quinta-feira, 12 de julho de 2018

Perguntas Sobre Apego e Escuta Compassiva


Apegos e Escuta Compassiva



Pergunta. Eu tenho muitos problemas para deixar as coisas irem embora: relacionamentos, empregos, sentimentos e assim por diante. Como posso reduzir esses apegos?



Thich Nhat Hanh: "Deixar ir" significa abrir mão de algo. Esse algo pode ser um objeto de nossa mente, algo que nós criamos, como uma ideia, sentimento, desejo ou crença. Ficar preso a essa ideia pode trazer muita infelicidade e ansiedade. Nós gostaríamos de deixá-la ir, mas como? Não basta apenas querer deixá-la ir; temos de reconhecê-la primeiramente como sendo algo real. Temos que olhar profundamente para a sua natureza e de onde ela veio, porque as ideias nascem de sentimentos, emoções e experiências passadas, de coisas que temos visto e ouvido. Com a energia de plena consciência e concentração, podemos olhar profundamente e descobrir as raízes da ideia: o sentimento, a emoção, o desejo. Plena atenção (mindfulness) e concentração trazem insight e insight pode nos ajudar a liberar o objeto da nossa mente.



Digamos que você tenha uma noção de felicidade, uma ideia sobre o que vai fazer você feliz. Essa ideia tem suas raízes em você e no seu ambiente. A ideia lhe diz que condições você precisa para ser feliz. Você manteve a ideia por dez ou vinte anos e agora você percebe que a sua ideia de felicidade está fazendo você sofrer. Pode haver um elemento de ilusão, raiva ou desejo nela. Estes elementos são a substância do sofrimento. Por outro lado, você sabe que tem outros tipos de experiências: momentos de alegria, liberação ou o amor verdadeiro. Você reconhece estes como sendo momentos de felicidade real. Ao ter um momento de felicidade verdadeira, torna-se mais fácil para você se liberar dos objetos de seu desejo, porque você está desenvolvendo a percepção de que esses objetos não vão fazer você feliz.



Muitas pessoas têm o desejo de soltar, deixar ir, mas não são capazes de fazê-lo, porque ainda não têm discernimento suficiente; eles não viram outras alternativas, outras portas para a paz e a felicidade. O medo é um elemento que nos impede de soltar, desapegar. Estamos com medo de que, se "deixarmos ir", não teremos mais nada para nos agarrar. Deixar ir é uma prática; é uma arte. Um dia, quando você for forte o suficiente e determinado o suficiente, você vai deixar de lado as aflições que o fazem sofrer.



Pergunta: Eu tenho praticado escuta compassiva, mas é muito difícil de ouvir as pessoas que gritam raivosamente e repetidamente. Quanto tempo é necessário para a prática da escuta compassiva?



Thay: Muitas pessoas sentem a necessidade de falar o tempo todo. Isto tornou-se um hábito para elas. Embora os amigos deles possam já ter ouvido o que estão dizendo, elas ficam repetindo as mesmas coisas várias vezes. A verdadeira prática da escuta profunda é algo que pode ajudar as pessoas a dizer coisas que nunca foram capazes de dizer. A mais preciosa oportunidade é ser ouvido por alguém que tem a capacidade de escuta profunda; isto pode trazer grande alívio para as pessoas. Mas, neste caso, tal escuta profunda não é útil, porque esta pessoa não está dizendo nada novo; está apenas repetindo a mesma coisa. E a mesma coisa é regar as sementes negativas nela e em nós. Assim permitir que esta prática continue não ajuda ninguém.



Nós temos que dizer: "Querido amigo, eu já ouvi o que você está dizendo. Não há sentido em repetir a mesma coisa várias vezes. Você sabe que há blocos de sofrimento dentro de você, mas você ainda não teve a oportunidade de reconhecê-los, olhar profundamente e descobrir a fonte que os nutre. É por isso que você não foi capaz de transformá-los. É por isso que o seu sofrimento continua a ser expresso de uma forma que pode fazê-lo sofrer e fazer sofrer as pessoas ao seu redor. Portanto, a solução não é falar sobre isso, mas reconhecer esses blocos de sofrimento e descobrir as suas causas, os tipos de alimentos que os trouxeram para você. Reconhecer o sofrimento e cortar a fonte do sofrimento é a nossa prática. E eu gostaria de ajudá-lo, meu caro, a fazê-lo. Como fiz a mesma coisa em mim, tenho sido capaz de me libertar. Eu não reclamo mais, porque tenho sido capaz de reconhecer os blocos de sofrimento em mim mesmo. Já os abracei e olhei profundamente para eles. Eu encontrei a sua fundação, as suas raízes, e tenho praticado a fim de parar de alimentá-los, para que eu possa me transformar. Eu gostaria de ajudá-lo a ver que você está fazendo a mesma coisa, e eu vou fazer tudo ao meu alcance para ajudá-lo."



Com discurso amoroso, podemos incentivar os nossos amigos a iniciar na prática, para abraçar o seu sofrimento, olhar profundamente na natureza do sofrimento e começar o trabalho de transformação e cura.



Pergunta: Tenho tentado praticar a fala e escuta amorosa no trabalho, mas meus colegas respondem com muito cinismo.



Thay: Paciência é parte da compaixão. Quando somos verdadeiramente compassivos, temos a capacidade de esperar e de sermos pacientes. As pessoas respondem com cinismo e suspeita porque encontraram situações negativas no passado. Elas não acreditam facilmente. Não receberam amor e entendimento suficientes. Suspeitam que o que temos a oferecer a eles não sejam amor e compaixão autênticos. Mesmo se realmente temos amor e entendimento a oferecer, eles ainda assim têm suspeitas.



Há muitos jovens que não receberam entendimento e amor das suas famílias, pais, professores ou da sociedade. Eles não vêem nada bonito, verdadeiro ou bom. Eles vagam a procura de algo em que acreditar. Eles são como fantasmas famintos. Na tradição budista, descrevemos fantasmas famintos tendo uma barriga grande e uma garganta muito fina, fina como uma agulha. Eles têm muita fome, mas sua habilidade de engolir comida é limitada. Fantasmas famintos são famintos por amor e entendimento, mas sua capacidade de receber é pequena. Você tem que ajudar a trazer o tamanho de sua garganta de volta para o normal antes que eles possam digerir a comida que você oferece.



Isto requer a prática da paciência, contínua bondade amorosa e entendimento. Leva tempo para ganhar a confiança deles. Enquanto isso você não pode ajudá-los. Mesmo quando encarando o cinismo e a suspeita, você tem que continuar com sua prática. Você tem que ser paciente.



(Do livro “Answers from the Heart” – Thich Nhat Hanh)

(Tradução: Leonardo Dobbin)

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