Um dia um grupo de jovens de Kalama veio visitar o Buda
enquanto ele estava naquela área. Eles perguntaram, “Querido professor, muitos
professores vieram aqui e cada um deles defende que seu ensinamento é a
verdade, é o absoluto. Cada um diz que deveríamos segui-los e não seguir a
outro professor. Qual é a sua idéia?” O Buda disse: “Não se apresse em
acreditar em nada, mesmo se estiver escrito nas escrituras sagradas. Não se
apresse em acreditar em nada só porque um professor famoso disse. Não acredite
em nada apenas porque a maioria concordou que é a verdade. Você deveria testar
qualquer coisa que as pessoas dizem através de sua própria experiência antes de
aceitar ou rejeitar algo.”
O que o Buda disse é verdadeiramente científico. O budismo
não pode ser descrito como ciência, mas tem o espírito científico.
Como cientista, depois de algum tempo pesquisando e fazendo
vários experimentos, você descobre algo. Feita a descoberta, você tem que
publicar o que descobriu, porque acredita que descobriu a verdade, uma verdade
científica. Depois de ter publicado seu achado em uma revista científica,
outras pessoas irão olhar para ele e haverá um número muito pequeno de
especialistas no seu campo de pesquisa que irão determinar se seu achado é
verdade ou não. Para fazer isso, eles irão testar por eles mesmos. Eles não
podem apenas dizer que o que você disse é verdade porque eles são especialistas
naquele campo. Eles têm que provar com sua própria experiência. A grande
maioria das pessoas que não é especialista no campo, apenas acredita, porque
não temos meios de testar a descoberta de forma a verificar a verdade. Temos
que acreditar em um número muito pequeno de cientistas daquele campo de
atuação.
No domínio da ciência há muitas crenças. Acreditamos no que
os especialistas dizem sem testarmos por nós mesmos. Mesmo assim, tendo sido
provado que era a verdade, dez ou vinte anos depois uma nova verdade é
considerada superior, mais profunda, mais verdadeira que a verdade anterior. E
novamente haverá um punhado de especialistas que tentarão confirmar e nós, a
maioria, vamos seguir. Neste caminho nos comportamos como pessoas religiosas,
mesmo no domínio da ciência.
E sobre a prática do budismo? No budismo, o objeto de nossos
estudos é a mente e como ela se relaciona com o sofrimento e a felicidade. Não
estamos tão preocupados com a mesa ou a nuvem, com o átomo ou as estrelas. Mas
estamos preocupados com o sofrimento e felicidade. Não somos filósofos. Não
especulamos sobre felicidade e sofrimento. Queremos realmente observar nosso
sofrimento, observar nossa felicidade. Queremos achar uma solução. Queremos nos
liberar do sofrimento. Queremos trazer felicidade verdadeira. E esse é o
trabalho real que não pode ser feito apenas falando.
Quando você senta em meditação, segue sua respiração e gera
a energia da plena consciência e concentração, tem os instrumentos para
trabalhar. Pode reconhecer e abraçar seu sofrimento. Pode cultivar o tipo de
sabedoria que pode ajudar a desintegrar o sofrimento. Você pode fazer isso no
espírito empírico – você realmente entra nele, e não apenas fala sobre ele. Seu
sofrimento é a realidade e você o reconhece. Você entra nele, analisa e usa sua
plena consciência, concentração e insight de forma a transformá-lo. É como um
cientista usando seus instrumentos de forma a olhar profundamente na natureza
do que está lá. E depois de usar o método de transformação e cura, você pode
querer compartilhar isso com seus alunos ou amigos.
Há bons praticantes de meditação que tem mais ou menos o mesmo
tipo de experiências. Eles tentam verificar e experimentar o mesmo tipo de
coisa. Se eles forem bem sucedidos, podem dizer: “O que você nos disse é
verdade. Eu tive a mesma experiência.” Mas muitas pessoas em volta apenas
acreditam, sem ter a experiência. Portanto não há grande diferença entre
ciência e budismo. Muitos budistas apenas acreditam. Há apenas um punhado de
nós que podem testemunhar a verdade que foi descoberta.
Budismo às vezes descreve a mente e às vezes o mundo, mas
essa descrição não é pelo prazer da descrição. A descrição objetiva a prática.
Se você aprender sobre a mente é porque quer praticar bem. Não é porque quer
uma bela doutrina sobre a mente. Se você falar sobre impermanência e não-eu não
é pelo prazer de descrever a realidade como sendo impermanente e livre de um eu
separado. Essa descrição é um instrumento que o ajuda a se liberar,porque a
verdade da impermanência e não-eu podem te ajudar a superar seu desespero, seu
medo e assim por diante. Portanto há uma diferença.
Quando um cientista estuda uma partícula, tem que usar
instrumentos, aceleradores de partícula e outros, mas ele tem que usar a mente
também. A maioria dos cientistas fica fora da partícula como um observador, e a
partícula se torna o objeto da observação. Mas na experimentação dos
praticantes budistas, você não fica fora como um observador. Não pode se
estabelecer como observador. Tem que se tornar participante, porque o bloco de
sofrimento que você experimenta não é o objeto de sua observação. É você. Você
é o bloco de sofrimento. É por isso que o Buda disse para se praticar a
contemplação do corpo no corpo, contemplação dos sentimentos nos sentimentos.
Não é possível ficar de fora, em pé, observando. Você tem que se tornar uno com
o objeto que observa. Esta é a diferença entre ciência e budismo, e os
cientistas modernos começaram a ver isso.
O físico britânico David Bohm disse que de forma a realmente
entender o átomo você teria que parar de ser apenas um observador. Deveria
começar a ser um participante. Isto é muito próximo da disciplina da meditação.
A esquerda política acredita na ciência, no liberalismo, na
razão. Eles lutam com todas as forças contra o fundamentalismo e o dogmatismo,
mas ainda sofrem muito. Eles não têm força suficiente. Politicamente falando
eles perderam a eleição. Como eles apóiam a ciência e a liberdade de
pensamento, são anti-dogmáticos, sim, mas isto ainda não é suficiente. Eles não
estão aptos a trazer a dimensão espiritual para dentro das suas vida. É
possível ter dimensão espiritual na nossa vida diária, na nossa política, na
nossa vida econômica, sem sermos capturados pelo fundamentalismo?
O Buda provou que era liberal, mas ele era profundamente
espiritual. É por isso que ao falar em evolução biológica você tem que falar em
evolução cultural, evolução espiritual, que tem o poder de nos liberar do
dogmatismo e do fundamentalismo. A questão é como a ciência e a meditação podem
dar as mãos de forma a ir em frente ao futuro, para nossa liberação. Esta é uma
questão de nosso tempo.
Em agosto de 2006, teremos um retiro sobre a Mente e a
Neurociência, e teremos uma chance de tocar nesse problema. Budismo às vezes
parece uma religião, mas não é verdadeiramente uma religião. Às vezes parece
ciência, mas não é ciência, por que estamos preocupados com a realidade última.
Nós gostamos de fazer perguntas, mas também queremos nos transformar, nos
curar. Há dentro do budismo uma tremenda fonte de sabedoria e experiência
passada pelo Buda através de muitas gerações de praticantes. Podemos aprender
muito de suas experiências de forma que possamos por nossa vez nos transformar
e ajudar a curar e transformar o mundo.
(Transcrito de um Dharma Talk de Thich Nhat Hanh em um
retiro para cientistas em 17 de novembro de 2005 em Plum Village)
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