domingo, 21 de abril de 2013

As Quatro Nobres Verdades


texto compilado por Karma Tenpa Dharguye
“Um dos ensinamentos básicos do Buda é que é possível viver feliz no momento presente. Drishta dharma sukha vihari é a expressão em sânscrito. O Dharma lida com o momento presente. O Dharma não é uma questão de tempo. Se você pratica o Dharma, se vive de acordo com o Dharma, a felicidade e a paz estão com você agora.  A cura se dá tão logo o Dharma seja abraçado”.
Thich Nhat Hanh, Living Buda, Living Christ.

No ano 589 antes da era cristã (2513 do atual Kali Yuga), depois de experimentar sua iluminação debaixo de uma figueira do Parque das Gazelas, em Sarnath, Buda Shakyamuni fez o seu primeiro sermão, em que apresentou as quatro nobres verdades de que (1) existe sofrimento; (2) o sofrimento tem causas; (3) o sofrimento tem um fim e (4) existe um caminho para finalizar o sofrimento. Mostra que tudo é sofrimento, que a causa do sofrimento é o desejo, que o sofrimento cessa quando o desejo cessa; e que isso se consegue seguindo o caminho das oito vias. No sermão de Benares, afirmou ainda que o esforço correto é o do equilíbrio eqüidistante de todos os extremos – o Caminho do Meio, e que a liberação do ‘eu’ libera nossos corações da avidez, do ódio e da ilusão, abrindo a mente para a Sabedoria e o coração à bondade e à Compaixão. Segundo o Buda, nós devemos conhecer as quatro verdades, saber a tarefa a ser feita em cada uma delas e finalmente realizá-las por completo. Elas são semelhantes a uma receita médica, diagnosticando a doença, a causa desta doença, o remédio para curá-la e a prescrição de como tomá-lo.


A Nobre Verdade do Sofrimento
(sânsc. - Duhkha - páli - Dukkha)
“A condição de Samsara é basicamente uma condição da mente e não do mundo externo — apesar de muitas pessoas suporem o contrário. O Samsara não é o mundo material onde vivemos — casas, árvores, montanhas, rios, animais etc. Ao invés disso, [o Samsara] é a mente que vive ocupada e que nunca consegue aquietar-se”.
Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism.

A Primeira Nobre Verdade nos lembra da existência cíclica de sofrimentos e renascimentos sem fim, que os budistas chamam da Roda da Vida ou Samsara. Buda revela aqui que tudo no mundo encerra uma possibilidade de causar sofrimento. ‘Nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer’. Para o budismo, todo esse sofrimento ultrapassa o mero desconforto físico e psicológico ao manchar a existência como um todo. Buda, no entanto, não negou a felicidade mundana, mas reconheceu que não podemos ter a expectativa de que ela dure — esse tipo de felicidade é impermanente, insatisfatório e sem essência. Buda diagnosticou esta insatisfação como uma doença que atinge todos os seres sencientes. A tarefa da primeira nobre verdade é que o sofrimento deve ser completamente entendido.
Em seus sermões, Buda lembrou diversos acontecimentos corriqueiros de nossas vidas, que para nós são sofrimento, na medida em que não estamos conscientes de como as coisas atuam e não somos senhores de nós mesmos, parte devido a condicionamentos automatizados, parte à ignorância intrínseca que todos temos. A Primeira Nobre Verdade é esta tomada de consciência; é somente a porta de entrada para a mensagem de que há uma saída para nossos problemas.

A Nobre Verdade da Causa do Sofrimento (sânsc. e páli Samudaya)

“Sofremos, não porque somos basicamente maus ou porque merecemos ser punidos, mas por causa de três trágicos mal-entendidos. Primeiro, esperamos que aquilo que está em constante mudança seja previsível e possa ser aprisionado. [...] Em segundo lugar, procedemos como se fôssemos separados de todo o resto, como se fôssemos uma identidade permanente, quando, na verdade, nossa situação é ‘sem ego’. [...] Em terceiro lugar, procuramos a felicidade sempre nos lugares errados. O Buda chamou esse hábito de ‘confundir sofrimento com felicidade’, como uma mariposa que voa para a chama”.
Pema Chödrön, Os Lugares Que Nos Assustam.

