segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Uma Lição para Rahula


Rahula é o nome do filho do Buda. Poucos anos depois de atingira Iluminação, o Buda voltou à sua terra natal, Kapilavastu, e visitou sua família, sendo recebido pelo Rei Suddhodana, seu pai. Voltou com muitos de seus discípulos - todos monges (àquela altura ainda não existiam monjas) - e ofereceu uma linda palestra de Dharma a seu pai no interior do palácio. A palestra foi assistida por muitas pessoas bem informadas do governo e das famílias dos nobres, incluindo muitos dos seus amigos de outrora - Siddhartha tinha muitos amigos antes de deixar seu lar e se tornar monge. Naquela época, seu filho Rahula contava com oito anos e ainda sentia falta do pai. E foi por isso que, quando o Buda voltou para seu abrigo, na vizinhança de Kapilavastu, na companhia dos seus monges, Rahula quis acompanhá-lo. Rahula amou a presença e a companhia do Buda e não quis mais voltar para casa, queria morar num monastério. Até que um dia ele disse, "Buda, quero viver com você, não quero voltar pra casa". Buda então disse, "Ok" e pediu a seu discípulo Shariputra para ordenar Rahula como noviço. O avô ficou furioso. Seu filho se tornou um monge e agora seu neto era ordenado como noviço! Mas o pequeno Rahula estava muito feliz vivendo próximo ao Buda e praticava muito bem junto com o resto da comunidade de monges. Quando Rahula completou dezoito anos, o Buda ofereceu-lhe um lindo discurso sobre o Dharma e eu gostaria de compartilhar este discurso com vocês. O venerável Shariputra estava lá, em pé, bem atrás do Buda e ouviu e recebeu aquele discurso de maneira muito profunda - e o praticou também de maneira profunda, mesmo que ele tivesse sido dado a um monge muito novo, Rahula.

Nessa palestra o Buda aconselhou Rahula a praticar sendo a terra, a grande terra. O Buda disse, "Rahula, pratique como se você fosse como a terra". As pessoas podem jogar na terra coisas como perfume, fezes, urina, todo o tipo de coisa suja, mas a terra sempre recebe tudo sem raiva. Não interessa se é perfume ou jóias ou ouro ou prata ou flores ou lixo ou sujeira ou fezes ou urina, a terra recebe tudo isso sem ressentimento algum, sem raiva alguma, por que a terra é grande e larga. A terra tem o poder de transformar tudo isso. Você, por exemplo, encontra um rato morto na sua cozinha e quer se livrar logo dele - onde você vai pôr? Você o joga na terra. Imediatamente a terra transforma o rato morto em algo que você consiga aceitar. A terra tem um grande poder de transformação porque ela é grande. Assim, pratique de tal modo que o seu coração se torne tão grande quanto a terra. Você só sofrerá se você for pequeno, se seu coração for pequeno. Quando seu coração se expande, você não mais sofre, não precisa mais fazer um esforço para suportar o sofrimento.

Outro dia eu comecei a falar usando a imagem de uma caixa d'água. Ela pode conter algo em torno de 50 litros de água e se você joga algo sujo no seu interior não poderá mais beber a água - você terá que jogar tudo fora. Mas se você jogar aquela sujeira em um grande rio, em um rio imenso, ainda assim você poderá beber da sua água. Imediatamente, o rio, com toda a sua água e lama, transforma a sujeira que você jogou nele e tudo estará perfeito novamente - toda a cidade continuará a beber a água do rio. Não é que o rio tenha que suportar. Estamos falando aqui de indulgência, tolerância, como um barco que carrega você para a outra margem - kshanti-paramita, "cruzando para o outro lado", para a margem da felicidade, da alegria e da libertação pelo barco da indulgência.

Se você tornar o seu coração tão grande quanto a terra, você poderá aceitar qualquer coisa que as pessoas façam ou digam a você sem sofrimento. Mas se o seu coração for pequeno, você sofrerá bastante. Assim Rahula praticou ser como a terra, que é a prática de amor chamada as Quatro Mentes Incomensuráveis. Porque com a prática, seu coração crescerá mais e mais e mais, sempre cada vez maior. E seu coração abraçará a tudo e a todos, sem nenhum inimigo, não existe nenhum inimigo. Cada vez que invocamos o Buda, dizemos, "querido Buda, seu coração é tão grande que você consegue abraçar a todos os seres vivos, sua compaixão abarca a totalidade do cosmos". É a mesma coisa quando seu coração é grande, chamando-os de amigos ou inimigos - você os abraça a todos e os ama, sejam eles cruéis ou menos cruéis, todos são igualmente objeto de sua solidariedade.

Se você é um estudante do Buda, tente praticar de modo que seu coração cresça a cada dia, para que você não sofra, Mesmo se disserem coisas muito cruéis e mesquinhas a você, se fizerem coisas cruéis a você, mesmo que tentem te suprimir e matar. Como se pode matar um rio? Como se pode matar a terra? Ela é tão grande. Alguma sujeira não destruirá o rio, porque o rio é grande. "Rahula, pratique como se você fosse a água. Se as pessoas jogam na água flores, fragrância, comida, leite ou urina, fezes ou corpos de animais mortos, a água continuará a receber tudo sem rancor, sem ressentimento, sem ódio; porque a água tem a capacidade de lavar tudo. Você pode lavar a tigela do Buda com água, lavar as roupas sujas, alguém cheio de sangue, a água receberá tudo, poderá lavar tudo, transformar tudo. Então, Rahula, por favor, pratique para que o seu coração se torne como a água, para poder receber tudo sem ressentimento ou rancor.

Rahula, pratique como o fogo. O que quer que você jogue ao fogo, roupa ou papel ou flores ou coisas sujas, o fogo aceitará e queimará tudo. Quer seja um perfume ou um mal cheiro o fogo aceita tudo e reduz tudo a cinzas e fumaça, porque o fogo tem o poder de transformar. Rahula, pratique como se fosse o ar. Se você joga no ar algo fragrante ou mal cheiroso, se você queima incenso ou borracha, o ar aceita tudo - porque o ar tem o poder de transformar, pois é imenso". O Buda estava instruindo o jovem monge Rahula, mas Shariputra, o tutor de Rahula, estava lá atrás, absorvendo cada palavra, e praticou esse ensinamento por muitos e muitos anos.

Retirado de uma Palestra de Dharma dada em Plum Village em 23 de julho 1996 - Be Like The Earth

(Tradução: Samuel Cavalcante)

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