segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

As Seis Perfeições (Paramitas)

As seis paramitas são ensinamentos do Budismo Mahayana. Paramita é uma palavra que pode ser traduzida como “perfeição” ou “realização perfeita”. O ideograma chinês para este termo significa “atravessar para a outra margem”, que é a margem da coragem, da paz e da libertação. As perfeições devem ser praticadas em nossa vida diária. Estamos atualmente na margem do sofrimento, da raiva e da depressão, e queremos atravessar para a margem do bem-estar. Para atravessar, é preciso fazer alguma coisa, e é a isso que chamamos de perfeição. Assim, voltamos para nós mesmos, praticamos a respiração consciente e olhando nosso sofrimento, nossa raiva, nossa depressão, e sorrimos. Ao fazer isso, superamos a dor e atravessamos. Devemos praticar as “perfeições” todos os dias.

(1) Dana paramita – Doação, generosidade, oferta.
(2) Shila paramita – Os preceitos ou treinamentos da atenção plena.
(3) Kshanti paramita – Tolerância, a capacidade de acolher, suportar e transformar a dor infligida a você por seus inimigos e também pelas pessoas que o amam.
(4) Virya paramita – O esforço, energia, perseverança.
(5) Dhyana paramita – A meditação.
(6) Prajna paramita – A sabedoria, compreensão, insight.

Praticar as seis perfeições ajuda a atingir a outra margem – a margem da liberdade, da harmonia e dos bons relacionamentos.

A primeira prática da travessia é a perfeição da generosidade (a dana paramita). Dar significa, primeiro, oferecer alegria, felicidade e amor. Existe uma planta, muito conhecida na Ásia – um membro da família das cebolas, que fica deliciosa nas sopas, no arroz frito e nos omeletes – que a cada vez que a cortamos torna a crescer em vinte e quatro horas. E quanto mais se corta essa planta, maior e mais forte ela cresce. A planta representa a dana paramita. Não guardamos nada para nós. Apenas queremos dar. Talvez a outra pessoa se sinta feliz com isso, mas com certeza os maiores beneficiados seremos nós mesmos. Em diversas histórias sobre as vidas passadas de Buda, nós o encontramos praticando a perfeição da generosidade.

A maior dádiva que podemos dar a alguém é nossa presença verdadeira. Um menino que conheço ouviu de seu pai: “O que você quer de aniversário?” O menino hesitou. O pai era rico e podia lhe dar o que pedisse. Mas passava tanto tempo ganhando dinheiro que quase nunca estava com a família. Por isso, o menino respondeu: “Pai, eu quero você!” A mensagem era clara. Se amamos alguém, temos que ofertar nossa presença verdadeira a essa pessoa. Quando damos esse presente, recebemos ao mesmo tempo o presente da alegria. Aprenda a oferecer sua presença verdadeira através da meditação. Inspirando conscientemente, promova a união do corpo e da mente. “Querido, estou aqui para você” é um mantra a ser repetido quando praticar essa perfeição.

O que mais podemos oferecer? Nossa estabilidade. “Inspirando, eu sou uma montanha. Expirando, eu me sinto firme.” A pessoa que amamos necessita de que sejamos firmes e estáveis. Podemos cultivar nossa estabilidade através da inspiração e da expiração, da caminhada com atenção plena, da meditação sentada, e também gostando de viver profundamente cada momento. A firmeza é uma das características do Nirvana.

O que mais podemos oferecer? Nossa liberdade. A felicidade não é possível, a menos que estejamos livres de aflições tais como desejo, raiva, ciúme, medo, ou percepções errôneas. A liberdade é uma das características do Nirvana. Alguns tipos de felicidade são realmente destrutivos para o corpo, a mente e os relacionamentos. Estar livre de desejos é uma prática importante. Contemple profundamente a natureza daquilo que você acha que vai lhe proporcionar felicidade e pense se, de fato, isso pode implicar sofrimento para aqueles que ama. É preciso ter certeza disso se queremos ser realmente livres. Volte-se para o momento presente, e desfrute as maravilhas da vida que estão disponíveis. Existem tantas coisas saudáveis capazes de nos proporcionar felicidade, como por exemplo um lindo nascer do sol, o céu azul, montanhas, rios, e os rostos felizes das pessoas que nos cercam.

O que mais podemos oferecer? Nosso frescor. “Inspirando, eu me vejo como uma flor. Expirando, eu me sinto com o frescor.” Podemos inspirar e expirar três vezes para restaurar a flor dentro de nós. É um grande presente!

O que mais podemos oferecer? Paz. É maravilhoso sentar-se ao lado de alguém que esteja em paz. Nós nos beneficiamos com a sua paz. “Inspirando, eu sou a água calma. Expirando, reflito as coisas como elas são.” Podemos oferecer nossa paz e nossa lucidez para aqueles que amamos.
O que mais podemos oferecer? Espaço. A pessoa amada precisa de espaço para ser feliz. Em um arranjo de flores, cada flor precisa de espaço ao seu redor para poder irradiar sua verdadeira beleza. As pessoas são como flores. Sem espaço interno e externo elas não podem ser felizes. Não podemos comprar este tipo de presente na loja. Temos que produzi-lo através da prática. E quanto mais dermos, mais teremos. Quando a pessoa que amamos está feliz, esta felicidade retoma para nós imediatamente. Nós damos algo a essa pessoa, mas na verdade estamos dando a nós mesmos.