Na segunda nobre verdade, Buda ensina que o sofrimento não surge ‘por acaso’, nem é um castigo imposto por um ‘ser superior’ em decorrência de nossos ‘pecados’. Sua origem não está em coisas externas como a sociedade, a política e a economia; estas são causas secundárias, reflexos externos de nossas delusões internas. Para Buda, o sofrimento é causado pelo apego ao desejo e ao intenso ‘querer’ do ser humano, a sede de prazeres físicos, uma ânsia que nunca pode ser plenamente saciada e que, portanto, sempre irá provocar um sentimento de desprazer. O desejo deludido faz com que nos apeguemos à falsa idéia de um ‘eu’ ou ‘ego’, que possui grande apego por felicidade, ganhos, elogios e fama – e não consegue mantê-los – e uma aversão pela tristeza, perdas, críticas e difamação – e nem sempre consegue evitá-las. Para Buda, até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano contribui para manter o sofrimento. Enquanto ele se apegar à vida irá perceber o mundo como sofrimento. O desejo de não existir também causa dor e confirma a ilusão da existência de um ego, pois é baseado na sua existência que a pessoa, frustrada e cansada, deseja aniquilá-lo ou paralisá-lo.
Para o budismo não há nada de errado em ter prazer ou desejos. O erro é nos subjugarmos a eles através do apego, e em vez de sermos senhores de nossa situação, sermos apenas escravos deste apego/aversão. Por exemplo: ao obtermos algo que desejamos ficamos felizes. A realização daquele desejo, preenchendo-o e finalizando-o é a experiência da felicidade. Pela lei da impermanência, esta experiência tem um fim, e pelo apego gerado desejamos reviver aquela felicidade. Só que este desejo pedindo imediata satisfação cria tensão, angústia, medos. Ficamos presos então a uma roda viva de desejos-satisfação-apego-aversão-outro desejo.
Algumas emoções negativas que causam sofrimento: desejo, cobiça, ambição, luxúria, avareza, ganância ou apego (sânsc. - kama-raga, páli - lobha); raiva, ódio, cólera, agressão, má-vontade ou aversão (sânsc. - dvesha, páli - dosa); ignorância, confusão, dúvida, ilusão ou delusão (sânsc. - avidya, páli - moha).
“O querer sábio não pode dar origem ao apego. Desta forma, não há apego ao conceito ilusório de “Eu” ou “Meu” e não há a existência do “Ego”, nem nascimento do Ego. Não há Ego, nem Eu ou Meu a surgir. Nada pode, desta maneira, entrar em contato com o ‘eu’, pois sem ‘eu’ não há problema algum na mente”.
Achaan Budadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Budista.

A Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento (sânsc. - Nirodha, páli  - Nirodho)
“Naquele que é caridoso a virtude crescerá. Naquele que domina a si próprio nenhuma cólera poderá aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana”
O Buda, Mahaparinibbana Sutta.


A Terceira Nobre Verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Em termos budistas, isto só é possível quando o desejo cessa. Para isso, a ignorância do homem deve ser enfrentada, pois ela é a causadora do desejo. O homem não se liberta sem desenvolver em si o afloramento da Sabedoria interior, do Amor e da Compaixão, itens imprescindíveis para a nossa sobrevivência, ensinados por Buda. A total cessação do sofrimento também é conhecida como a liberação (sânsc. - Nirvana, páli - Nibbana).
A tarefa da terceira nobre verdade é que a cessação deve ser completamente realizada.
Nirvana
Palavra de conhecimento mundial, mas cujos significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Em sânscrito, “nir” é “não”, e “vana” é “cordão”; assim Nirvana pode ser traduzido como “não estar preso”, ou “estar liberto” (da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor). No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou “paraíso”, e pode ser alcançado por todos que renunciam ao “eu” e ao apego. É um estado de paz e alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento. Aquele que atinge o Nirvana não se arrepende do passado nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro, meigo, cheio de Amor Universal, Compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro, nem acumula coisa alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do desejo de vir a ser alguma coisa. Buda atingiu o Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa Sidarta Gautama morria para dar lugar ao Iluminado. Segundo textos budistas, ele renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.

