma forma poderosa.

Eu tenho a natureza do envelhecer. Eu não posso escapar da velhice. Essa é a primeira lembrança: "Inspirando, eu sei que eu tenho a natureza do envelhecer. Expirando, eu sei que não posso escapar da velhice." Estamos todos com medo de envelhecer. Não queremos pensar sobre isso. Queremos que o medo de ficar em paz lá embaixo fique longe de nós. Esta contemplação vem do sutra do Anguttara Nikaya III 70-71. Certamente terei que envelhecer. Esta é uma verdade que é universal e inevitável. Mas a maioria de nós não quer reconhecê-la, assim vivemos mais ou menos em negação. No entanto, lá no fundo de nossas mentes, sabemos que é verdade.

Quando suprimimos nossos pensamentos de medo, eles continuam a apodrecer lá no escuro. Somos levados a consumir (alimentos, álcool, filmes, etc.) em uma tentativa de esquecer e evitar que esses pensamentos venham a tona em nossa consciência e assim alimentamos o ciclo que os faz crescer cada vez mais fortes.

Temos de ser capazes de aceitar isso como realidade, como a verdade, e não apenas como um fato lógico. Recitar essa lembrança não é mera atualização do óbvio, mas a chance de tomar uma verdade que precisamos experimentar diretamente. Podemos levar alguns momentos para deixar que a verdade penetre em nossa carne e ossos. Não devemos apenas deixá-la para a nossa compreensão intelectual ("Sim, sim, claro, agora eu sou jovem, mas um dia vou ficar velho"). Isso é apenas uma noção abstrata que não traz nenhum benefício, especialmente porque nossa mente funciona normalmente para reprimir e esquecer imediatamente depois de dizer isso. O Buda ensinou que quando chamamos e entramos em contato com a verdade que não podemos fugir da velhice e da morte, o medo e as coisas loucas que fazemos para tentar não sentir cessarão. Nós já não agiremos a partir de nossos medos inconscientemente e não alimentaremos o ciclo que o faz crescer cada vez mais forte.

Eu tenho a natureza do adoecer. Eu não posso escapar ter problemas de saúde. A segunda lembrança reconhece que a doença é um fenômeno universal: "Inspirando, eu sei que tenho a natureza do adoecer. Expirando, eu sei que não posso escapar ter problemas de saúde. "Siddhartha, o Buda, como era chamado antes de ter praticado e se iluminado, era um dos jovens mais fortes em Kapilavastu. Muitas vezes ele ficou em primeiro lugar em concursos desportivos, e todos, incluindo seu primo invejoso Devadatta, sonhavam em ter a coragem de Sidarta. Siddhartha naturalmente tornou-se arrogante, sabendo que poucas pessoas eram tão fortes quanto ele. Mas quando praticou olhando profundamente durante a meditação sentada, Siddhartha reconheceu sua arrogância e foi capaz de deixá-la ir.

Se estivermos em boa saúde, podemos pensar que ficar doente é para as outras pessoas. Olhamos de cima para baixo sobre os outros, dizendo que eles estão sempre ficando doente do nada, têm de tomar remédio e receber massagem o tempo todo. Pensamos que não somos como eles. Mas, um dia, provavelmente também adoeceremos. Se não formos diligentes em contemplar esta realidade agora, então quando esse dia, de repente vier sobre nós, não seremos capazes de lidar com isso. Nossas pernas ainda estão fortes, podemos correr, fazer meditação andando, jogar futebol. Podemos ainda usar os braços para fazer muitas coisas. Mas a maioria de nós não está fazendo bom uso de nossa capacidade de cuidar bem dos outros e de nós mesmos. Nós não estamos usando a nossa energia para a prática de transformar as nossas aflições e ajudar a aliviar o sofrimento dos outros e de nós mesmos.

Um dia, nós vamos estar deitados na cama, e mesmo que não quisermos nada além do que apenas nos levantar e dar um passo, não seremos capazes de fazê-lo. É por isso que temos que ver bem no momento presente que, tendo um corpo, com certeza vamos ficar doentes um dia. Vendo isso, naturalmente, vai cair nossa arrogância sobre a nossa boa saúde. O caminho da conduta correta irá aparecer, vamos fazer bom uso de nosso tempo e energia para fazer o que é necessário e não sermos levados por buscas sem sentido que podem destruir nossos corpos e mentes. O que nós precisamos fazer se tornará claro.

