Minha mãe, meu pai, estão em mim,
E quando olho, eu os enxergo em mim,
O Buda, os patriarcas, eles estão em mim,
E quando olho, eu os enxergo em mim,
Sou uma continuação da minha mãe e do meu pai,
Sou uma continuação de todos os meus irmãos e irmãs,
É minha aspiração
Preservar e continuar a nutrir
Sementes de testemunho, sementes de habilidade, de felicidade
Que eu tiver herdado;
É também meu desejo reconhecer
As sementes de medo e sofrimento
Que eu tiver herdado,
E pouco a pouco transforma-las,
Sou uma continuação do Buda e dos patriarcas,
Sou uma continuação de todos os meus mestres espirituais,
É minha aspiração profunda
Preservar, desenvolver e nutrir
Sementes de compreensão, de amor, de liberdade
Que eles me transmitiram;
Em minha vida diária também quero semear
Sementes de amor e compaixão
Em minha própria consciência
E no coração das pessoas;
Estou determinado
A não regar sementes de desejo, aversão e violência nos outros,
Resoluto, com compaixão
Esta é a minha aspiração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração.
Bom dia, querida Sangha. Hoje é Domingo, 13 de Julho do ano 2008. Estamos no Templo do Néctar do Dharma, e hoje é o Dia dos Ancestrais.
As crianças cantaram, “Minha mãe, meu pai, estão em mim, e quando olho eu me vejo neles”.
Isso que você pode enxergar já é algo muito profundo. Você vê sua mãe e seu pai em você. Mas com quanta clareza e profundidade você pode ver isso? E quando você olha para a sua mãe e o seu pai, você se vê neles. Quão profundamente você enxerga isso?
Ontem, nós falamos sobre plantar uma semente de milho em solo úmido. Se você esperar por volta de dez dias, verá uma plantinha de milho surgir. Nas escrituras budistas, fala-se muito sobre sementes. Acho que nos Evangelhos cristãos também. Estamos falando de uma semente de milho, um grão de milho. E quando você vê a plantinha de milho talvez você queira fazer a ela a pergunta, “Plantinha de milho, você se lembra de duas semanas atrás, quando você era uma semente de milho?”
No início do ano nós fizemos um retiro na Itália, e havia muitas crianças nele, incluindo muitas crianças italianas. Havia cerca de oitocentos praticantes. No último dia do retiro eu ofereci uma semente de milho a cada um. Eu havia comprado um saco de sementes de milho numa loja ali perto, e acho que havia mais de mil sementes de milho naquele pequeno saco. Então distribui uma semente de milho a cada um. Pedi que eles a levassem para casa e plantassem, regassem todos os dias, e observassem à medida que fosse crescendo. Não ofereci uma semente de milho somente a cada criança, mas a cada adulto também, porque essa é a continuação da prática.
Quando você observa a planta de milho surgir, vê as primeiras duas folhinhas, depois as primeiras três folhinhas, e já não mais vê a semente de milho. Quando lá está a planta de milho, não se vê mais a semente de milho. Mas você não pode dizer que a semente de milho morreu. Não. Ela não morreu. Ela se tornou uma planta de milho. Então, se você for esperto, se for habilidoso, se for inteligente, quando olhar a planta de milho ainda poderá enxergar a semente de milho.
E quando você perguntar à plantinha de milho, “Minha querida plantinha de milho, lembra-se de que há duas semanas atrás você era uma semente de milho?” -- pode ocorrer que a planta de milho tenha se esquecido disso. Pode ser que a plantinha de milho tenha se esquecido de que há duas semanas atrás era uma semente de milho. Duas semanas não é muito tempo, mas a planta de milho pode esquecer-se. Então, você conversa com a planta de milho. Você diz, “Lembro-me muito bem que duas semanas atrás você era uma semente de milho. E que à medida que eu te dava água todos os dias, você foi capaz de germinar, e daí tornou-se uma plantinha de milho. Lembro-me muito bem. Talvez você não se lembre mais, mas eu sim.”
Assim você lembra à plantinha de milho que ela foi uma semente de milho. E embora agora você não veja a semente de milho, e a plantinha de milho não se enxergue a si mesma como uma semente de milho, a semente de milho está sempre lá. A pergunta que eu fiz às crianças e aos jovens no retiro da Itália era muito difícil, e alguns deles foram capazes de dar uma boa resposta. A pergunta era: a planta de milho e a semente de milho são uma ou duas coisas?