A Nobre Verdade do Caminho que Leva à Cessação do Sofrimento (sânsc. - marga, páli - magga)
“[Buda] nos ensinou o caminho do meio; a não sermos muito rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um extremo, nem a outro. [...] Trilhar o caminho do meio faz surgir condições que conduzem ao estudo e prática, bem como ao sucesso em colocar um fim ao sofrimento. A expressão 'caminho do meio' pode ser aplicada genericamente em muitas situações variadas. Não é possível você se enganar. O caminho do meio consiste em seguir o meio dourado. Conhecer as causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo, conhecer quanto é suficiente, conhecer o tempo apropriado, conhecer os indivíduos, conhecer os grupos de pessoas: estas sete nobres virtudes constituem o caminho do meio”.
Achaan Budadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo.

A Quarta Nobre Verdade consiste na base de todo treinamento budista. Indica o Caminho a tomar para a cessação do sofrimento e do renascimento: A Nobre Senda Óctupla, Caminho do Meio ou O caminho das Oito Vias.
Com base em sua própria existência, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim, à 'roda da vida'. Todo budista deverá aplicar o esforço correto para trilhar o caminho do meio, ficando longe de radicalismos, de pontos de vistas extremos e errôneos, vivendo conforme o conselho de Buda: se esticarmos demais as cordas do violão elas arrebentarão, e se as deixarmos frouxas, elas não produzirão o som adequado. O ideal está no meio-termo, na medida correta das coisas. Assim, cada budista deverá descobrir qual é o seu ‘Caminho do meio’.
O caminho para dar fim ao sofrimento é o ’caminho do meio’, e Buda o descreveu em três áreas simultâneas e complementares (Vida ética, Concentração e Sabedoria), que juntas reúnem oito partes: (1) Compreensão Correta ou Completa; (2) Pensamento Correto; (3) Palavra Correta; (4) Ação Correta; (5) Meio de Vida Correto; (6) Esforço Correto; (7) Conscientização Completa ou Correta; e (8) Concentração Correta.