Dar é uma prática maravilhosa. O Buda disse que quando se está zangado com alguém, a ponto de tentar de tudo e ainda continuar zangado, devemos praticar a perfeição da generosidade. Quando estamos com raiva, nossa tendência é punir a outra pessoa. Mas ao fazer isso só aumentamos nosso sofrimento. O Buda propôs que, em vez disso, mandássemos um presente para a pessoa que é motivo de nossa raiva. Quando estamos com muita raiva, não temos a menor vontade de sair e comprar um presente, por isso temos que preparar esse presente enquanto não estamos zangados. A seguir, quando tudo o mais falhar, devemos sair e enviar o presente para a pessoa. Constataremos, para nosso espanto, que logo estamos nos sentindo melhor. A mesma coisa é verdade no caso dos países. Para que Israel tenha paz e. segurança, os israelenses precisam achar formas de assegurar a paz e a segurança dos palestinos. E para que os palestinos tenham paz e segurança, eles também precisam encontrar maneiras de assegurar a paz e a segurança dos israelenses. Você recebe aquilo que dá. Em vez de tentar punir a outra pessoa, ofereça exatamente aquilo de que a pessoa necessita. A prática da doação pode conduzir rapidamente ao bem-estar.

Quando alguém nos faz sofrer, é porque essa pessoa sofre profundamente dentro de si mesma, e seu sofrimento está se esparramando do lado de fora. Esta pessoa não precisa de mais sofrimento, precisa de ajuda. Essa é a mensagem que está sendo enviada. Se você conseguir entender isso, ofereça o que a pessoa precisa – alívio. Felicidade e segurança não são questões individuais. A felicidade e a segurança do outro são fundamentais para a sua felicidade e a sua segurança. Deseje o bem do outro com sinceridade, para que você também fique bem.

O que mais podemos oferecer? Compreensão. A compreensão é a flor da prática. Focalize sua atenção concentrada em um objeto, observe profundamente o objeto, e você terá insight e compreensão. Ao oferecer compreensão aos outros, eles deixarão imediatamente de sofrer.
A primeira pétala da flor das perfeições é a prática da generosidade. Recebemos aquilo que damos, muito mais depressa do que os sinais enviados por satélite. Quer você dê sua presença, sua estabilidade, seu frescor, sua firmeza, sua liberdade, ou sua compreensão, sua dádiva fará milagres. A generosidade é a prática do amor.

A segunda prática é o aperfeiçoamento dos preceitos, ou treinamentos da atenção plena. Os Cinco Treinamentos da Atenção Plena ajudam a proteger o corpo, a mente, a família e a sociedade. O Primeiro Treinamento da Atenção Plena versa sobre proteger as vidas dos seres humanos, animais, vegetais e minerais. Proteger outros seres significa proteger a nós mesmos. O segundo treinamento versa sobre impedir a exploração de seres humanos, de outros seres vivos e da natureza. Relaciona-se com a prática da generosidade. O terceiro tem a ver com proteger crianças e adultos do abuso sexual, e preservar a felicidade dos indivíduos e das famílias. Muitas famílias já foram separadas devido à má conduta sexual. Quando praticamos o Terceiro Treinamento da Atenção Plena, protegemos a nós mesmos, as famílias e os casais, porque ajudamos os outros a se sentirem seguros. O Quarto Treinamento da Atenção Plena versa sobre praticar a fala amorosa e a escuta atenciosa. O Quinto Treinamento da Atenção Plena é sobre consumir de maneira consciente.

A prática dos Cinco Treinamentos da Atenção Plena é uma forma de amor e de doação. Assegura a boa saúde e a proteção da nossa família e da sociedade. Shila paramita é uma grande dádiva que oferecemos à sociedade, à família e àqueles a quem amamos. A maior dádiva que podemos ofertar aos outros é praticar os Cinco Treinamentos da Atenção Plena. Se vivermos de acordo com eles, estaremos protegendo a nós mesmos e as pessoas que amamos. Quando praticamos shila paramita, oferecemos o precioso presente da vida.

Vamos contemplar juntos as causas de nosso sofrimento, seja ele individual ou coletivo. Se fizermos isso, veremos que os Cinco Treinamentos da Atenção Plena são o remédio necessário para a doença de nossa época. Todas as tradições têm o equivalente aos Cinco Treinamentos da Atenção Plena. Cada vez que vejo alguém receber e praticar os Cinco Treinamentos da Atenção Plena, fico feliz – pela pessoa, por sua família e por mim mesmo – porque sei que essa é a forma mais objetiva possível de se ter consciência de tudo o que ocorre. Precisamos de uma Sangha ao nosso redor para poder praticar com profundidade.