Se elas forem uma coisa, então ambas são a mesma coisa. Ou são elas duas coisas totalmente diferentes? Esta é uma pergunta budista; é uma que é difícil, a planta de milho e a semente de milho. Você sabe que a plantinha de milho vem da semente de milho, e agora a questão é saber se elas são uma coisa só ou se são duas coisas separadas.
Claro, houve crianças que disseram que elas eram uma única coisa. Houve crianças que disseram que elas eram duas coisas diferentes: a semente de milho não é a planta de milho, e a planta de milho não é a semente de milho. São distintas. Mas a resposta correta é a terceira. Algumas crianças disseram, “Bom, elas não são nem a mesma coisa nem duas coisas diferentes”. Essa é uma resposta complicada, mas é a correta.
O ensinamento desta manhã é um pouco difícil. Suponha que esta é a semente de milho e esta é a planta de milho. Sabemos muito bem que a planta de milho vem da semente de milho. Isso está claro, porque você mesmo plantou uma semente de milho e viu a semente de milho germinar e tornar-se uma plantinha de milho. Logicamente, você vê que a semente é uma semente. Uma planta é uma planta. Uma planta não pode ser uma semente, e uma semente não pode ser uma planta. Esta é a lógica formal. Mas se você olhar em profundidade – esta é uma outra palavra para meditação, e meditar é ter o tempo de olhar em profundidade – nós pensamos que estas coisas são duas coisas distintas, mas sem esta a outra não pode ser, porque a outra veio desta.
Então temos três respostas. A primeira é que a semente e a planta são um. A segunda resposta é a de que são duas coisas diferentes. E a terceira resposta diz que não são nem a mesma coisa nem duas coisas distintas. Não são nem a mesma coisa nem duas coisas diferentes porque a planta de fato mostra-se diferente da semente. A terceira resposta é a correta, não são nem o mesmo, nem diferentes.
Suponha que você olhe o álbum de família e se veja quando bebê. Você tinha apenas duas semanas de vida e sua mãe tirou a sua foto. A foto ainda está no álbum. E agora você tem 12 ou 14 anos de idade, e olha para o bebê. Você está tão diferente daquele bebezinho da foto. E você se pergunta, “Sou a mesma pessoa que aquele bebê ou sou uma pessoa totalmente diferente?” Você é bastante diferente em tamanho e muitos outros aspectos. A forma, os sentimento, as percepções, as formações mentais, consciência, todas elas são diferentes. Você está muito diferente do bebezinho da foto. Então dizer que você é o mesmo que aquele bebê está errado de alguma maneira, porque você está muito diferente do bebê. Mas dizer que você e o bebê são duas coisas completamente diferentes também está errado, porque sem aquele bebê você não pode ser você mesmo.
Então a resposta é o caminho do meio, e caminho do meio é uma expressão bastante budista. A resposta dada pelo Buda é que você não é a mesma pessoa nem uma pessoa diferente. Então a resposta budista é: nem o mesmo, nem diferente. E este é um dos ensinamentos mais profundos do Buda, mas eu acredito que mesmo que você seja muito jovem, você pode entendê-lo, porque é a verdade.
Quando você olha a si mesmo em profundidade, você vê o seu pai. Somente com meditação você pode ver isso claramente. A plantinha de milho pode ter dificuldade para enxergar em si mesma a semente de milho, mas fato é que ela é a semente de milho. Ela é a continuação da semente de milho, e a mesma coisa é verdadeira em relação a você. Você é a continuação do seu pai, a continuação da sua mãe. De alguma maneira, você é seu pai, você é sua mãe. Você não se parece exatamente como ele, mas ele está em você, e é esse o significado da frase que as crianças acabaram de cantar, “minha mãe, meu pai, eles estão em mim”.
Há uma meditação guiada aqui em Plum Village:
Inspirando, vejo o meu pai e a minha mãe em cada célula do meu corpo;
Ou
Inspirando, vejo a presença do meu pai e da minha mãe em cada célula do meu corpo;
Expirando, sorrio para o meu pai e a minha mãe em cada célula do meu corpo.
Você precisa visualizar isso. Você tem de ver isso como uma realidade e não somente como uma idéia, porque na meditação você enxerga concretamente, não fica somente com idéias abstratas. E saiba que isso é também muito científico, porque seu pai e sua mãe transmitiram-se a você. Eles não transmitiram outras coisas, como um carro ou a conta bancária. Eles transmitiram a si próprios a você, e estão realmente lá, em cada célula do seu corpo. Você vem do seu pai; você vem da sua mãe.
