Rahula
é o nome do filho do Buda. Poucos anos depois de atingira
Iluminação, o Buda voltou à sua terra natal, Kapilavastu, e
visitou sua família, sendo recebido pelo Rei Suddhodana, seu pai.
Voltou com muitos de seus discípulos - todos monges (àquela altura
ainda não existiam monjas) - e ofereceu uma linda palestra de Dharma
a seu pai no interior do palácio. A palestra foi assistida por
muitas pessoas bem informadas do governo e das famílias dos nobres,
incluindo muitos dos seus amigos de outrora - Siddhartha tinha muitos
amigos antes de deixar seu lar e se tornar monge. Naquela época, seu
filho Rahula contava com oito anos e ainda sentia falta do pai. E foi
por isso que, quando o Buda voltou para seu abrigo, na vizinhança de
Kapilavastu, na companhia dos seus monges, Rahula quis acompanhá-lo.
Rahula amou a presença e a companhia do Buda e não quis mais voltar
para casa, queria morar num monastério. Até que um dia ele disse,
"Buda, quero viver com você, não quero voltar pra casa".
Buda então disse, "Ok" e pediu a seu discípulo Shariputra
para ordenar Rahula como noviço. O avô ficou furioso. Seu filho se
tornou um monge e agora seu neto era ordenado como noviço! Mas o
pequeno Rahula estava muito feliz vivendo próximo ao Buda e
praticava muito bem junto com o resto da comunidade de monges. Quando
Rahula completou dezoito anos, o Buda ofereceu-lhe um lindo discurso
sobre o Dharma e eu gostaria de compartilhar este discurso com vocês.
O venerável Shariputra estava lá, em pé, bem atrás do Buda e
ouviu e recebeu aquele discurso de maneira muito profunda - e o
praticou também de maneira profunda, mesmo que ele tivesse sido dado
a um monge muito novo, Rahula.
Nessa
palestra o Buda aconselhou Rahula a praticar sendo a terra, a grande
terra. O Buda disse, "Rahula, pratique como se você fosse como
a terra". As pessoas podem jogar na terra coisas como perfume,
fezes, urina, todo o tipo de coisa suja, mas a terra sempre recebe
tudo sem raiva. Não interessa se é perfume ou jóias ou ouro ou
prata ou flores ou lixo ou sujeira ou fezes ou urina, a terra recebe
tudo isso sem ressentimento algum, sem raiva alguma, por que a terra
é grande e larga. A terra tem o poder de transformar tudo isso.
Você, por exemplo, encontra um rato morto na sua cozinha e quer se
livrar logo dele - onde você vai pôr? Você o joga na terra.
Imediatamente a terra transforma o rato morto em algo que você
consiga aceitar. A terra tem um grande poder de transformação
porque ela é grande. Assim, pratique de tal modo que o seu coração
se torne tão grande quanto a terra. Você só sofrerá se você for
pequeno, se seu coração for pequeno. Quando seu coração se
expande, você não mais sofre, não precisa mais fazer um esforço
para suportar o sofrimento.
Outro
dia eu comecei a falar usando a imagem de uma caixa d'água. Ela pode
conter algo em torno de 50 litros de água e se você joga algo sujo
no seu interior não poderá mais beber a água - você terá que
jogar tudo fora. Mas se você jogar aquela sujeira em um grande rio,
em um rio imenso, ainda assim você poderá beber da sua água.
Imediatamente, o rio, com toda a sua água e lama, transforma a
sujeira que você jogou nele e tudo estará perfeito novamente - toda
a cidade continuará a beber a água do rio. Não é que o rio tenha
que suportar. Estamos falando aqui de indulgência, tolerância, como um barco que carrega você para a outra margem -
kshanti-paramita, "cruzando para o outro lado", para a
margem da felicidade, da alegria e da libertação pelo barco da indulgência.
Se
você tornar o seu coração tão grande quanto a terra, você poderá
aceitar qualquer coisa que as pessoas façam ou digam a você sem
sofrimento. Mas se o seu coração for pequeno, você sofrerá
bastante. Assim Rahula praticou ser como a terra, que é a prática
de amor chamada as Quatro Mentes Incomensuráveis. Porque com a
prática, seu coração crescerá mais e mais e mais, sempre cada vez
maior. E seu coração abraçará a tudo e a todos, sem nenhum
inimigo, não existe nenhum inimigo. Cada vez que invocamos o Buda,
dizemos, "querido Buda, seu coração é tão grande que você
consegue abraçar a todos os seres vivos, sua compaixão abarca a
totalidade do cosmos". É a mesma coisa quando seu coração é
grande, chamando-os de amigos ou inimigos - você os abraça a todos
e os ama, sejam eles cruéis ou menos cruéis, todos são igualmente
objeto de sua solidariedade.
Se
você é um estudante do Buda, tente praticar de modo que seu
coração cresça a cada dia, para que você não sofra, Mesmo se
disserem coisas muito cruéis e mesquinhas a você, se fizerem coisas
cruéis a você, mesmo que tentem te suprimir e matar. Como se pode
matar um rio? Como se pode matar a terra? Ela é tão grande. Alguma
sujeira não destruirá o rio, porque o rio é grande. "Rahula,
pratique como se você fosse a água. Se as pessoas jogam na água
flores, fragrância,
comida, leite ou urina, fezes ou corpos de animais mortos, a água
continuará a receber tudo sem rancor, sem ressentimento, sem ódio;
porque a água tem a capacidade de lavar tudo. Você pode lavar a
tigela do Buda com água, lavar as roupas sujas, alguém cheio de
sangue, a água receberá tudo, poderá lavar tudo, transformar tudo.
Então, Rahula, por favor, pratique para que o seu coração se torne
como a água, para poder receber tudo sem ressentimento ou rancor.
Rahula,
pratique como o fogo. O que quer que você jogue ao fogo, roupa ou
papel ou flores ou coisas sujas, o fogo aceitará e queimará tudo.
Quer seja um perfume ou um mal cheiro o fogo aceita tudo e reduz tudo
a cinzas e fumaça, porque o fogo tem o poder de transformar.
Rahula, pratique como se fosse o ar. Se você joga no ar algo
fragrante ou mal cheiroso, se você queima incenso ou borracha, o ar
aceita tudo - porque o ar tem o poder de transformar, pois é
imenso". O Buda estava instruindo o jovem monge Rahula, mas
Shariputra, o tutor de Rahula, estava lá atrás, absorvendo cada
palavra, e praticou esse ensinamento por muitos e muitos anos.
Retirado de uma Palestra de Dharma dada em Plum Village em 23 de julho 1996 - Be Like The Earth
(Tradução: Samuel Cavalcante)
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