A quarta pétala da flor é a virya paramita, a perfeição do esforço, a energia ou a prática contínua. O Buda disse que no fundo da nossa consciência armazenadora, alaya vijnana, existem diversos tipos de sementes, positivas e negativas – sementes de raiva, ilusão e medo, assim como sementes de compreensão, compaixão e perdão. Muitas dessas sementes nos foram transmitidas por nossos ancestrais. Deveríamos aprender a reconhecer cada uma delas dentro de nós, para poder praticar o esforço. No caso de uma semente negativa, como raiva, medo, ciúmes ou discriminação, deveríamos evitar que fosse irrigada na vida cotidiana, porque cada vez que tal semente é regada ela aparece na camada superior de nossa consciência, o que significa sofrimento, para nós e para aqueles que nos cercam. A prática é impedir que a semente negativa seja regada.

Também reconhecemos as sementes negativas nas pessoas amadas, e tentamos não regá-las. Se o fizermos, os seres que amamos serão infelizes, e conseqüentemente nós também. Essa é a prática da “irrigação seletiva”. Se você quer ser feliz, evite regar suas próprias sementes negativas e também as dos outros, e peça aos que o cercam que evitem regar as sementes que existem em você.

Tentamos reconhecer nossas sementes positivas, e viver nossa vida diária de tal forma que possamos ter contato com elas e ajudá-las a se manifestar na camada superior da nossa consciência, a mano vijnana. Cada vez que essas sementes se manifestam e permanecem lá por algum tempo, ficam mais fortes. Se as sementes positivas ficarem mais fortes, seremos mais felizes e tornaremos felizes aqueles que nos cercam. Reconheça as sementes positivas na pessoa que você ama, regue essas sementes, e essa pessoa ficará cada vez mais feliz. Em Plum Village, nós praticamos “regar as flores”, reconhecendo as melhores sementes dos outros e regando-as. Quando tiver tempo, por favor regue tudo o que há para ser regado. É uma grande prática de esforço, e traz resultados imediatos.

Imagine um círculo dividido em dois. Embaixo está a consciência armazenadora e em cima a consciência mental. Todas as formações mentais estão no fundo da consciência armazenadora. Todas as sementes podem se manifestar no nível superior, ou seja, na consciência mental. A prática consiste em fazer o melhor que pudermos para não deixar que as nossas sementes negativas sejam atingidas no dia-a-dia, para que não tenham oportunidade de se manifestar. As sementes da raiva, discriminação, desespero, ciúmes e desejo estão todas presentes. Fazemos o que podemos para impedi-las de subir. Dizemos às pessoas com quem vivemos: “Se você realmente me ama, não regue essas sementes em mim. Não é bom para a minha saúde nem para a sua.” Temos que saber quais os tipos de sementes que não devem ser alimentados. Caso uma semente negativa, uma semente de dor, for regada e se manifestar, usaremos todo o nosso poder para abraçá-la com nossa atenção plena e ajudá-la a voltar para o lugar de onde veio. Quanto mais tempo tais sementes ficarem na consciência mental, mais fortes se tornarão.

O Buda sugeriu uma prática chamada “trocar a cavilha”. Quando uma cavilha de madeira não é do tamanho certo, ou está podre, ou está quebrada, o carpinteiro a substitui por outra, colocando a nova cavilha exatamente no lugar da velha e martelando em cima. Se em você surgir uma formação mental considerada não-saudável, pratique convidando uma formação mental saudável para substituí-la. Existem diversas sementes lindas e saudáveis em nossa consciência armazenadora. Apenas inspire e expire, convidando uma delas a subir e a não sadia descerá. Isto se chama de “trocar a cavilha”.

Outra prática consiste em tocar tantas sementes positivas na consciência armazenadora quantas possível, para que se manifestem na consciência mental. Em um aparelho de televisão, quando queremos assistir a um determinado programa, apertamos o botão correspondente. Portanto, só chame sementes agradáveis para a sala de sua consciência. Nunca convide uma visita que vai lhe trazer tristeza e aflições. E diga aos seus amigos: “Se vocês gostam de mim, por favor, alimentem as boas sementes que existem em mim.” Uma semente fantástica é a atenção plena. A atenção plena é o Buda em nós. Use todas as oportunidades que tiver para regá-la e para fazer com que se manifeste no nível superior da consciência.

A quarta prática é manter uma semente saudável o mais tempo possível depois que ela se manifestou. Se a atenção plena for mantida por quinze minutos, a semente da atenção plena será fortalecida, e da próxima vez que você precisar da energia da atenção plena será mais fácil trazê-la à superfície. É muito importante ajudar as sementes da atenção plena, do perdão e da compaixão a crescerem, e a melhor forma de fazer isso é mantê-las na consciência mental o máximo de tempo possível. Isso se chama transformação na base – ashraya paravritti. Este é o verdadeiro sentido da virya paramita, a perfeição do esforço.

A quinta prática é a dhyana paramita, a perfeição da meditação. Dhyana é chamada de zen em japonês, chan em chinês, thien em vietnamita e son em coreano. A dhyana, ou meditação, tem dois atributos. O primeiro é o de parar (shamatha). Nós passamos nossa vida correndo atrás de uma idéia ou outra de felicidade. Parar significa parar de correr, parar de esquecer, parar de estar sempre preso no passado ou no futuro. Voltamos para casa, para o momento presente, onde a vida realmente se desenrola. Esse momento contém todos os outros momentos. Aqui podemos entrar em contato com nossos ancestrais, nossos filhos e netos, mesmo que eles ainda não tenham nascido. Shamatha é a prática de acalmar nosso corpo e nossas emoções através da prática de respirar consciente, caminhar consciente e meditar consciente. A shamatha é também a prática da concentração, para que possamos viver cada momento intensamente e entrar em contato com o nível mais profundo de nosso ser.

