Apegos
e Escuta Compassiva
Pergunta.
Eu tenho muitos problemas para deixar as coisas irem embora: relacionamentos,
empregos, sentimentos e assim por diante. Como posso reduzir esses apegos?
Thich
Nhat Hanh:
"Deixar ir" significa abrir mão de algo. Esse algo pode ser um objeto
de nossa mente, algo que nós criamos, como uma ideia, sentimento, desejo ou
crença. Ficar preso a essa ideia pode trazer muita infelicidade e ansiedade.
Nós gostaríamos de deixá-la ir, mas como? Não basta apenas querer deixá-la ir;
temos de reconhecê-la primeiramente como sendo algo real. Temos que olhar
profundamente para a sua natureza e de onde ela veio, porque as ideias nascem
de sentimentos, emoções e experiências passadas, de coisas que temos visto e
ouvido. Com a energia de plena consciência e concentração, podemos olhar
profundamente e descobrir as raízes da ideia: o sentimento, a emoção, o desejo.
Plena atenção (mindfulness) e concentração trazem insight e insight pode nos
ajudar a liberar o objeto da nossa mente.
Digamos
que você tenha uma noção de felicidade, uma ideia sobre o que vai fazer você
feliz. Essa ideia tem suas raízes em você e no seu ambiente. A ideia lhe diz
que condições você precisa para ser feliz. Você manteve a ideia por dez ou
vinte anos e agora você percebe que a sua ideia de felicidade está fazendo você
sofrer. Pode haver um elemento de ilusão, raiva ou desejo nela. Estes elementos
são a substância do sofrimento. Por outro lado, você sabe que tem outros tipos
de experiências: momentos de alegria, liberação ou o amor verdadeiro. Você
reconhece estes como sendo momentos de felicidade real. Ao ter um momento de
felicidade verdadeira, torna-se mais fácil para você se liberar dos objetos de
seu desejo, porque você está desenvolvendo a percepção de que esses objetos não
vão fazer você feliz.
Muitas
pessoas têm o desejo de soltar, deixar ir, mas não são capazes de fazê-lo,
porque ainda não têm discernimento suficiente; eles não viram outras
alternativas, outras portas para a paz e a felicidade. O medo é um elemento que
nos impede de soltar, desapegar. Estamos com medo de que, se "deixarmos
ir", não teremos mais nada para nos agarrar. Deixar ir é uma prática; é
uma arte. Um dia, quando você for forte o suficiente e determinado o
suficiente, você vai deixar de lado as aflições que o fazem sofrer.
Pergunta:
Eu tenho praticado escuta compassiva, mas é muito difícil de ouvir as pessoas
que gritam raivosamente e repetidamente. Quanto tempo é necessário para a
prática da escuta compassiva?
Thay: Muitas pessoas
sentem a necessidade de falar o tempo todo. Isto tornou-se um hábito para elas.
Embora os amigos deles possam já ter ouvido o que estão dizendo, elas ficam
repetindo as mesmas coisas várias vezes. A verdadeira prática da escuta
profunda é algo que pode ajudar as pessoas a dizer coisas que nunca foram
capazes de dizer. A mais preciosa oportunidade é ser ouvido por alguém que tem
a capacidade de escuta profunda; isto pode trazer grande alívio para as
pessoas. Mas, neste caso, tal escuta profunda não é útil, porque esta pessoa
não está dizendo nada novo; está apenas repetindo a mesma coisa. E a mesma
coisa é regar as sementes negativas nela e em nós. Assim permitir que esta
prática continue não ajuda ninguém.
Nós
temos que dizer: "Querido amigo, eu já ouvi o que você está dizendo. Não
há sentido em repetir a mesma coisa várias vezes. Você sabe que há blocos de
sofrimento dentro de você, mas você ainda não teve a oportunidade de
reconhecê-los, olhar profundamente e descobrir a fonte que os nutre. É por isso
que você não foi capaz de transformá-los. É por isso que o seu sofrimento
continua a ser expresso de uma forma que pode fazê-lo sofrer e fazer sofrer as
pessoas ao seu redor. Portanto, a solução não é falar sobre isso, mas
reconhecer esses blocos de sofrimento e descobrir as suas causas, os tipos de
alimentos que os trouxeram para você. Reconhecer o sofrimento e cortar a fonte
do sofrimento é a nossa prática. E eu gostaria de ajudá-lo, meu caro, a
fazê-lo. Como fiz a mesma coisa em mim, tenho sido capaz de me libertar. Eu não
reclamo mais, porque tenho sido capaz de reconhecer os blocos de sofrimento em
mim mesmo. Já os abracei e olhei profundamente para eles. Eu encontrei a sua
fundação, as suas raízes, e tenho praticado a fim de parar de alimentá-los,
para que eu possa me transformar. Eu gostaria de ajudá-lo a ver que você está
fazendo a mesma coisa, e eu vou fazer tudo ao meu alcance para ajudá-lo."
Com
discurso amoroso, podemos incentivar os nossos amigos a iniciar na prática,
para abraçar o seu sofrimento, olhar profundamente na natureza do sofrimento e
começar o trabalho de transformação e cura.
Pergunta:
Tenho tentado praticar a fala e escuta amorosa no trabalho, mas meus colegas
respondem com muito cinismo.
Thay: Paciência é parte
da compaixão. Quando somos verdadeiramente compassivos, temos a capacidade de
esperar e de sermos pacientes. As pessoas respondem com cinismo e suspeita
porque encontraram situações negativas no passado. Elas não acreditam
facilmente. Não receberam amor e entendimento suficientes. Suspeitam que o que
temos a oferecer a eles não sejam amor e compaixão autênticos. Mesmo se
realmente temos amor e entendimento a oferecer, eles ainda assim têm suspeitas.
Há
muitos jovens que não receberam entendimento e amor das suas famílias, pais,
professores ou da sociedade. Eles não vêem nada bonito, verdadeiro ou bom. Eles
vagam a procura de algo em que acreditar. Eles são como fantasmas famintos. Na
tradição budista, descrevemos fantasmas famintos tendo uma barriga grande e uma
garganta muito fina, fina como uma agulha. Eles têm muita fome, mas sua
habilidade de engolir comida é limitada. Fantasmas famintos são famintos por
amor e entendimento, mas sua capacidade de receber é pequena. Você tem que
ajudar a trazer o tamanho de sua garganta de volta para o normal antes que eles
possam digerir a comida que você oferece.
Isto
requer a prática da paciência, contínua bondade amorosa e entendimento. Leva
tempo para ganhar a confiança deles. Enquanto isso você não pode ajudá-los.
Mesmo quando encarando o cinismo e a suspeita, você tem que continuar com sua
prática. Você tem que ser paciente.
(Do livro “Answers from the Heart” – Thich
Nhat Hanh)
(Tradução: Leonardo Dobbin)
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