Com base no que
aprendemos sobre o corpo e a mente, eu gostaria de lhes oferecer exercícios para
cultivar a concentração, a consciência plena e o insight. Estes exercícios são:
as três concentrações, as seis paramitas, a construção da Sanga, e a
não-discriminação. Estes ensinamentos estão no coração da prática budista e do
segredo da felicidade. Estes ensinamentos se apóiam e se sustentam. Se a sua
concentração for suficientemente forte, você fará uma descoberta, obterá um
insight. Você precisa estar presente, com o corpo e a mente unidos e totalmente
presentes – isto é atenção plena. Se você estiver neste estado de consciência,
será possível para você se concentrar. Se a sua concentração for poderosa, você
tem uma chance de fazer uma importante descoberta que lhe ajuda a alcançar a
felicidade.
Existem três tipos
diferentes de concentração. A primeira é a vacuidade. Vacuidade aqui é uma
concentração e não uma filosofia. A vacuidade não é uma tentativa de descrever a
realidade. A vacuidade é oferecida como um instrumento. E nós temos que manusear
a noção da vacuidade habilidosamente para não sermos aprisionados nesta noção. A
noção da vacuidade e o insight de vacuidade não são duas coisas diferentes. Vamos
considerar uma vela. Para acender uma vela, você acende um fósforo, você precisa
de fogo. E o fósforo é apenas um instrumento, um meio. Sem o fósforo você não
consegue produzir o fogo. O seu objetivo último é a chama e não o fósforo. Buda
lhe oferece a noção de vacuidade, porque ele tem que usar noções e palavras para
se comunicar.
Habilidosamente, fazendo
uso da noção de vacuidade, você pode produzir o insight de vacuidade. Uma vez
que o fogo se manifeste, ele consumirá o fósforo; quando o insight da vacuidade
se manifesta, ele destruirá a noção da vacuidade. Se você for suficientemente
habilidoso para fazer uso da noção da vacuidade, você então tem o insight da
vacuidade e está livre da palavra “vacuidade”. Eu espero que você consiga ver a
diferença entre vacuidade enquanto insight e vacuidade enquanto
noção.
Samadhi não é uma
doutrina, não é uma tentativa de descrever a verdade, mas é um meio hábil de lhe
ajudar a alcançar a verdade. É como o dedo apontando para a lua. A lua é muito
bela. O dedo não é a lua. Se eu aponto e digo, “Querido amigo, esta é a lua” e
você pega este dedo e diz: “Oh! Isto é a lua!” – você não tem a lua. Você está
aprisionado no dedo, você não consegue ver a lua. O Darma de Buda é o dedo, não
a lua.
O Sutra do Coração diz:
“forma é vacuidade, vacuidade é forma” – o que isto significa? O bodisatva
Avalokiteshvara disse que tudo é vazio. E queremos perguntá-lo: “Senhor
Bodisatava, você diz que tudo é vazio, mas eu quero lhe perguntar, ‘vazio do
que’?” Porque vazio é sempre vazio de algo. Esta é uma maneira habilidosa de
destruir a palavra “vacuidade” para conseguir o insight da vacuidade. Imagine um
copo. Concordamos que ele está vazio.
Mas é importante fazer a
pergunta que parece inútil, mas que não é: “vazio de que?” Vazio de chá, talvez.
Vazio significa vazio de algo. É como consciência, percepção, sentimento. Sentir
significa sentir algo. Estar consciente significa estar consciente de algo.
Estar atento significa estar atento a algo. O objeto existe ao mesmo tempo em
que o sujeito. Não pode haver mente sem objeto da mente. Isto é muito simples,
muito claro. Assim nós concordamos que este copo está vazio de chá. Mas não
podemos dizer que este copo está vazio de ar. Ele está cheio de ar.
Quando observamos uma
folha, vemos que ela está cheia, totalmente cheia. Eu olho para a folha, eu toco
a folha e com o maravilhoso instrumento chamado mente, posso ver que enquanto eu
toco a folha estou também tocando uma nuvem. A nuvem está presente na folha. Eu
sei muito bem que se não houver nuvem, não há chuva e então nenhuma árvore de
álamo pode crescer.
Por isso quando toco a
folha, eu toco elementos que não são folha. Um destes elementos que não são
folha é a nuvem. Eu toco a nuvem; eu toco a chuva tocando a folha. Ao tocar a
folha eu sei que água, chuva e nuvem estão ali dentro da folha. Eu também toco
os raios de sol dentro da folha. Eu sei que sem raios de sol nada consegue
crescer. Eu estou tocando o sol sem me queimar. E sei que o sol está presente na
folha. Se continuar minha meditação eu verei que estou tocando os minerais
dentro do solo, estou tocando tempo, estou tocando o espaço, estou tocando a
minha própria consciência. A folha está cheia do cosmos – espaço, tempo,
consciência, água, solo, ar e tudo, então como podemos dizer que ela é
vazia?