O segundo aspecto da meditação é olhar em profundidade (vipashyana), para ver a verdadeira natureza das coisas. Você olha com profundidade a pessoa que ama e descobre que tipos de sofrimento ou de dificuldades ela traz dentro de si, e também suas aspirações e anseios. A compreensão é uma grande dádiva, mas uma vida diária conduzida com atenção plena também é uma dádiva. Fazer tudo conscientemente é a prática da meditação, porque a atenção plena sempre alimenta a concentração e a compreensão.

A sexta pétala da flor é a prajna paramita, a perfeição da sabedoria. Este é o tipo mais elevado de compreensão, que se situa além de todo o conhecimento, conceitos, idéias e pontos de vista. Prajna é a natureza de Buda que existe em nós. É o tipo de compreensão que tem o poder de nos levar à outra margem, a margem da liberdade, da emancipação e da paz. No Budismo Mahayana a prajna paramita é descrita como a Mãe de Todos os Budas. Tudo o que é bom, lindo e verdadeiro nasce de nossa mãe, a prajna paramita. Ela está em nós, só precisamos atingi-Ia para que ela se manifeste. A Compreensão Correta é a prajna paramita.

Existe muita literatura sobre essa perfeição, e o Sutra do Coração é um dos discursos mais curtos sobre o assunto. O Sutra do Diamante e o Ashtasahasrika Prajnaparamita (Discurso dos 8.000 versos) são os mais antigos de todos. A prajna paramita é a sabedoria da não-discriminação.

Se você observar bem a pessoa amada, conseguirá entender seu sofrimento, suas dificuldades, e também suas aspirações mais profundas. E esta compreensão tornará possível o verdadeiro amor. Quando alguém nos entende, sentimo-nos felizes. Se pudermos oferecer compreensão a alguém, este é o verdadeiro amor. A pessoa que recebe nossa compreensão desabrocha como uma flor, e ao mesmo tempo nós também somos recompensados. A compreensão é o fruto da prática. Olhar em profundidade significa estar lá, estar atento, estar concentrado. Ao olharmos em profundidade para um objeto, fazemos com que a compreensão floresça. O ensinamento de Buda nos ajuda a entender a realidade de forma mais completa.

Olhem uma onda na superfície do oceano. Uma onda é uma onda. Ela tem um começo e um fim. Pode ser alta ou baixa, mais bonita ou menos bonita que as outras ondas. Mas, ao mesmo tempo, uma onda nada mais é do que água. A água é o fundamento do ser da onda. É importante que a onda saiba que ela é água, e não apenas uma onda.

Nós também vivemos nossa vida como indivíduos. Acreditamos que temos um começo e um fim, e que estamos separados dos outros seres vivos. É por isso que Buda nos aconselhou a olhar mais profundamente até atingir o fundamento de nosso ser, o Nirvana. Todas as coisas trazem em si a natureza do Nirvana. Tudo já foi “nirvanizado”. Esta é a razão do ensinamento do Sutra do Lótus. Quando contemplamos profundamente, tocamos a natureza da realidade. Ao contemplar uma pedra, uma flor, ou nossa própria alegria, paz, tristeza ou medo, entramos em contato com a dimensão maior do existir, que nos revelará que temos a natureza do não-nascimento e da não-morte.

Nós não precisamos atingir o Nirvana, porque sempre estivemos lá. A onda não tem que procurar água. Ela já é água. Nós somos o alicerce de nosso ser. Quando a onda entende que ela é água, todo o seu medo desaparece. Depois que tocamos o chão do existir, depois que tocamos Deus ou o Nirvana, recebemos a dádiva da ausência de medo, que é a base da verdadeira felicidade. O maior presente que podemos oferecer a outros é nossa falta de medo. Ao viver com intensidade todos os momentos de nossa vida, tocando o nível mais profundo de nosso ser, estamos praticando a prajna paramita. A prajna paramita é atravessar para o outro lado com a compreensão, com o insight.

Olhe para a sua situação e veja como você é rico internamente. Reconheça que tudo o que você tem no momento é um presente. Sem esperar nem mais um minuto, comece a praticar. Quando começar a praticar, vai se sentir imediatamente mais feliz. O Darma não é uma questão de tempo. Verifique isso por si mesmo: o Darma pode transformar sua vida.

Quando você está preso à tristeza, ao sofrimento, à depressão, à raiva ou ao medo, não fique na margem do rio em que existe o sofrimento. Passe para a outra margem, onde há liberdade e não existem medo nem raiva. Pratique a respiração consciente, a caminhada consciente, a contemplação profunda, e acabará passando para a margem da liberdade e do bem-estar. Não é necessário praticar por cinco, dez ou vinte anos para conseguir atravessar para a outra margem. Você pode fazer agora.

