Alguns de nós sentem que nossas vidas não fazem sentido nem têm qualquer significado. Quando não vemos um caminho significativo em nossas vidas sofremos muito. Somos infelizes porque não sabemos para onde ir. Nossa confusão nos faz sofrer, não importa quão ricos e poderosos somos. Se virmos uma direção em nossas vidas, encontrarmos sentido e vivermos com compaixão, saberemos como ajudar a nós mesmos e aos outros ao nosso redor a sofrer menos. Conhecemos o Dharma, temos praticado e sabemos que em momentos difíceis o Dharma pode resgatar a nós e às pessoas que amamos. Fomos libertados pelo Dharma. Apenas tocando o Dharma dentro de nós e tocando nossa confiança nele, alegria e felicidade nascem em nós, nos tornando verdadeiramente felizes.
Você pode pensar que felicidade significa ter muito dinheiro, estar fisicamente em forma, ser famoso ou ter tanto sexo o quanto quiser e quando quiser. Muitos de nós já percorremos esses caminhos e reconhecemos que, quanto mais somos apanhados em desejos obsessivos e anseios sensuais, mais sofremos. Nós costumávamos pensar nessas coisas como elementos de nossa felicidade, mas agora aprendemos que a verdadeira felicidade está em deixar ir, soltar e restaurar nossa liberdade. É por isso que o Buda nos aconselhou a nos alimentar cultivando alegria e felicidade através da prática de olhar profundamente.
"Experimentando a alegria, eu respiro." Isso não é um pensamento positivo. Isso significa que você olha profundamente e toca os elementos que trazem alegria e felicidade verdadeiras. A alegria pode nascer da concentração. Nós já aprendemos sobre os benefícios da concentração. A quantidade de felicidade que obtemos ao comer uma laranja depende da nossa atenção e concentração. Quanto mais concentrados estivermos na laranja, maior será nosso prazer e felicidade. As condições para a felicidade estão em toda parte - dentro e ao redor de nós - mas, como não nos concentramos, não as reconhecemos.
Uma das minhas alunas mora em Paris e pratica caminhadas conscientes. Às vezes ela está tão ocupada que precisa correr. Um dia ela estava em um elevador com uma mulher mais velha. Olhando para a senhora, ela disse: “Isso não é vida, sempre correndo”. A senhora olhou para ela e disse: “Sim, mas você pode correr. Eu não posso. Eu sou muito velha. Se eu correr, vou cair”. Ter pernas e pés fortes, ser capaz de correr, é felicidade - não uma razão para reclamar - porque algumas pessoas gostariam de correr e não podem. Você sabe que é jovem e tem bons pés. Sua consciência e atenção plena produzem uma percepção que lhe traz felicidade. "Inspirando, eu sei que meus pés são sólidos. Eu posso correr. Expirando, eu sorrio." A atenção plena e a concentração são motivos para a felicidade.
A velhice também tem suas vantagens. Se as pessoas idosas estiverem conscientes, podem ficar muito felizes, porque percebem a rapidez com que a vida passa. Elas são maduras e capazes de saborear cada momento de suas vidas, apreciando sabiamente os elementos positivos dentro deles.
Eles não correm, mas sentem-se quietos e vivem cada momento de suas vidas mais profundamente. Quando você é jovem, você é como uma corrente de água que vai do topo da montanha até a base. Conforme você envelhece, se torna mais como um rio que flui pacificamente e reflete o céu azul e a terra. O fluxo jovem de água que corre do topo da montanha não pode fazer isso. Se as pessoas mais velhas são capazes de reconhecer os elementos positivos em suas vidas, também podem ser felizes. Precisamos de atenção plena para reconhecer o que está presente e concentração para estar profundamente com esse elemento. A concentração ajuda nossa felicidade a nascer; é a base da felicidade.
Se soubermos administrar todas as vinte e quatro horas do dia, perceberemos que um dia é muito tempo. O que faz com que seja longo é a nossa concentração. Os mais velhos vivem de maneira mais concentrada que os jovens, estabelecendo-se mais no momento presente. Com mindfulness (plena atenção) e concentração, os idosos podem apreciar cada momento que lhes é oferecido. Cada momento da vida cotidiana pode se tornar uma história para seus filhos e netos. Isso é possível. O Buda fez isso. Ele não deixou para trás um conjunto de dogmas e teorias; ele deixou para trás sua vida. Cada passo que ele dava era pacífico e sólido. Sua compaixão penetrou não apenas nos seres vivos de seu tempo, mas também de nosso tempo.
Na Ásia, as pessoas libertam animais em seus aniversários. Isso é graças à compaixão e aos ensinamentos do Buda. Propus a nossos amigos cristãos que praticassem a soltura de pássaros em vez de matá-los no dia de Natal. Além disso, tenho certeza de que Jesus ficará feliz se, em vez de cortar uma árvore, você plantar uma. Como cristãos, você precisa perceber sua capacidade de viver profundamente e falar sobre isso. No dia de Wesak, o aniversário do Buda, no Sri Lanka, Tailândia e outros países budistas, ninguém passa fome porque a comida é cozida e oferecida em todos os quintais. Espero que possamos celebrar Wesak todos os dias para que ninguém nunca vá passar fome no mundo.
Essa tradição também brota da compaixão do Buda. Cada passo, cada respiração, cada palavra do Buda transmite e transporta a energia da atenção plena, compreensão e compaixão. Dessa fonte, seus alunos continuam a herdar compaixão e conhecimento. Se eles praticarem bem, eles podem transmitir essa fonte de compaixão, cura e felicidade para as futuras gerações.
A prática é viver cada momento de sua vida cotidiana profundamente. Quando você bebe um copo de água, enquanto segura um bebê nos braços ou se senta na frente de sua amada, se você se concentra e está atento, a vida é real, e felicidade e alegria nascem. É por isso que o Buda falou sobre o nascimento da alegria e felicidade a partir da concentração.
(Do livro “The Path of Emancipation”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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