Eu tenho a natureza do morrer. Eu não posso escapar da morte. Esta é a terceira lembrança: "Inspirando, eu sei que tenho a natureza do morrer. Expirando, eu sei que não posso escapar da morte. Esta é a terceira lembrança: "Inspirando, eu sei que tenho a natureza do morrer. Expirando, eu sei que não posso escapar da morte. "É um simples e verdadeiro fato que você está relutante em enfrentar. Você quer que este fato se perca, porque você está com medo. É doloroso para você olhar profundamente para ele. A morte é uma realidade que temos de enfrentar.

A mente subconsciente está sempre tentando esquecer isso, porque quando tocamos esse medo e não estamos equipados com a energia de plena atenção, e assim sofremos. O nosso mecanismo de defesa empurra-nos para esquecer, nós não queremos ouvir sobre ela. Mas no fundo de nossas mentes, o medo da morte está sempre presente, empurrando-nos.

Quando realmente encaramos o fato de que vamos morrer um dia (e talvez mais cedo do que pensamos), não vamos nos constranger fazendo coisas ridículas, mantendo a ilusão de que viveremos para sempre. Contemplando nossa mortalidade nos ajuda a concentrar nossa energia na prática de transformar e curar a nós mesmos e ao nosso mundo.

Tudo o que é querido para mim, e todos que eu amo, têm a natureza da mudança. Não há maneira de escapar de ser separado deles. Esta é a quarta lembrança: "Inspirando, eu sei que um dia eu vou ter que deixar tudo e todos que eu amo. Expirando, não há nenhuma maneira de mantê-los comigo." Tudo o que eu aprecio hoje eu vou ter deixar para trás amanhã, seja a minha casa, a minha conta bancária, meus filhos, meu parceiro ou a beleza. Tudo o que eu aprecio hoje, vou ter que abandonar. Eu não posso levar nada comigo quando morrer. Esta é uma verdade científica. O que nós prezamos, o que pertence a nós, hoje, não estará lá amanhã, vamos ter que deixar não só de nossos objetos mais queridos, mas também as pessoas que amamos.

Nós não podemos levar nada nem ninguém conosco em nossa morte. No entanto, cada dia nós nos esforçamos para acumular mais e mais dinheiro, conhecimento, fama, e tudo o mais. Mesmo quando chegamos aos 60 ou 70 anos de idade, queremos agarrar mais conhecimento, dinheiro, fama e poder.

Sabemos que as lembranças e objetos que cobiçamos devem ser abandonados um dia. É por isso que aqueles que estão na vida monástica não buscam acumular coisas. O Buda disse que monásticos devem ter apenas três túnicas, uma tigela, um filtro de água, e um tapete, e mesmo essas poucas coisas eles também devem estar preparado para liberar. O Buda disse muitas vezes que não devemos ser apegados nem mesmo a pé da árvore onde gostamos de sentar e dormir. Devemos ser capazes de sentar e dormir ao pé de qualquer árvore. Nossa felicidade não deve depender de ter esse ponto particular. Devemos estar prontos para soltar.

Se praticarmos e formos capazes de soltar, poderemos ser livres e felizes agora, hoje. Se não pudermos deixar ir, vamos sofrer não apenas no dia em que finalmente estivermos obrigados a fazê-lo, mas agora, hoje e todos os dias no meio, porque o medo estará constantemente nos perseguindo. Há pessoas idosas que ainda são muito gananciosas e avarentas continuando a guardar tudo. Isto é uma vergonha. Não é porque eles não sejam inteligentes o suficiente para ver que, em breve, talvez em poucos meses, eles terão de abrir mão de tudo. É porque a cobiça se tornou um hábito, ao longo de suas vidas eles foram buscar a felicidade no acúmulo coisas. Mesmo apenas três meses antes de morrer, o hábito é ainda forte e os impede de soltar.