(Do livro “A Essência dos Ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Mente de Principiante: Conquistando meu Tédio

Nessa semana compartilhamos os insights de Mary Patterson, uma canadense que passou 40 dias em um retiro em Plum Village. No seu livro "The Monks and Me" ela relata sua experiência e o que aprendeu.

Estou na mesa da sala de jantar. Diante de mim está uma belíssima jovem monja vietnamita. Seus lábios cheios e maçãs do rosto proeminentes emolduram um rosto perfeitamente dourado. Mesmo com a cabeça careca e sem graça, vestes marrons, ela é deslumbrante. Por um momento, eu penso em raspar minha cabeça. Eu me pergunto se a beleza da monja fascina os monges. Eu não consigo tirar meus olhos dela. Um pensamento passa pela minha mente. Talvez monges e monjas tenham alcançado a escapada final de relacionamentos românticos.

Certa vez, deixei um relacionamento profundamente amoroso com um homem perto de ser perfeito. Na época, eu pensei que eu tinha seguido em frente para buscar ideais mais elevados, mas agora vejo que era simplesmente por causa do tédio. Eu percebo isso com muito mais clareza aqui, longe de casa, em um monastério budista, sentado ao lado da monja bonita. "Qual foi a verdadeira causa da minha letargia?" Eu pergunto silenciosamente. O que era esse tédio que eu sentia com o Sr. Maravilha? Thich Nhat Hanh poderia dizer que eu tinha perdido minha mente, minha "mente de principiante”. Ele poderia dizer apenas que eu tinha esquecido o que me fazia gostar tanto deste homem que me amava, talvez de forma mais completa do que qualquer outro tinha até então. Thay ensina que o esquecimento é o oposto da consciência e que somos feitos destes dois conflitos. E quando o nosso esquecimento domina a cena, absolutamente não possuimos uma mente de principiante.

Anos atrás, em um retiro de meditação, eu aprendi a estar atenta durante as minhas atividades diárias. Enquanto eu escovava os dentes, por exemplo, me concentrava apenas na tarefa. Ao lavar as mãos, andar ou almoçar, tentava acalmar minha mente tagarela e mergulhar totalmente em uma ação de cada vez. Ao me tornar consciente, percebi que eu não tinha sempre estado completamente concentrada nessas atividades diárias. Como tais ações eram muito regulares, eu as tinha feito com um grau de falta de atenção. Mas sempre que eu prestava muita atenção ao que eu estava fazendo, não importava qual atividade, algo mudava por dentro.

Eu me senti menos fora de mim. Eu me identifiquei mais com a minha energia interior. Em termos de ioga, esta energia é muitas vezes chamado de força de vida, chi, ou prana. Em termos simples, a atenção plena conectando-me ao meu verdadeiro eu. Sempre que eu era capaz de estar consciente, cada momento parecia novo, porque era, e não havia nada para minha mente habitual se agarrar. Eu não estava mais comendo um sanduíche de queijo de forma não atenta no momento presente me preocupando com o meu senhorio que não consertou o teto com goteiras no meu estúdio de ioga, por exemplo. Estar envolvida em uma ação de cada vez me impediu de fantasiar sobre um futuro dourado longínquo. Estes despertares para o momento presente, foram fugazes, mas quanto mais eu concentrava, mais os flashes vinham. E, quando chegavam, eu me sentia muito bem, porque estava vivendo a vida, não ruminando, pensando ou fantasiando sobre a vida. O tempo passa num piscar de olhos, mas estranhamente, agimos como se nós fôssemos viver para sempre. Acordar para o momento põe em evidência esta realidade. Aqui no mosteiro, lembro-me mais uma vez do poder de enriquecer a vida que concentração acentuada proporciona.

Então aqui estou eu, com a beleza inocente, num mosteiro distante, pensando sobre o que significa realmente saber exatamente o que estou fazendo em cada momento. Não é fácil. Mas eu sei que se eu puder estar tão consciente quanto possível, vou ser liberada dos meus habituais e dolorosamente repetitivos pensamentos irritantes, desde o desejo de algum homem incrivelmente perfeito até ruminar sobre as vicissitudes do relacionamento romântico. Com esses pensamentos varridos da mente, eu poderia estar na minha vida, mesmo através da mais mundana das tarefas. Eu podia experimentar a vida e não lamentar em vão coisas do passado, ou me preocupar sobre o que ainda está por vir. De alguma forma, é assim que funciona.

O jantar terminou e a bela  monja deixou a mesa. Ela se juntou a algumas de suas irmãs para limpar a sala de jantar. Sento-me aqui com a minha xícara de chá amarelo e as vejo com suas brilhantes esponjas e vassouras de palha à moda antiga. Nos próximos dias, vou ter esta meditação de trabalho. Mas não esta noite. Enquanto observo, todos esses seres tranquilos, sem exceção, parecem cuidadosamente focados em sua tarefa de uma maneira que parece diferente de como eu costumo limpar. Nada mais está em suas mentes, eu posso ver isto em seus rostos. Não há nenhum sinal de carrancas remoendo pensamentos. Estes seres de mente afiada estão pura e simplesmente varrendo o chão.