O símbolo universal budista da Roda, a Roda da Lei – que se opõe à Roda da Vida de ignorância e sofrimentos – que é composta por oito fatores e são representados pelos oito raios da Roda. Cada Raio representa um fator que nós todos temos funcionando em nossas vidas diárias, só que de forma incompleta, parcial, obscura ou errônea. Budismo busca colocar estes oito fatores funcionando em nossas vidas em seu lado pleno.
Compreensão Correta ou Completa e Pensamento Correto: Busca da Sabedoria, libertando o homem da ignorância que o mantém na roda da vida. O homem deve construir sua compreensão sobre como o mundo funciona, lutar contra o desejo, evitar sentimentos que causam o sofrimento, como ódio e luxúria, e olhar o Buda como um ideal. Palavra Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto: Código de ética do budismo. O homem deve parar com mentiras e intrigas, e falar com o seu semelhante de forma verdadeira e carinhosa. Ficar em silêncio quando necessário. Deve seguir os cinco mandamentos (não matar nenhum ser vivo, não roubar, não ser sexualmente promíscuo, não mentir e não tomar estimulantes). Escolher um trabalho que não contrarie esses mandamentos. Por exemplo, embora o budista possa comer carne, não pode ser açougueiro.
Esforço Correto, Conscientização Completa ou Correta e Concentração Correta: Maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo. O budista deve evitar pensamentos ou estados de espírito destrutivos, e se já existirem, devem expulsá-los. Deve praticar a autocontemplação para obter pleno controle do seu corpo e de sua mente. Uma vez conseguido isto, ele estará pronto para iniciar a meditação. Através dela, o budista pode atingir a plena iluminação, libertando-se da lei do carma. O budista se torna então um Arhat (isto é, 'venerável'), o que significa que não irá mais renascer. E quando morrer atingirá o eterno nirvana.
“Às vezes os ensinamentos podem parecer pouco práticos. Você pode dizer, ‘Tudo bem, entendi tudo, mas tenho um pequeno problema: hoje é dia 18 e no dia 20 tenho de saldar uma conta. O que vou fazer? Explicar ao gerente do banco o Nobre Caminho Óctuplo? Ele pode até compreender, mas não vai poder me ajudar [...] Podemos manipular coisas, dar jeitinhos, mas existe um limite. Quando manipulamos, o ensinamento budista diz: isso não é liberação, isso é o modo de agir na roda da vida, mas a efetividade dessa ação não passa de certo ponto. Em um determinado momento, vamos ter mesmo de passar pelas piores circunstâncias. Quando isso acontece, surge à possibilidade de liberação, como ocorreu com o Buda, a revelação da natureza ilimitada que está além da roda da vida. O ensinamento budista não diz que você vai se livrar das dificuldades. O budismo ensina que, no meio das dificuldades, sua natureza última não entra em sofrimento, não pode ser afetada. Esse é o ensinamento mais sutil sobre crise. No budismo dizemos que sofrimento e alegria têm a mesma face quando contemplados a partir da natureza última. Na natureza última não é corrompida na alegria e não entra em crise no sofrimento”.

Padma Samten, Meditando a Vida


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A Primeira Nobre Verdade diz que todas as experiências condicionadas são insatisfatórias. Ou seja, tudo que tem um início, tem um fim, e tendo um fim, não é, num sentido definitivo, satisfatório. Uma boa experiência nunca dura para sempre, e nunca estamos seguros de que uma experiência ruim não venha a surgir.

A Segunda Nobre Verdade diz que a insatisfatoriedade surge principalmente de não reconhecermos as experiências condicionadas como verdadeiramente são, isto é, de gerarmos uma falsa expectativa quanto a elas, de nos associarmos a elas de uma forma errônea, tentando conseguir nelas o que elas nunca vão nos dar. Assim, as perseguimos incansavelmente, na esperança de que a próxima seja uma solução definitiva. Porém, a causa disso é essencialmente não as vermos como verdadeiramente são. 
Algumas vezes a primeira e a segunda Nobres Verdades são traduzidas como “o mundo é sofrimento” e “a causa do sofrimento é o desejo”, mas o ponto principal é entender que o problema existe (nossa insatisfação), e que ele tendo uma causa, pode ser dissolvido. Então são a verdade de que há uma tensão, há uma complicação, que precisa ser reconhecida, mas que também é preciso reconhecer que esse problema não é natural, e sim possui uma causa.

Eliminando a causa, temos a Terceira Nobre Verdade. Isto é, ao parar de atribuir às experiências condicionadas o poder de nos dar felicidade, reconhecemos a verdadeira natureza das coisas e de nós mesmos como inerentemente satisfatórias, num sentido que está além do que se poderia chamar de “felicidade condicionada”, isto é, que depende de condições externas ou internas para começar — e que portanto, um dia termina. A terceira Nobre Verdade nos revela o cessar da atribuição errônea de expectativas, e o repousar na perfeição do que já é, exatamente como se apresenta, sem artificialidade. 

A Quarta Nobre Verdade então nos dá um método para alcançarmos este estado, o que é chamado de Nobre Caminho Óctuplo, ou, podemos dizer, todos os métodos que o Buda ensinou são a quarta Nobre Verdade, que nos dá uma miríade de métodos de produzir o entendimento e aplicação das três outras Verdades como um modo de atingir a liberdade última perante nosso hábito de procurar a felicidade no lugar errado.


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