Há uma lenda vietnamita sobre um homem rico chamado Thach Sung que estava muito orgulhoso porque seu armazém tinha tudo que poderia ser encontrado no armazém do rei. Ele felicitou-se por ter tanto ouro e tesouro como o próprio rei, talvez até mais. O rei perguntou Thach Sung um dia se ele tinha certeza de que ele era o homem mais rico. Thach Sung estava muito seguro de si mesmo, e apostou que, se houvesse alguma coisa no armazém do rei, que não estivesse em seu próprio armazém, ele daria tudo o que tinha para o rei. Esta é a arrogância da riqueza.

Com os ministros do rei testemunhando, o desafio começou. Na verdade, tudo o que o rei exibia, Thach Sung também tinha. Mas no final do dia, havia uma coisa que o rei tinha que Thach Sung não tinha: uma panela quebrada! A panela quebrada não poderia ser usada para fazer sopa, mas poderia ser usada ​​para fazer os pratos de peixe ou tofu. O ministro da Justiça declarou que Thach Sung tinha perdido a aposta. Thach Sung teve de cumprir sua promessa e dar todos os seus bens para o rei. Ele estava tão chateado que se transformou em um lagarto, sempre estalando a língua, "Tsk, tsk! Tsk, tsk!"

Nós não queremos nos tornar Thach Sung, buscando a felicidade no acúmulo de coisas materiais. O Buda certa vez disse aos monges para olhar para o céu à noite para ver a lua, e perguntou-lhes se eles viam como era grande a felicidade da lua enquanto viajava no vasto espaço aberto. Como profissionais, devemos nos permitir ser tão livres como a lua. Se estamos ligados à obtenção de mais e mais riquezas, fama, poder e sexo, perdemos nossa liberdade.

Eu herdo os resultados dos meus atos de corpo, fala e mente. Minhas ações são minha continuação. A quinta lembrança nos lembra que, quando morremos, as únicas coisas que continuam, são os nossos pensamentos, palavras e ações, isto é, o nosso karma. "Inspirando, eu sei que eu não levo nada comigo, exceto os meus pensamentos. Expirando, apenas minhas ações vêm comigo." Todos os pensamentos que você pensou todas as palavras que você tem dito todas as ações você tem feito com o seu corpo são o carma que se te segue e são sua continuação. Tudo o resto você deixa para trás.

Aqui estamos falando de herdar não as economias de nossos pais, mas os frutos de nossas próprias ações. O que temos pensado, dito e feito é chamado karma, que em sânscrito significa ação. O que nós fazemos, dizemos, e pensamos continua após o ato, e seus frutos nos seguem.

Querendo esta herança ou não, ele fica com a gente. Todos os nossos queridos pertences e entes queridos, devemos deixar para trás, mas o nosso karma, o fruto de nossas ações, sempre nos acompanha. Nós nunca podemos escapar disso, nós nunca pode dizer: "Não, você não tem direito de me perseguir!" Karma é o terreno em que estamos. Nós só temos uma base, e que é o nosso carma. Nós não temos nenhuma outra base. Vamos receber os frutos de qualquer ato que fizermos, sejam saudáveis ou não.

(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Fear” - Tradução Leonardo Dobbin)
FONTE: http://sangavirtual.blogspot.com

domingo, 2 de junho de 2013

Ouvindo a Sua Criança Interior




Esta semana trabalhamos com um texto que nos ensina dissipar medos e ressentimentos, através do olhar consciente e o cuidar bem de nós próprios. Temos que voltar e cuidar da Criança Ferida dentro de nós. Onde você tem que praticar o voltar para a sua criança ferida todos os dias. Você tem que abraça-la com ternura, como um grande irmão ou uma irmã mais velho.




Devemos ouvir a criança ferida dentro de nós. A criança ferida em nós está aqui no momento presente. E nós podemos curá-la agora. "Minha querida criança ferida, eu estou aqui para você, pronto para ouvi-la. Diga-me todo o seu sofrimento, toda a sua dor. Estou aqui, realmente ouvindo." Temos que abraçar essa criança e, se necessário, temos que chorar junto com ela, talvez enquanto estivermos fazendo meditação sentada. Nós podemos ir para uma floresta e fazer isso. E se você sabe como voltar para ela e ouvi-la assim todos os dias por cinco ou dez minutos, a cura ocorrerá.

