Esta história, sobre o encontro de Buda com
Mara, ilustra o problema com os complexos. Nas histórias budistas, Mara é a
personificação de toda depravação e delírio, tudo o que nos faz sofrer na vida.
O Buda estava fazendo um retiro sozinho em uma
caverna. Seu assistente e aluno, o Venerável Ananda, pedia por doações de
comida e, ao retornar, dividia as ofertas recebidas em duas partes, uma parte
para ele e outra para o Buda. Uma manhã, enquanto o Buda estava sentado dentro
da caverna em meditação, o Venerável Ananda, sentado fora da caverna, viu
alguém se aproximando. Ananda entendeu que era alguém muito familiar. Era Mara!
Ananda queria se esconder em algum lugar, de
modo que Mara, ao não ver ninguém, não se aproximaria da caverna e não
perturbaria o Buda. Mas era tarde demais. Mara aproximou-se de Ananda e perguntou:
"Venerável Ananda, seu professor está aqui?" Ananda queria mentir e
dizer: "Não, o Buda não está aqui. O Buda foi para ..." algum tipo de
encontro, conferência ou algo assim! Mas mentir não é apropriado para um monge,
então ele finalmente disse: "Por que você pergunta?"
Mara disse: "Quero visitar o Buda".
Ananda respondeu com bastante desprezo: "Vá embora! Você não é um amigo do
Buda. Você é seu inimigo. Você não se lembra de como você tentou desencorajar o
Buda a despertar sob a árvore de Bodhi e o Buda o derrotou terrivelmente? O
Buda não vai te ver. "
Quando Mara ouviu isso, ele riu: "Ha, ha,
ha. Realmente? Seu Buda tem inimigos? Eu pensei que ele dizia que não tinha
inimigos. Então agora ele já tem um inimigo?" Ananda ficou assustado.
Então ele entrou na caverna para perguntar ao Buda se ele queria ver Mara.
Ananda esperava que o Buda se recusasse. Mas quando ouviu quem estava esperando
lá fora, o Buda disse: "Mara? Deixe entrar". Ananda estava realmente
decepcionado, mas ele foi obrigado a sair e deixar Mara entrar.
Quando Mara entrou, o Buda levantou-se e deu as
boas-vindas a Mara como se fosse um velho amigo. Ele convidou Mara a sentar-se
em um lugar distinto e pediu a Ananda para trazer chá e água para Mara beber.
Ananda estava realmente infeliz com isso. Ele ficaria feliz em buscar chá para
o Buda duzentas vezes por dia. Mas para Mara, Ananda não queria fazer isso. Mas
ele foi e buscou chá para Mara, esperando que Buda e Mara tivessem uma breve
conversa. Na verdade, a conversa acabou por ser muito longa.
Buda e Mara falavam como se fossem os melhores
amigos. Buda disse: "Mara, como você tem passado? Como você está?"
Mara disse: "Não estou bem". "O que aconteceu?" Buda
perguntou.
Mara respondeu: "Meus discípulos não estão
mais me ouvindo. Eles costumavam fazer tudo o que eu dizia, mas hoje em dia
eles querem se rebelar. Todos os meus generais, todos os meus soldados, todos
os meus discípulos querem praticar a atenção plena. Eles querem praticar a
meditação andando. Eles querem praticar comer em silêncio. Eles querem proteger
a Terra. Eu não sei o que deu neles. Caro Buda, estou tão cansado de ser Mara;
eu quero ser alguém diferente. Não pense que ser Mara é só festas loucas,
diversão e jogos ".
O Buda riu. "Você acha que ser um Buda é
uma moleza? Você sabe que as pessoas dizem coisas que eu nunca disse e depois
dizem que fui eu quem disse aquilo? Eles fazem coisas que nunca fiz ou encorajei
a fazer, mas elas dizem que eu os encorajei a fazer essas coisas.
"Eu larguei minha alta reputação, minha
posição principesca e uma disponibilidade infinita de prazeres sensuais. Abandonei
meu trono, minha esposa encantadora e meu bebê, filhos futuros e riqueza, tudo
para que eu pudesse obter a libertação. Mas agora as pessoas vêm ao templo para
rezar e me implorar para dar-lhes todas as coisas que eu renunciei! Eles não
pedem paz ou alegria, eles apenas pedem muito dinheiro, poder ou para que seus
filhos tenham boas notas em seus exames.
"Eles constroem uma casa grande e dizem
que é a minha casa. Mas é apenas um lugar onde as pessoas passam e oferecem
alimentos, bananas, arroz doce e dinheiro, para que eles possam ter mais
dinheiro para gastar consigo mesmos. Eles fazem estátuas de mim e colocam todo
o seu dinheiro no meu corpo. Quando eles celebram meu aniversário, colocam a
minha estátua no topo de um carro e dirigem sem pensar pela cidade, enquanto
meu corpo rola de um lado para o outro. Eu nunca quis andar em um carro. Então,
não pense que ser Buda é sorte. Você quer trocar de lugar? "
Ananda estava aterrorizado que Mara
concordasse, mas, felizmente, não o fez. Então, o Buda disse: "Mara, você
faz o seu trabalho. Faça o seu trabalho o melhor que puder. Eu farei meu
trabalho. Nada é fácil o tempo todo. Eu sei que ser Mara é muito difícil. Mas
ser um Buda tem suas dificuldades também. Cada um de nós tem que desempenhar
nosso papel de todo o coração ".
Toda vida tem suas provações e tribulações.
Podemos navegá-los mais habilidosamente quando não desperdiçamos tempo e
energia nos disparando uma segunda flecha – tal como se concentrar em o quanto
a grama no jardim do nosso vizinho parece mais verde em comparação com a nossa.
(Trecho do livro de Thich Nhat Hanh – No mud no
lotus)
(Tradução – Leonardo Dobbin)
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