Lembro-me do místico Sadhguru dizendo algo como, o nosso problema é que estamos usando todas as atividades para melhorar o que somos, em vez de dissolver o que somos. Nós fazemos as coisas para nós mesmos no melhor dos modos, mas não fazemos da mesma maneira para os outros. Nós varremos nosso próprio andar melhor do que varremos o chão do nosso amigo. Estas monjas claramente não têm esta qualidade problemática.

Eu tomo outro gole de chá de camomila e decido que a mente que esquece muitas vezes domina a mente de principiante, porque deixamos o lugar comum se tornar rotina. Falta uma apreciação do significado da contínua atenção, especialmente durante as chamadas atividades mundanas, como esfregar um chão de sala de jantar. Testemunhando a equipe de limpeza das monjas, lembro-me que não tem que ser assim. É verdade que esse conflito de esquecimento e atenção plena é inerente à experiência humana, mas Thich Nhat Hanh ensina que, ao promover a atenção plena, você salta sobre a sua mente conflituosa.

De volta para casa no meu estúdio de ioga, enquanto ensino, muitas vezes tenho visto alguns de meus alunos fazendo posturas familiares como se estivessem fazendo casualmente um abdominal. Eles podem ter praticado uma certa postura centenas de vezes e, portanto, tornaram-se muito familiarizados com ela. Aquela postura então não tem poder. Os alunos estão moldando seus corpos, mas eles não estão realmente na postura. Se feita com familiaridade descuidada, mesmo uma prática destinada a melhorar a atenção plena pode alimentar a besta do esquecimento.

Em um artigo para a revista budista Shanbhala Sun, Thay elabora sobre a mente de principiante utilizando a atividade comum de beber chá:

Houve muitas vezes em que você bebeu chá e não sabia, porque estava absorto em preocupações. . . . Se você não sabe beber o seu chá em plena atenção e concentração, não está realmente bebendo chá. Você está bebendo a sua tristeza, seu medo, sua raiva e a felicidade não é possível.

Quantas vezes temos bebido nossa tristeza? Nós bebemos o nosso chá, mas nos preocupamos com outra coisa. Nesta passagem esclarecedora, vemos como a alegria pode vir simplesmente por estar consciente durante um ato cotidiano. Esta atenção inflama a felicidade naquele momento, mas também cria consciência em todas as áreas de nossas vidas, porque quando nós realmente bebemos o nosso chá, estamos praticando como seres conscientes de tudo o que fazemos.

Thay ensina que, para que um grande insight (visão) seja possível, este tipo de concentração deve ser estimulada o tempo todo. Se nós nos treinarmos para viver desta maneira, a felicidade e o insight vão continuar a crescer. Em seguida, as nossas tristezas e medos enfraquecerão. Eu olho para o copo de chá dourado em minhas mãos. "Eu tenho que constantemente estar consciente da importância da atenção aguda", eu penso. É claro, mas muito difícil.

Uma vez fui a um workshop sobre comunicação consciente ministrado por um homem que estava casado há 40 anos. Após o curso, um estudante se aproximou deste professor com uma pergunta: "Professor, como é que você não se cansa de estar com a mesma mulher por tantos anos?" O professor respondeu: "Eu não sei o que você quer dizer, por favor explique." O estudante tentou novamente: "Bem, você não almeja variedade às vezes?" O professor questionou novamente: "Eu ainda não entendo. Me desculpe, o que é que você está perguntando.?" O estudante: "Professor, não há momentos em que você quer estar com outra mulher?" O professor perguntou: "O que quer dizer exatamente, estar com outra mulher?" O aluno agora nervoso perguntou: "Sim, senhor, eu quero dizer se não você quer dormir com outra mulher?" E o professor respondeu: "Por que eu iria querer dormir com outra mulher. Minha mulher tem cerca de 300 personalidades e eu acho que eu descobri talvez uma centena delas. Todo dia eu acordo animado para ver um outro aspecto dela!"

Apesar de Thich Nhat Hanh ser monge desde a idade de 16, a sua visão sobre relacionamentos românticos é incrível. Em um artigo para a Shanbhala Sun, ele aconselhou:

Olhe nos olhos de seu amada e pergunte: Quem é você, minha querida? " Pergunte com todo o seu ser. Se você não dá a devida atenção para a pessoa que você ama, isto é uma espécie de morte. Se você está perdido em seus pensamentos, supondo que você sabe tudo sobre ela, ela vai morrer lentamente. Mas com atenção plena, você será capaz de descobrir muitas coisas novas e maravilhosas - suas alegrias, seus talentos ocultos, suas aspirações mais profundas. Se você não praticar a atenção apropriada, como pode dizer que a ama?

O piso da sala de jantar está agora brilhando, a alegre equipe de limpeza monástica colocou as vassouras e esponjas no armário. Eu sou a única pessoa na sala. As brasas azuis na lareira me hipnotizam enquanto eu continuo a ponderar sobre o mais desafiador dos estados de mente budista, a mente de principiante. A magia das crianças é a sua capacidade de mergulhar profundamente em tudo, a vida é uma coisa nova para estes jovens seres. Como adultos, nós geralmente só temos esse tipo de atenção quando aprendemos uma habilidade, nos lançamos em um empreendimento novo ou começamos um relacionamento romântico. Quando as coisas e as pessoas se tornam familiares, muitas vezes perdemos o interesse. Penso sobre este entusiasmo minguante, e tenho um momento de tristeza, apenas um dos muitos que vou experimentar aqui.