Entre nós há pessoas que praticaram isso e depois de um período de prática, houve uma diminuição de seu sofrimento e uma transformação. Depois de praticar assim, vemos que a relação entre nós e os outros tornou-se muito melhor, muito mais fácil. Nós vemos mais paz, mais amor em nós.

Sua criança interior e você não são exatamente dois, mas vocês não são exatamente um também. Vocês se influenciam mutuamente. Como adultos, podemos praticar a atenção plena e convidar a criança interior para se juntar a nós na prática. A criança interior é tão real quanto o adulto. É como a semente de milho que ainda é real na planta de milho. Está presente, não é só uma questão do passado. Então, se a planta de milho sabe que ela é una com o grão de milho, a conversa é possível. Se nós temos a tendência a voltar para o passado e viver as lembranças dolorosas do passado, temos que estar cientes de que nós e nossa criança interior vão voltar para o passado para viver essa experiência, este medo, e esse desejo novamente. Tornando-se um hábito e nós não queremos fazer isso, pois isso não nos ajuda.

Em vez disso, nós falamos com a criança interior. Nós a convidamos a vir para cima, para sair e fazer amizade com a vida no momento presente. Ficar no momento presente é uma prática, é um treinamento. Enquanto estamos estabelecidos no presente momento, não sofremos o trauma do passado. No presente momento, podemos perceber que existem tantas maravilhas, tantas condições positivas. Assim, pegar a mão da criança interior e brincar, e ficar mais profundamente em contato com essas maravilhas da vida é verdadeiramente a prática. Às vezes precisamos de apoio, alguém que confiamos para nos ajudar a fazer isso facilmente, porque há uma tendência natural para deslizar de volta ao passado.

Todos os tipos de desejos são a continuação do nosso desejo original para ficarmos seguros. A criança em nós continua a se preocupar e ter medo. No presente momento não há nenhum problema, nenhuma ameaça. Se não temos um problema no momento presente, isso significa que não temos um problema. Por que continuar a se preocupar e ter medo? Nós temos que transmitir essa sabedoria para a criança interior. Precisamos deixar a criança dentro de nós saber que ela não tem mais que ter medo.

Nós podemos ir para uma colina e ficarmos sozinhos, caminhar entre ameixeiras e ou videiras, e falar com nossa criança interior. Podemos dizer, "Meu querido irmão, minha querida irmã, eu sei que você sofre. Você é minha criança interior. Eu sou você. Crescemos. Portanto, não tenha medo. Estamos seguros. Temos os meios para nos proteger. Venha comigo e esteja no momento presente. Não deixe o passado nos aprisionar. Pegue minha mão e vamos caminhar juntos. Vamos aproveitar cada passo."

Nós realmente devemos falar com a criança interior, em voz alta - e não apenas pensar. Você pode gostar de falar com a sua criança interior a cada dia. E a cura acontecerá. E ela irá acompanhar você em sua vida. Podemos falar com a criança, pegar a mão dela, e trazê-la para o momento presente para desfrutar a vida no Aqui e no Agora. Se temos 15 minutos para falar desta forma para a criança vulnerável dentro de nós, podemos expor o velho medo.

Pense em uma panela de água fervente com a tampa. O vapor vai empurrar a tampa. Se você retirar a tampa para que o vapor possa sair, não haverá mais nenhum problema. O vapor não estará mais criando muita pressão, ele foi liberado.

Da mesma forma, se podemos falar com a nossa criança interior desta forma e expor o medo original da infância para a luz da consciência, podemos começar a cura. Temos que tranquilizar a criança que, embora o medo seja real, já não tem qualquer fundamento. Nós nos tornamos adultos. Podemos nos proteger e nos defender.

Temos que conversar com a criança e tão importante quanto isso, temos que deixar a criança falar, deixar a criança se expressar. Se não tivemos a chance de falar enquanto crianças, aqui é a oportunidade.

