Pergunta: Alguns cristãos – aqueles que pensam em Deus como alguém externo, poderoso e transcendente – ficariam surpresos em saber que os budistas oram. O que você diria para eles?
Thay: Talvez cristãos e budistas entendam diferentemente o que é oração. Eu diria que quando falamos de oração, pensamos naquele que ora, naquele para quem enviamos nossa oração e naquele por quem oramos. E aquele por quem oramos pode ser nós mesmos; oramos por nosso bem estar, mas podemos sempre distinguir essas três pessoas: aquele que ora, para quem enviamos a oração e aquele por quem oramos.
Dizer que os budistas não encaminham sua oração para uma pessoa externa ou força pessoal, não parece ser correto. Orar é também pedir ajuda, e na tradição budista, pedimos ajuda a Sangha, pedimos ajuda ao Buda. Aquele que pede, aquele que está rezando é o ponto inicial. A pessoa tem que ver as coisas com clareza suficiente, tem que ter bastante calma e serenidade para pedir ajuda.
Primeiramente deveria estar verdadeiramente presente, concentrada, com um desejo, uma intenção. Esta é a condição básica para efetividade da oração. Aquele que ora deve estar verdadeiramente lá, estabelecido no aqui e agora, tendo uma intenção muito clara, um desejo muito claro, para quem irá orar e por quem irá orar. Se aquele que ora pode colocar-se naquela situação, muito já foi feito. Esta pessoa já começou a gerar a energia da oração, porque está verdadeiramente presente no aqui e agora e nesse momento com concentração, com plena atenção e intenção. Se isto não acontecer, bem, nada irá acontecer.
Então, aquele para quem se ora, deve ser conhecido e não apenas a idéia de uma pessoa. Se você ora para o Buda, deveria saber quem o Buda é, e não apenas ter um número de idéias sobre o Buda. Se você sabe quem o Buda é, a oração será efetiva. Se você sente que o Buda está plenamente presente no aqui e agora, que você tem a capacidade de tocá-lo, então a oração será efetiva. Você sabe que ele está também dentro de você, na forma de plena consciência, compaixão, concentração. Portanto o Buda não é mais uma idéia, mas uma realidade.
Suponha que você ore para seu pai para pedir a ele ajuda. Seu pai - você sabe que ele é. Seu pai viveu muito, vamos dizer 90 anos e as células do corpo dele ainda estão em você. Portanto quando você se dirige a seu pai – “Papai, me ajude” - você toca seu pai na forma mais concreta; não toca apenas uma idéia. Pai não é uma idéia. Você é a continuação de seu pai. Suponha que alguém te fale que há suspeita que você tenha câncer. Você pode chamar seu pai para ajudar: ”Papai, sei que você é sólido, suas células são maravilhosas, elas estão em mim. Por favor, venha e me ajude.” E então você sente a resposta de seu pai imediatamente no seu corpo. Seu pai diz: “Eu estou aqui. Não se preocupe, meu filho. Temos células sólidas. Elas sabem como se replicar. Não se preocupe.”
Quando você ora assim, entra em contato com seu pai e pode ver o efeito da oração imediatamente. Se você tem uma avó ou um avô que eram sólidos, sabe que aquele para quem você reza está sempre em você e ao seu redor. Portanto nesta maneira de praticar, você vê que seu pai, sua mãe, seu avô, estão ainda aqui nas suas novas manifestações. Não estamos encaminhando nossa oração para alguém ou alguma coisa que não seja real, que não existe, mas para uma realidade.
O mesmo é verdadeiro com o Buda ou Jesus. De acordo com nosso insight, o Buda continua, Jesus também continua em suas novas formas. E se você é um praticante budista, você continua o Buda, portanto o Buda como objeto de sua oração é uma realidade e não apenas uma idéia. Esta prática confia no insight básico de que nada é jamais perdido. Seu pai ainda está aqui, sua avó ainda está aqui, o Buda ainda está aqui em suas novas manifestações.
Portanto a segunda pessoa na oração, aquele para quem rezamos, é concreta, está realmente presente, e podemos realmente entrar em contato com ele ou ela. É por isso que é muito importante ter insight. Jesus, o Buda e avó não são algo que apenas existiram no passado. Eles estão presentes no aqui e agora. Eles estão dentro de você, ao seu redor, e você pode entrar em contato com eles. É como a Sangha. A Sangha está lá, e se você tiver alguma dificuldade, apenas diga: “Querido irmão, querida irmã, Sangha, por favor, me ajude.” A Sangha não é uma noção, a Sangha é realidade.
Sabemos que a Sangha está lá, a comunidade de irmãos e irmãs, a comunidade de praticantes está lá. Podemos sempre confiar na Sangha, e a Sangha sempre carrega o Dharma vivo e o Buda vivo. Portanto tocando a Sangha, tocando o Buda, tocando o Dharma, você toca realidades. E o ato de rezar é muito concreto. Deveria trazer transformação e cura. Quando dizemos: “Querida Sangha, por favor, envie energia para o irmão que está em dificuldade”, confiamos no poder da Sangha. Sabemos que a energia coletiva da Sangha é real. Como a Sangha contém o Buda e o Dharma, também temos a energia do Buda, temos a energia do Buda vivo e do Dharma vivo em nós.
Se praticarmos bem, a energia da oração será muito poderosa e imediatamente pode efetuar uma mudança. A energia está dentro daquele que ora e está com a Sangha que apóia a oração por trazer a energia coletiva. Como a Sangha tem o Buda vivo, o Dharma vivo, a energia pode ser muito poderosa. Esta energia é produzida de dentro e é produzida da Sangha. Sabemos que a energia pode ser apenas gerada quando a plena consciência, concentração e insight estão presentes. Você, aquele que pede à Sangha para enviar energia, tem que estar totalmente presente. Tem que estar plenamente atento, concentrado, e deveria ter o insight que você é uno com aquele para quem você encaminha sua oração, e também é uno com aquele por quem você reza. É por isso que insight é importante na oração, e se plena consciência, concentração e insight estão presentes, haverá transformação e cura.
Se você se aprofundar, verá que se os cristãos orarem dessa maneira, com plena consciência, concentração e especialmente insight, não haverá muita diferença entre budistas e cristãos. Você sabe que é uma parte muito importante da oração. A efetividade da oração depende muito de você, porque se você não estiver presente, se não for sólido, se não tiver o insight, então não pode entrar em contato com a energia poderosa da Sangha, do Buda.
No budismo não falamos de Deus, não falamos de criação, não falamos de revelação, não falamos de redenção ou punição. No budismo, o que é equivalente a Deus é a Mente, especialmente a mente coletiva. Mente é a base de tudo e quando sua mente entra em contato com a mente coletiva, tudo é possível. Se nossos amigos no cristianismo vêem que Deus é o Espírito – a mente coletiva da qual tudo manifesta – então a distância separando budismo e cristianismo não será muita. Depende da maneira que entendemos Deus. Se entendemos Deus como a base dos seres de quem tudo manifesta, então o entendimento não é diferente da visão budista de mente, porque no ensinamento do budismo, a mente é o artista que desenha tudo, especialmente a mente coletiva.
(Entrevista de Thich Nhat Hanh à revista Publishers Weekly Magazine)
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