Eu percebo que devo tratar todos os seres vivos como fossem preciosos, especiais e misteriosos como o meu primeiro amor verdadeiro. Eu devo ter uma profunda curiosidade sobre a vida aqui na Terra. Penso agora sobre a melhor forma de aprimorar essa curiosidade. Albert Einstein disse: "A coisa importante é não parar de questionar. Curiosidade tem sua própria razão de existir Não se pode deixar de estar deslumbrado quando se contempla os mistérios da eternidade, da vida, da maravilhosa estrutura da realidade. É suficiente tentar apenas compreender um pouco desse mistério a cada dia. Nunca perca a santa curiosidade.”

Se eu estou totalmente presente enquanto ando na Terra, como posso causar destruição a ela? Se eu estou atenta durante todas as minhas atividades, como posso não criar a excelência? Se eu sei que o meu amor é um ser extremamente complexo, como posso não querer saber tudo sobre ele, ao mesmo tempo reconhecendo a impossibilidade disto como estimulante? Se eu estou ciente que vou morrer um dia, como posso desperdiçar um único momento? Eu não posso. Assim como o homem que foi casado por 40 anos, com alegria descobrindo muitas personalidades de sua esposa, eu vou descobrir a beleza e complexidade ao me tornar plenamente consciente da minha relação com todos os seres vivos e os mistérios a serem ainda descobertos.

O fogo da lareira está no seu último suspiro e minha xícara de chá está vazia. Levanto-me do banco da lareira para perceber que, no espaço de duas horas, uma monja bonita e um grupo de irmãs budistas felizes limparam um piso do salão de jantar com fervor Zen e mostraram-me a sabedoria de abordar tudo na vida com um olhar fresco como o de uma criança. No mínimo, desenvolver uma curiosa mente de principiante poderia muito bem manter um relacionamento romântico de longo prazo vivo com a alegria da descoberta constante. Isso seria uma coisa maravilhosa.

-Mary Patterson (do livro “The monks and me” – relatando a experiência dela em um retiro de 40 dias em Plum Village)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Nada Pode Sobreviver Sem Comida

Tudo o que consumimos atua para nos curar ou nos envenenar. Nós tendemos a pensar em nutrição apenas como o que absorvemos através de nossas bocas, mas o que consumimos com nossos olhos, ouvidos, narizes, línguas e corpos também é comida. As conversas que acontecem ao nosso redor e as que participamos também são comida. Estamos consumindo e criando o tipo de alimento saudável e que nos ajuda a crescer?

Quando dizemos que algo nos nutre e eleva as pessoas ao nosso redor, estamos alimentando o amor e a compaixão. Quando falamos e agimos de uma forma que causa tensão e raiva, estamos alimentando a violência e o sofrimento.

Nós frequentemente ingerimos comunicação tóxica daqueles que nos rodeiam e daquilo que assistimos e lemos. Estamos ingerindo coisas que aumentam nossa compreensão e compaixão? Se sim, é uma boa comida. Muitas vezes, nós ingerimos a comunicação que nos faz sentir mal ou inseguros sobre nós mesmos ou críticos e superiores aos outros. Podemos pensar em nossa comunicação em termos de nutrição e consumo. A Internet é um item de consumo, cheio de nutrientes que são curativos e tóxicos. É muito fácil ingerir muito em apenas alguns minutos on-line. Isso não significa que você não deveria usar a Internet, mas deve estar consciente do que está lendo e assistindo.

Quando trabalha em seu computador por três ou quatro horas, você está totalmente perdido. É como comer batatas fritas. Não se deve comer batatas fritas durante todo o dia e não se deve estar no computador durante todo o dia. Algumas batatas fritas, algumas horas, são provavelmente tudo o que a maioria de nós precisa.

O que você lê e escreve pode ajudá-lo a se curar, por isso fique atento ao que você consome. Quando você escreve um e-mail ou uma carta cheia de compreensão e compaixão, você se alimenta durante o tempo em que escreve essa carta. Mesmo que seja apenas uma pequena nota, tudo o que você está escrevendo pode nutrir você e a pessoa para quem você está escrevendo.

Como você pode dizer que comunicação é saudável ou tóxica? A energia da atenção plena é um ingrediente necessário na comunicação saudável. A atenção plena requer soltar o julgamento, retornando à consciência da respiração e do corpo, e trazendo toda a sua atenção para o que está em você e ao seu redor. Isso ajuda você a perceber se o pensamento que você acabou de produzir é saudável ou não, compassivo ou indelicado.

Conversa é uma fonte de nutrição. Todos nos sentimos sozinhos e queremos conversar com alguém. Mas quando você conversa com outra pessoa, o que essa pessoa diz pode estar cheio de toxinas, como ódio, raiva e frustração. Quando você ouve o que os outros dizem, está consumindo essas toxinas. Você está trazendo toxinas para sua consciência e seu corpo. É por isso que a atenção plena ao falar e a atenção plena na escuta são muito importantes.