Tente colocar duas almofadas, uma de frente para a outra. Sente-se em uma almofada e olhe para a outra. Visualize-se sentado como uma criança de cinco anos ou quatro anos, ou três anos de idade, e fale com ela: "Minha querida criança interior, eu sei que você está aí. Você está ferida, eu sei você já passou por muito sofrimento. Eu sei que é verdade, porque eu era você. Mas agora eu estou falando com você como seu eu adulto, e eu quero dizer-lhe que a vida é maravilhosa, com muitos elementos refrescantes e curadores. Não vamos ser arrastados para o passado, para viver e experimentar de novo e de novo o sofrimento. Se você tem algo a me dizer, por favor, diga-me. "

Então, você se senta na outra almofada ou se você quiser pode deitar como uma criança de três anos de idade, e fale com uma linguagem de uma criança. Você pode reclamar. Você reclama que você é frágil e vulnerável, impotente, você não pode fazer nada, que você está com medo. Você quer muito a presença de uma pessoa adulta. Você tenta expressar isso, e faz o papel da criança interior. Se alguma emoção, algum medo vier é bom. Você sente um medo real. Você sente o desejo real de ter alguém perto de você,  te protegendo e assim por diante.

Então você volta para a outra almofada e diz: "Bem, eu escutei você, minha criança interior. E eu entendo completamente o sofrimento. Mas, você sabe, crescemos e nos tornamos adultos. Somos agora capazes de nos defender. Podemos impedir a outra pessoa de fazer as coisas que nós não queremos e podemos fazer tudo por nós mesmos. Nós não precisamos de um adulto... nós não precisamos de ninguém. Nós podemos ser completos dentro de nós mesmos. Nós realmente não precisamos de outra pessoa a fim de que sejamos nós mesmos. A tendência é acreditar que deve haver uma outra pessoa para desempenhar o papel de nossos pais, mas isso é apenas um sentimento, que não está baseado na realidade. Tenho experimentado que podemos ser auto-suficientes em nós mesmos, podemos obter satisfação em nós mesmos. Nós não precisamos que outra pessoa esteja presente para que nós relaxemos e estejamos à vontade".

Se preferir, você não precisa mudar de almofada ou até mesmo falar em voz alta. Se você falar e ouvir assim com a sua criança interior todos os dias por cinco ou dez minutos, a cura ocorrerá.

Você também pode escrever uma carta de uma, duas ou três páginas para a criança interior em você, dizendo que você reconhece sua presença e vai fazer tudo o que puder para curar suas feridas. Depois de escrever algumas cartas para a sua criança interior, então você pode perceber se a criança interior tem algo para escrever de volta!

Outra maneira de se certificar de que a criança dentro de nós se sente segura é convidar a criança de dentro para sair e brincar no momento presente. Quando você subir uma bela montanha, por exemplo, convide sua criança interior para subir com você. Quando você contemplar o belo pôr do sol, convide-a para se divertir com você. Se você fizer isso por algumas semanas ou alguns meses, a criança ferida em você, irá experimentar a cura.

Se fomos profundamente feridos quando crianças, torna-se difícil confiar e amar. Sendo difícil permitir que o amor penetre nós. Mas nessa prática, somos aconselhados a ir para casa e cuidar da nossa criança ferida, mesmo que isso seja difícil. Precisamos de instruções sobre como fazer isso de modo que não sejamos oprimidos pela dor interna. Nós praticamos o cultivar da energia de plena consciência para nos tornarmos fortes o suficiente. Além disso, a energia de plena consciência dos amigos pode nos ajudar. Talvez na primeira vez que formos para nossa casa interior, precisemos que um ou dois amigos, especialmente aqueles que têm sido bem sucedidos na prática, estejam próximos a nós, para nos emprestar seu apoio, atenção e energia. Quando um amigo se senta perto de nós e pega nossa mão, combinamos a energia dele com a nossa própria energia, para abraçar a nossa criança interior ferida.

Se você tem uma Sangha amorosa, então a sua prática será mais fácil. Praticar sozinho, sem o apoio de irmãos e irmãs, seria muito difícil, especialmente para alguém que está apenas começando. Tomando refúgio na Sangha e ter irmãos e irmãs para ajudá-lo, dar conselhos, e apoiá-lo nos momentos difíceis é muito importante.

(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Reconciliation” - Tradução Leonardo Dobbin)
FONTE: http://sangavirtual.blogspot.com