É verdade que a folha
está cheia de tudo, exceto uma coisa, e esta uma coisa é uma existência
separada, um “eu”. Uma folha não consegue existir por si só, a folha tem que
interexistir com tudo o mais dentro do cosmos. Uma coisa tem que contar com
todas as outras coisas para se manifestar. Uma coisa não consegue ser ela mesma
sozinha. Então vacuidade é antes de mais nada vazio de um eu separado. Tudo
contém tudo o mais. Olhando dentro da folha nós vemos somente os elementos que
não são folha. Buda está constituído somente de elementos que não são Buda. E o
meu eu está constituído somente de elementos que não são eu.
A segunda concentração é
animita, a insubstancialidade dos sinais. Insubstancialidade dos sinais
significa não ser capturado pela aparência. Parece que a nuvem que observamos no
céu tem um início, e falamos do “nascimento” da nuvem. Parece que uma nuvem pode
morrer a qualquer hora hoje à noite e não mais existirá no céu. Temos uma noção
de nascimento e morte. Mas com a prática da contemplação profunda, podemos tocar
a natureza sem nascimento e sem morte da nuvem.
Se vivermos a vida
conscientemente, então seremos capazes de tocar a natureza da insubstancialidade
dos sinais. Bebendo o seu chá, você reconhece que a sua amada nuvem está dentro
do seu copo. A nuvem pode tomar a forma de um cubo de gelo. A nuvem pode tomar a
forma da neve sobre os Pirineus. A nuvem pode estar dentro do sorvete que sua
filha está tomando. Então com a sabedoria da insubstancialidade dos sinais, você
descobre que nada nasce e nada pode morrer – e você não tem medo. A verdadeira
felicidade, perfeita felicidade não pode ser possível sem destemor. Olhando
profundamente e tocando a natureza sem nascimento e sem morte elimina o medo
dentro de nós.
Existe o elemento de
delusão dentro de nós e existe o elemento de luminosidade dentro de nós. Devido
ao elemento de delusão, sofremos. Devido ao elemento de luminosidade, podemos
nos tornar um Buda. É assim que a dualidade entre o cérebro e a mente pode ser
resolvida. A realidade se expressa enquanto cérebro ou enquanto consciência. Não
é verdade dizer que o cérebro nasce da mente, ou que a mente é uma propriedade
emergente do cérebro – você não tem que fazer isto.
Você pode dizer que mente
e cérebro se manifestam a partir do solo da consciência armazenadora, e eles se
apóiam mutuamente em suas manifestações. Sem mente, cérebro não é possível; sem
cérebro, mente não consegue se manifestar. Tudo conta com tudo o mais para se
manifestar. Tal como a folha, como a flor – a flor tem que contar com elementos
que não são flor para se manifestar. O mesmo acontece com a mente. O mesmo
acontece com o cérebro.
A terceira concentração é
apranihita, ausência de objetivo. Sem preocupação, sem ansiedade estamos livres
para desfrutar cada momento de nossas vidas. Sem tentar, sem fazer grandes
esforços, apenas sendo. Que alegria! Isto parece contradizer o nosso modo normal
de operar. Estamos tentando tão duramente atingir a felicidade, lutar pela paz.
Mas talvez nossos esforços, nossas lutas, nossos objetivos sejam o próprio
obstáculo da nossa conquista da felicidade, para que fomentemos a paz. Todos nós
tivemos a experiência de buscar uma resposta e então quando soltamos e relaxamos
a resposta surge, sem esforço. Isto é ausência de objetivo.
Desfrutamos nossa
respiração, bebemos chá, sorrimos conscientemente, caminhamos com a mente atenta
e os insights surgem e a compreensão naturalmente chega. Ausência de objetivo é
uma prática maravilhosa. É tão prazerosa, tão refrescante. Eu acredito que os
cientistas necessitam desta prática tanto quanto os meditadores, para abrir as
mentes cerradas deles, para abrir às possibilidades que estão além da imaginação
deles. Muitas descobertas científicas aconteceram no solo da ausência de
objetivos, porque quando você não está programado em seu destino tem mais chance
de chegar a um novo e inesperado insight.
(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)
Nenhum comentário:
Postar um comentário