A conversa tóxica pode ser difícil de evitar, especialmente no trabalho. Se está presente ao seu redor, esteja ciente. Você precisa ter consciência suficiente para não absorver esse tipo de sofrimento. Você precisa se proteger com a energia da compaixão para que, quando ouvir, em vez de consumir toxinas, esteja ativamente produzindo mais compaixão em si mesmo. Quando você ouve dessa maneira, a compaixão protege você e a outra pessoa sofre menos.

Você absorve os pensamentos, a fala e as ações que você mesmo produz e aqueles contidos nas comunicações daqueles ao seu redor. Essa é uma forma de consumo. Então, quando você lê algo, quando ouve alguém, deve ter cuidado para não permitir que as toxinas estraguem sua saúde e tragam sofrimento para você e para a outra pessoa ou grupo de pessoas.

Para ilustrar essa verdade, o Buda usou a imagem gráfica de uma vaca que tem uma doença de pele. A vaca é atacada por todos os tipos de insetos e microorganismos vindos do solo, vindos das árvores, vindos da água. Sem pele, uma vaca não consegue se proteger. Plena consciência é a nossa pele. Sem ela, podemos absorver coisas que são tóxicas para o nosso corpo e mente.

Mesmo quando você simplesmente dirige seu carro pela cidade, você consome. Os anúncios atingem seus olhos e você é forçado a consumi-los. Você ouve sons; pode até dizer coisas que são produtos de muito consumo tóxico. Temos que nos proteger com o consumo consciente. A comunicação consciente é parte disso. Podemos nos comunicar de forma a solidificar a paz e a compaixão em nós mesmos e trazer alegria aos outros.

Muitos de nós sofrem por causa da comunicação difícil. Nós nos sentimos incompreendidos, especialmente por aqueles que amamos. Em um relacionamento, somos nutridos um pelo outro. Portanto, temos que selecionar o tipo de comida que oferecemos à outra pessoa, o tipo de comida que pode ajudar nossos relacionamentos a prosperar. Tudo - incluindo amor, ódio e sofrimento - precisa de comida para continuar. Se o sofrimento continua, é porque continuamos alimentando nosso sofrimento. Toda vez que falamos sem consciência, estamos alimentando nosso sofrimento.

Com consciência, podemos olhar para a natureza do nosso sofrimento e descobrir que tipo de alimento temos fornecido para mantê-lo vivo. Quando encontramos a fonte de nutrição para nosso sofrimento, podemos cortar esse suprimento e nosso sofrimento desaparecerá.

Muitas vezes, um relacionamento romântico começa lindamente, mas, como não sabemos como nutrir nosso amor, o relacionamento começa a morrer. A comunicação pode trazer de volta à vida. Cada pensamento que você produz em sua cabeça, em seu coração - na China eles dizem “em sua barriga” - alimenta esse relacionamento. Quando você produz um pensamento que carrega suspeita, raiva, medo, irritação, esse pensamento não é nutritivo para você ou para a outra pessoa. Se o relacionamento se tornou difícil, é porque nutrimos nosso julgamento e nossa raiva, e não nutrimos nossa compaixão.

Um dia, em Plum Village, o centro de retiro francês onde moro, falei sobre como precisávamos nutrir nossos entes queridos praticando comunicação amorosa. Falei sobre nossos relacionamentos como flores que precisam ser regadas com amor e comunicação para crescer. Havia uma mulher sentada perto da frente que chorava o tempo todo.

Depois da palestra, fui até o marido e disse: “Minha querida amiga, sua flor precisa de um pouco de água”. Seu marido estava na palestra e sabia sobre a fala com amor, mas às vezes todos nós precisamos de um amigo para nos lembrar. Então, depois do almoço, o homem levou sua esposa para passear pelo campo. Eles só tinham uma hora ou mais, mas ele se concentrou em regar as sementes boas o passeio inteiro.

Quando eles voltaram, ela parecia completamente transformada, muito feliz e alegre. Seus filhos ficaram muito surpresos porque, de manhã, quando os pais saíram, estavam tristes e irritados. Assim, em apenas uma hora, você pode transformar outra pessoa e a si mesmo, apenas com a prática de regar as boas sementes. Isso é aplicado à atenção plena em ação; não é teórico.

A comunicação nutritiva e curativa é a comida dos nossos relacionamentos. Às vezes, uma expressão cruel pode fazer a outra pessoa sofrer por muitos anos, e também sofreremos por muitos anos. Em um estado de raiva ou medo, podemos dizer algo que pode ser venenoso e destrutivo. Se nós engolimos veneno, ele pode ficar dentro de nós por um longo tempo, lentamente matando nosso relacionamento. Podemos nem saber o que dissemos ou fizemos que começou a envenenar o relacionamento. Mas nós temos o antídoto: compaixão consciente e comunicação amorosa. Amor, respeito e amizade precisam de comida para sobreviver. Com a atenção plena, podemos produzir pensamentos, palavras e ações que irão alimentar nossos relacionamentos e ajudá-los a crescer e prosperar.

(Do livro “The Art of Communicating” – Thich Nhat Hanh)