Há jovens que ficam com raiva de seus pais ou de suas mães; com muita raiva. Eles chegam a dizer até uma coisa assim estranha como, “Aquele homem (o pai dele), não quero ter nada a ver com ele nunca mais”. Quando você se irrita com seu pai, você pode dizer algo como, “Aquele homem, aquele cara, não quero ter nada a ver com ele”. Você está com raiva demais quando diz alguma coisa assim, porque não é a verdade. O fato é que você é a continuação do seu pai. Você é seu pai. Você não pode arrancar o seu pai de você. Impossível.
E o pai pode ficar bravo com o filho, e quando fica assim bravo não consegue enxergar a verdade. Ele pode dizer algo como, “Aquele menino, aquele moleque, ele não é meu filho. Meu filho não seria assim. Eu não o reconheço como meu filho”. Isso também não faz sentido, porque aquele jovem é a continuação dele. Não dá para dizer que não tem nada a ver com ele. Então, pai e filho precisam praticar o olhar em profundidade, de maneira a que cada qual veja a si mesmo no outro.
A mesma coisa é verdadeira com mãe e filha. Cerca de vinte anos atrás eu estava andando por uma rua de Londres, indo a uma livraria. Vi numa vitrine um livro com o título “Minha mãe, eu mesma”. Acho que era um livro de psicoterapia. Não comprei o livro, porque tive a impressão de que sabia o que ele continha. Era sobre mãe e filha. A filha ficando com raiva da mãe, e pensando que não tinham nada em comum, mas de repente vem o insight – você é filha dela. Você é ela. Você é uma continuação da sua mãe.
Numa Palestra do Dharma dada antes, neste mesmo ano, eu disse que temos nosso pai dentro de nós, mas ainda o temos fora de nós. Isso faz sentido. E meu pai dentro de mim pode ser um pouco diferente daquele fora de mim. Por quê? No início, quando ele se transmitiu a mim, o pai dentro de mim e o pai fora de mim eram muito parecidos. Mas porque vivi muitas situações diferentes, em ambientes distintos, o pai dentro de mim evoluiu diferente daquele que há fora. E se eu sou um bom praticante, então meu pai em mim pode ser transformado numa boa direção. Se eu pratico plena consciência, concentração, insight, bondade amorosa, compaixão, então elas penetram no meu pai, também.
Este meu pai evoluiu no caminho da transformação e da cura, então meu pai em mim pode ser mais belo que o pai fora de mim, porque eu sou um bom praticante. O que herdei de meu pai beneficia-se da minha prática. É por isso que meu pai está crescendo de maneiras distintas dentro e fora de mim.
Então, tenho um relacionamento melhor com o pai dentro de mim, e quero melhorar esse tipo de relacionamento com o pai fora de mim, também. No caso de ser um bom praticante, isso não é difícil. Porque você evoluiu juntamente com o seu pai. Você cultivou mais bondade amorosa, paciência, compaixão e compreensão. É por isso que você pode ajudar seu pai fora de você a mudar, a se transformar. Mas se você não pratica, então você ainda terá muita raiva, discriminação e irritação, e nesse caso não poderá ajudar muito o seu pai.
O fato é que meu pai está tanto dentro quanto fora de mim. Quando o pai que está fora de mim morre, o pai dentro de mim continua a viver. E eu vou transmitir meu pai para meu filho e para minha filha.
Meu pai e minha mãe, eles são meus ancestrais, os meus ancestrais mais jovens. Como seres humanos, nós temos ancestrais humanos. Tivemos diversas gerações de ancestrais humanos e, geneticamente falando, todos os nossos ancestrais estão vivos em nós. Pensamos que todos eles já morreram, porém isso não é verdade. Nossos ancestrais de diversas gerações ainda estão vivos em nós, e nós os carregamos futuro adentro. Nós os transmitimos futuro adentro. Então, quando você se casa e tem filhos, você transmite seus ancestrais aos seus filhos. Os seus ancestrais adentram, assim, o futuro.
(Palestra de Dharma de Thich Naht Hanh em Plum Village em 13 de julho de 2008)
(Traduzido por Marcelo Abreu – Sangha Plena Consciência)
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